16.10.10

Fermata

A Fermata, na notação musical, significa que uma nota (ou pausa) deve ser sustentada por mais tempo do que o indicado. A duração é indefinida, fica a cargo do intérprete. Em geral, é aquela hora em que o pianista respira, levanta os pulsos, antes de atacar a seção seguinte.

38 semanas, firme e forte. Compasso de espera. Doutor acha que será na semana que vem. Eu também acho.

A casa está quase pronta. O novo mármore da bancada da cozinha, quando foi cortado com a maquita para encaixar as tomadas, provocou na casa inteira uma nuvem de pó de mármore que se arrasta por vários dias e resiste a sucessivas faxinas. Mas ficou bom, e quero crer que um dia ficará tudo limpo. Temos um novo armário, para fazer as vezes de despensa. O filtro foi substituído por um desses modernos "purificadores de água", que têm refrigeração e portanto evitam que se abra a geladeira para pegar água.

Mas principalmente, fizemos uma mega-arrumação, daquelas de rever conceitos, como mudar as coisas de lugar (não os móveis, mas as coisas e seus lugares nas estantes e armários) e principalmente jogar muita, mas muita coisa fora. É como se a casa tivesse feito uma cirurgia de redução de estômago e perdido 40kg. Ficou, por assim dizer, mais magra.
Minhas coleções de revistas (Nossa História, Bravo, EntreLivros)> doadas para a creche de Mathilde, para virar matéria-prima de trabalhinhos de colagem.
Pastas e mais pastas com extratos bancários de contas encerradas em 2003, comprovantes de pagamento de provedor de acesso à internet de 2000, boletos quitados de plano de saúde de 2002> lixo.
Peças antigas de computadores arcaicos> lixo.
Joguinhos de xícaras de café e potinhos de sorvete que ganhamos no chá-de-panela em 2005 e nunca usamos> doados.
E roupas, muitas roupas. Sapatos. Chapéus. Sobretudos e luvas de lã já há muito substituídos por itens mais recentemente adquiridos> doados.
E os livros, ainda em processo de depuração. Mas pode olhar aqui ao lado, no Mini Sebo, que já acrescentei algumas coisas. (E o lance de ser "leitor-vendedor" da Estante Virtual funciona mesmo, viu? Já vendi uma porção de livros por essa via, e deu tudo certinho.)
Muita boa essa sensação de desapego. Quanta coisa se acumula.

Roupinhas de Oliver já arrumadas e lavadas, em sua infinita quantidade, tudo fruto de doações e presentes. Roupinhas de Mathilde que não cabem mais e que não servirão para Oliver (porque tudo bem um filho meio metrossexual que use body de florzinha, mas para tudo há limites) já passadas adiante, em sua quantidade igualmente absurda. Quarto das crianças quase finalizado, faltando apenas a fofa decoração da parede que minha prima desenhou e que será colada na semana que vem (impressa em vinil, fica muito legal). Exclusiva e customizada, tipo luxo total.

Hoje sem falta vou fazer as malas (minha e de Oliver) para a maternidade. É nesse momento que bate um sentimento estranho. É agora. A qualquer momento vai sair de dentro de mim um bebê. Outro ser humano, com coração, rins, pulmões, olhos, língua, córtex cerebral etc. Uma sensação tão absurda que nem consigo descrever. Uma espécie de teatro do absurdo, Esperando Godot ou O Deserto dos Tártaros, com a diferença que neste caso, Godot ou o exército tártaro não só aparece como surge de dentro do seu próprio corpo. É ao mesmo tempo estranho e muito bom, porque o que é racionalmente absurdo é também emocionalmente tão poderoso que escancara os limites da razão com um amor que vai brotando sabe-se lá de onde, que não se imagina possível, factível ou viável, mas que existe, pesado de tão concreto, esmagando qualquer tentativa de resistência.

Viver é um negócio muito curioso.

8 comentários:

Isabella Kantek disse...

Anna, você com esta arrumação bem que poderia ter feito um bazar. "Bazar de 1 vintém". :) Eu de vez em sempre dou uma geral na casa e coloco muita coisa (em bom estado) num site chamado freecycle. Funciona direitinho.
As crianças agora farão colagens "cults". Hehe
O quarto deve ter ficado muito legal. Gosto de usar decal e papel de parede.
38 semanas...você esteve tão quieta que eu achei que o Oliver já havia chegado. Lembro-me que a minha mãe chegou para me ajudar com o David duas semanas antes da data prevista e ele só foi nascer duas semanas depois. Então é isso, a sua escrita continua inspiradora. Bjos e tudo de bom nesta travessia.

anna v. disse...

Isabella, eu fiz uma espécie de bazar bem informal, pois todo mundo que passava aqui em casa eu dizia para pegar o que quisesse. Mas não dava pra ficar mais tempo com a tralha toda aqui esperando um novo dono. Só com os livros estou fazendo assim, pondo à venda mas mantendo em casa até alguém se interessar.
Nem me fale nessas coisas de nascer 2 semanas depois da data prevista!!
Beijos.

vera maria disse...

Caracas, esse finalzinho do post me deixou com lágrimas, que descrição forte do 'ter um filho', nunca havia lido coisa assim, muito bom, anna, merci por compartilhar essa força, essa coisa indescritível com leigos e leitores anônimos :)
Beijos, que tudo corra otimamente para os dois, e os quatro e os todos que te cercam,
clara

Isabella Kantek disse...

Ah, pelo seu histórico (Mathilde fofa) isso não vai acontecer. Hehe
Bjos.

Raquel (NY) disse...

Ah, Anna, parabens pela coragem de se desfazer de tanta coisa e obrigada pelo ultimo paragrafo. Ha muito tempo nao algo tao verdadeiro e tao lindo.
Que venha Oliver.

Cláudia disse...

Ai, Anna! Tenho uma eterna dívida de gratidão com você! Foram posts como este, na época em que você esperava a Mathilde, que me fizeram querer muito ter filho. E aqui estou eu, inebriada e enlouquecida, vivendo esta experiência desconcertante, arrebatadora e inefável que é ser mãe. Obrigada, querida! Boa sorte com a chegada do Oliver! Saúde e alegrias para vocês todos!
Cláudia

anna v. disse...

Muito obrigada pelos comentários tão carinhosos, Clara, Isabella, Raquel, Cláudia.
Puxa, assim fica difícil escrever com lágrimas nos olhos...
Beijos.

Carrie, a Estranha disse...

Realmente se escuta mta bobagem de mulher grávidas e/ou recém paridas. Mas poucas vezes eu ouvi algo realmente tão impactante e bonito como isso.

Realmente eu gostaria mto de viver essa emoção. Mas não sei se terei este privilégio.