1.4.13

O Coletivo de Mães -- ou Por que tantas mulheres são tão chatas?


Viajamos no feriado da Páscoa, fomos a um hotel-fazenda não muito longe do Rio.
Minhas amigas zombam de mim porque eu vivo indo a hotel-fazenda com as crianças, mas é verdade que acho um ótimo programa, e principalmente me lembro de adorar essas viagens quando eu era criança. Andar a cavalo, dar comida a galinhas, tomar banho no lago, correr pela grama, ver formiga, minhoca, borboleta e lagarta. Acho bom.
Como era um feriado prolongado, o lugar estava lotado de famílias. Oportunidade perfeita para o surgimento do Coletivo de Mães, uma associação quase imediata que se forma quando as crianças começam a brincar juntas e as mulheres perdem a capacidade de encontrar mais o que fazer além de ficar, digamos, confraternizando com outras mulheres, celebrando o exercício da maternidade, ou coisa que o valha. Pracinhas e pátios de creches na hora da saída das crianças são outras habitats naturais do Coletivo.
Via de regra, é insuportável.
Porque é assim: fala-se apenas sobre criança, marido e criadagem. Não necessariamente nessa ordem. E o tom que impera é o que chamo de "competição de martírio". As mães estão sempre reclamando ou se vangloriando do sacrifício que fazem em nome do tal exercício da maternidade. O filho já pode ter 9 anos de idade, mas a mãe-mártir está ali para te contar que dos zero aos dois anos aquela criança não dormiu mais de quatro horas seguidas, ou que tem alergia a quase tudo, além de intolerância a lactose, fotofobia ou transtorno de déficit de atenção. Se uma diz que os dentes de sua criança estão nascendo e incomodando, a mãe ao lado se apressa em contar como os dentes do filho dela nasceram tão mais cedo que foi uma dificuldade ainda maior. Gostam ainda de brandir aos quatro ventos o quão chatinho o filho é para comer, e como isso exige dela tantas peripécias, idas ao pediatra e complementos alimentares caros. Ao que outra vai responder com alguma coisa ainda mais fantástica, como Meu filho não gosta de beber água, ou sei lá mais o quê. Há sempre também uma história sobre uma doença rara, operação de emergência numa localidade remota, ou picada de bicho peçonhento. E fatalmente, o desfecho sacrificado, mas com final feliz.
A mãe/mulher-mártir pode ter te conhecido há menos de dez minutos, mas não hesita em contar que o marido nunca lembra de pegar as coisas, ou é incapaz de saber onde guardar pomada, chapéu, par de meias extra, protetor solar, descongestionante nasal ou repelente. Gosta também de deixar todo mundo a par que foi ela quem fez as reservas para o hotel, porque esses maridos jamais sabem fazer esse tipo de coisa -- se fizerem, claro que fazem do jeito errado. Esses horríveis pais tampouco acordam à noite quando os filhos choram, vão ao pediatra ou às reuniões da escola -- a menos que seja para falar alguma bobagem ou comentário fora de lugar.
E nessa ladainha o tempo passa, com esses discursos de superação de dificuldades inventadas se autovalidando reciprocamente, numa mistura de grupo de apoio e redenção pela identificação. No fundo ninguém se escuta, apenas registra-se brevemente o assunto para logo em seguida contrapor seu próprio e mais extremo exemplo.
Pode-se dizer, claro, que essa não é minha turma e que preciso frequentar lugares e pessoas com quem possa desenvolver afinidade. É um ponto válido. O que me intriga, sinceramente, é o compartilhamento desse tipo de informação com quem nem se conhece. É a assunção de que os pormenores da saúde e desenvolvimento do seu rebento vão interessar a qualquer um. O que aconteceu com falar mal do governo e comentar sobre filmes e livros? Não sei não. Tudo isso me parece amostra de um egocentrismo exacerbado e inconsciente, que naturalmente se reflete na forma de ser dessas crianças.
Dito isto, registre-se que a viagem foi ótima.

8 comentários:

Marcus Pessoa disse...

Isso só me lembra aquelas reuniões de colegas de trabalho no happy hour onde ficam tentando falar de... trabalho.

Mas como trabalho = tripalium, as pessoas acabam tendo brio suficiente pra parar, na hora em que alguém fala o quanto isso é absurdo.

Cláudia disse...

Anna,
o Coletivo de Mães é insuportável.
Quando fui deixar minha pequena na escola ontem, tinha uma roda de mulheres histéricas, discutindo, em alteradíssimo tom, a vida após a regulamentação do trabalho doméstico. Caras de pânico e revolta. Nenhum homem no grupo, há que se registrar. Quatro horas depois, fui buscar a filhinha e lá estavam as próprias e mais outras, discutindo o mesmo assunto.
Que preguiça me dá o Coletivo de Mães...
E viva a sua conversa ótima, Anna, que faz a gente acreditar que há vida inteligente na maternidade! Estou felicíssima com a volta do blog!
Beijos para você e os Queridos!
Cláudia

Anônimo disse...

Será que essas mulheres não gostam de ler livros, ver bons filmes, não trabalham, são apenas mães 24 horas por dia?
Puxa, que coisa chata!Quando as crianças crescerem, coitados dos maridos!
Muito bom você continuar com o blog.
Tereza.

vera maria disse...

E como estão, as crias da anna v? São meus netos virtuais :)), tomara que role fotinha de mathilde, que conheço da barriga da mãe. bjos, querida, quando lu era pequena adorava tb os hotéis-fazenda, em MG tem ótimos, e com poucas mães :) clara

. disse...

Mãezillas.
Devo muito a essas abnegadas e focadas criaturas: comecei a ir pra academia pra não ter que ficar encarando 50 minutos de papo de Coletivo (era pouco tempo pra voltar pra casa ou ir ao mercado) na frente da janelinha da natação das crianças.
Eu sempre me pergunto se essas pessoas têm gostos pessoais, se ouvem uma música, qualquer coisa assim. Porque parece que a identidade foi embora quando a placenta foi jogada fora.

Bom te ler de novo aqui!

:*

anna v. disse...

Ah, a alegria do reconhecimento, a felicidade da identificação, a glória de saber que não se está falando sozinha!
Que bom saber que outras pessoas compartilham meu desconforto com o Coletivo de Mães. Vamos fugir delas.
Fotos das crianças muito em breve!

Anônimo disse...

Ai Anna, me identifiquei tanto com o coletivo de mães ... tenho duas filhas, uma de quatro e outra de dois e meio, trabalho loucamente como autônoma e não consigo uma babá pra me ajudar, nem no fim de semana - resultado : não tenho mais vida própria - não sei o que é ler um livro , ver um bom filme, sentar tranquilamente num restaurante, tomar um drink, ir a praia e relaxar ... só sei falar das crianças e dos problemas que me cercam ... às vezes, nem eu me aguento ! me dá umas dicas de como sair desse coletivo ?!?!?!?! bjssss

anna v. disse...

Anônima, quando nem você se aguenta é porque a coisa já ficou feia mesmo. Despacha as crianças, nem que seja com o próprio pai delas, e vai viver um pouquinho, nem que seja duas horinhas por semana.