8.6.13

Doppelgänger

Mais um sábado passado integralmente com as crianças, e é impressionante o quanto fico exaurida ao fim do dia. O dia hoje foi ótimo, fizemos um monte de coisas legais, eles brincaram com outras crianças, viram gente diferente, passearam etc. Mas mesmo assim o nível de apego é tão grande, é tanto mamãe, mamãe, mamãe, mamãe o dia inteiro, que só depois que eles dormem é que eu solto o ar que nem percebi que estava prendendo.

Não sei se é uma carência especial dos fins de semana, ou se tem a ver com o fato de eu trabalhar fora -- pode ser, ou talvez não tenha nada a ver. Atualmente, com nossos horários, e com a espantosa sorte que tenho de morar tão perto do trabalho, tenho feito as três principais refeições do dia na ilustre companhia deles, então não é exatamente como se nos víssemos muito pouco.

Ser assim tão absolutamente protagonista na vida afetiva de criaturas tão especiais quanto esses dois é, logicamente, uma delícia e um privilégio - e sei que é uma situação que está com os dias contados, muito em breve eles não vão mais querer fazer nada comigo, vão morrer de vergonha de coisas que não vou nem entender, etc. Então, eu sei que vou sentir saudade dessa época que eles me querem pra tudo, lembrarei esses dias com nostalgia, tenho certeza.

Mas ao mesmo tempo não posso deixar de registrar, para não esquecer, o quanto isso exige, emocional, física e psicologicamente. O quanto tenho de sacrificar, em tantas facetas da minha vida, para estar mais presente na vida deles.

Hoje minha filha me disse, meio aflita com minha incapacidade de atender a tantas demandas: Mamãe, eu queria que você fosse duas.

E me fez lembrar Fernando Pessoa...

Tenho pena e não respondo. 
Mas não tenho culpa enfim 
De que em mim não correspondo 
Ao outro que amaste em mim. 

Cada um é muita gente. 
Para mim sou quem me penso, 
Para outros --- cada um sente 
O que julga, e é um erro imenso. 

Ah, deixem-me sossegar. 
Não me sonhem nem me outrem. 
Se eu não me quero encontrar, 
Quererei que outros me encontrem?

4.6.13

Felicidade é...

Sair por aí na sua bicicleta...


1.6.13

A função random e o conceito de álbum

Estive pensando que os primeiros CD players que ofereceram a função "random", pela qual as músicas tocam em ordem aleatória, contribuíram para a mudança radical no paradigma da apreciação musical que se consolidou nos últimos vinte anos.

Essa teoria me veio à mente enquanto ouvia, pela milionésima vez, os discos dos Beatles que passei para MP3 e joguei dentro do celular - fico escutando nas idas e vindas do trabalho para casa, no caminho de/para o almoço, e em qualquer outro deslocamento*. Tenho em casa quase todos os CDs dos Beatles, mas só passei para o celular alguns dos meus favoritos: Abbey RoadRubber Soul, Revolver e Help!


Ouvindo esses álbuns, não há como não lamentar a perda da concepção do álbum como obra de arte per se. A relação entre as músicas, a ordenação, o tempo de intervalo entre uma faixa e a seguinte, tudo isso tem um significado e contribui muito para passar a mensagem do artista para o ouvinte.

Minha relação com os Beatles começou através de minha mãe, beatlemaníaca de primeira hora, que me emprestou suas fitas Basf com as gravações dos LPs. Como esses LPs não estavam nas melhores condições, nas fitas havia alguns pulos e chiados que eu até hoje busco inconscientemente quando escuto os álbuns. No meu aniversário de 12 anos, meus pais me deram um lindo livro para piano, "The Complete Beatles Songbook", com partituras para piano e melodia, uma raridade importada na época, que muito prezo e tenho até hoje, encapado com plástico.

Então escuto a sequência absurdamente arrasadora que é Help!-The Night Before-You've Got to Hide Your Love Way, e de como esse disco é uma espécie de transição entre os roquinhos tolos e inocentes porém gostosinhos (You're Gonna Lose That Girl) e uma mensagem mais relevante - musical e extra-musical (Yesterday), como o álbum faz um arco, por assim dizer, que você só percebe se ouvi-lo do início ao fim, na ordem. Ou Revolver, disco de radicaliza ainda mais essa transição do grupo ao incorporar tantas outras influências, cuja fantástica faixa de encerramento, Tomorrow Never Knows, de tão "mind-blowing" aparece no final de um episódio da quinta temporada de Mad Men, quando o personagem principal, Don Draper, percebe que já não está mais dominando o espírito do seu tempo, que os anos 60 são diferentes demais dos 50, e então sua jovem segunda esposa traz esse disco para casa, recém-lançado, e recomenda expressamente: ouça a última faixa - e é um dos melhores encerramentos de episódio ever, justamente porque é um dos melhores encerramentos de álbum ever. (Mas mesmo adorando Revolver, ainda não consigo compreender o que uma música tão boba quanto I'm Only Sleeping faz depois do choque de Eleanor Rigby, simplesmente não entendo e acho um anticlímax tremendo.) E ainda, em Abbey Road, e a maestria com que Golden Slumbers e Carry That Weight se fundem, e como isso se perde se as faixas forem tocadas fora da sequência.


Mesmo as famosas "mix tapes" tão populares nos anos 80 e 90, nas quais amigos gravavam e davam de presente entre si uma fita K7 com sua seleção preferida de faixas de vários álbuns, não deixavam de ser também um todo mais extenso, uma história com começo, meio e fim.

Como a unidade deixou de ser o álbum e passou a ser a faixa, o "single", todo um discurso musical mais extenso ficou fragmentado, corroendo nossa capacidade de ouvir e prestar atenção em algo que dure mais de três minutos. Aliás, minha impressão é que hoje em dia ninguém mais escuta música simplesmente por escutar. Escutamos música dirigindo, trabalhando, conversando com os amigos, andando na rua, fazendo ginástica, correndo maratonas, mas ninguém pára a diz: agora vou sentar ali e ouvir um disco. Acabou a apreciação musical, e mesmo num show, se não houver uma grande performance incluída no programa (efeitos visuais, gente voando em cima da plateia, 3-D e sei lá mais o quê), o pessoal não vê graça -- restando o último reduto, o concerto de música clássica, em que não há mais nada além da música em que se prestar atenção.


Em tempos de iPod Shuffle, cujo conceito fundamental é tocar as músicas em ordem aleatória, não quero ser uma espécie de Don Draper nostálgico. Mas não posso esquecer de mencionar o quanto era boa a sensação de comprar um disco novo, depois de muita expectativa, e colocar para tocar enquanto deitava no chão, olhando para o teto, esperando para usufruir dos sons que viriam dos alto-falantes. E isso era o bastante.

*Tenho ouvido também muitos audiolivros, mas este é assunto para outro post.