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28.2.12

Da dificuldade de acreditar no país

Piso nacional do magistério de 2012 é definido em R$ 1.451

Bota um zero à direita deste número, e podemos começar a falar sério.
Meu sonho é ver os recém-formados da elite socioeconomica do país se matando de estudar, fazendo cursinho e talz para fazer concurso público, atraídos pelos ótimos salários e estabilidade no emprego. Mas não para ser procurador do Estado ou fiscal da Receita, e sim... professor do ensino fundamental.

Essa sim seria uma revolução e tanto neste país.

22.11.11

Desenvolvendo Belo Monte

Deixando de lado o mimimi de estou-sem-tempo-e-peguei-conjuntivite, escrevo rapidinho para desenvolver só mais um pouco o assunto do post abaixo, que tem rendido tanta discussão.
O que me deixa animada é isso: está rendendo, levando o tema para a pauta da vida cotidiana. Este, o maior mérito do vídeo, que tenho visto ser tão atacado tão somente por ser estrelado por globais. Parece preconceito. E é.

Meg: você tem toda razão na sua argumentação sobre as falhas do movimento. Mas acho que a mensagem principal, "Informe-se", é válida e importante. Acho que concordamos aí.

Hugo, meu leitor silencioso: li o texto que você recomendou (mas não os 177 comentários), mas acho que ali está-se fugindo do ponto. Uma coisa é um projeto que leva desenvolvimento a uma região atrasada. Outra coisa é esse projeto ter mais desvantagens ambientais do que vantagens socioeconômicas. Nesse texto não encontrei muita referência ao mérito da usina em sim, mas encontrei muito mais críticas a quem critica, como se estes fossem antidesenvolvimentistas, usurpadores da Amazônia Legal ou interessados na perpetuação do atraso. Ou seja, grosso modo, exagerando e distorcendo um pouco, o texto parece sugerir que qualquer projeto naquela região seria válido, para tirar a região do século XIX, como ele coloca.

No mais, confesso que não tenho me informado tanto quanto gostaria. Mas não paro de pensar na minha amiga R., que está há pelo menos 2 anos morando no Pará, lutando contra essa usina, e nunca, jamais, em nenhum movimento que ela organizou ou de que participou, conseguiu metade da divulgação que esse vídeo obteve em uma semana de circulação.

16.11.11

Belo Monte

Gostei e repasso.
É incrível como um vídeo bem produzido e editado faz toda a diferença.

1.2.11

MinC, Direito autoral, e o falso embate entre modernos e conservadores

Tenho acompanhado com interesse a polêmica em torno da retirada da licença Creative Commons do site do ministério da Cultura. Questões de direitos autorais são um assunto muito frequente tanto em casa quanto no trabalho, portanto me informo o quanto posso, e gosto de ouvir opiniões contrastantes.

Pessoalmente, não vejo problema nenhum em o site do MinC usar a licença CC, como vinha fazendo há anos. Por outro lado, também não vejo problema nenhum em o MinC não usar a licença CC, e substituí-la por uma frase de teor semelhante.

Mas se é desnecessário, por óbvio, dizer que essa troca de seis por meia-dúzia está cheia de significados políticos, é também de uma má-fé extrema enxergar esse ato como uma ruptura radical com toda a política da gestão anterior (PV: Gilberto Gil/Juca Ferreira). Pior ainda é, a partir daí, acusar a ministra Ana de Hollanda de ser alinhada com o Ecad e de iniciar uma "ofensiva contra a liberdade de conhecimento".

E a partir dessas premissas vai ganhando corpo a dicotomia falsa entre “modernos” x “conservadores”. Que funciona mais ou menos assim: os “modernos” são a favor da revisão da legislação do direito autoral, defensores do Creative Commons, partidários da cultura digital e baluartes da livre circulação das ideias e da cultura. São uns jovens de espírito livre. Os “conservadores” não querem mudanças na lei de DA, são contra o Creative Commons, só pensam a cultura em termos de mercado e não compreendem ou não aceitam a nova realidade em que a cultura e as ideias são livremente compartilhadas. São uns dinossauros.

Posto assim, fica caricato. Mas, claro, não é bem isso. É estranho, mas tenho a impressão de que muita gente boa “compra” essa pecha de careta e veste a carapuça de conservador. Não ajuda muito a causa uma porção de artigos raivosos que apregoam uma tomada de partido radical e esculhambam a gestão do PV na Cultura como gente que “odeia a música brasileira”. Por outro lado, é preciso no mínimo parcimônia para ficar cagando regra a respeito do ganha-pão alheio. Direito autoral é a remuneração de muita gente, há muitos anos. Não são poucos os que dedicaram a vida a criar as obras que todos guardamos em nossos corações, com a perspectiva de ser remunerado cada vez que essa obra fosse vendida ou executada publicamente. E, pelamor, não há nada de porco capitalista nisso. Eu, você e a torcida do Mengão esperamos ser remunerados pelo nosso trabalho. Para quem é compositor, música é profissão, não é hobby. (Falo especialmente dos compositores porque é na música que a coisa se dá num nível de maior radicalização.) E é um profissão de empreendedor, que não tem patrão, ponto, carteira assinada nem décimo terceiro.

Pois esses supostos "dinossauros" não são idiotas. É óbvio que já perceberam que a venda de fonogramas -- e sua consequente remuneração -- é uma atividade que nasceu e morreu com o século XX. Lojas de discos nem existem mais, e a venda de arquivos de música jamais chegará aos patamares que os LPs e CDs um dia alcançaram. Então nem é bem essa a discussão. Posso estar errada, mas nem vejo muito mais a questão da proibição do compartilhamento P2P de arquivos MP3. Acho que essa onda já passou há anos, com o Napster e o Metallica.

Mas tem umas sugestões muito maliciosas nesse discurso pela "livre circulação". Por exemplo, que não se deve cobrar direito autoral quando uma obra será executada num evento sem fins lucrativos, ou com entrada franca. Lá vêm os partidários da "cultura livre" dizer que quem vai contra isso é dinheirista e tem uma visão mercantilista da cultura. Por exemplo: um mega show na praia de Copacabana. Naturalmente, entrada franca. Pouco importa se quem está realizando o espetáculo é uma empresa privada ou uma entidade pública. Invariavelmente, lá vem a reclamação a respeito do pagamento do direito autoral ao Ecad.

A lógica: se o show é de graça, a música deve ser de graça. Mas vamos ver: o artista que está lá fazendo o show, em cima do palco, será sem dúvida remunerado. A empresa que faz a sonorização, também. Os montadores do palco, idem. O pessoal da limpeza. A assessoria de imprensa. Ninguém deixa de ganhar pelo fato de o show ser de graça, não é mesmo? Então por que o autor da música (pressupondo que o autor não seja o próprio intérprete) é o único que deve abrir mão da sua remuneração? Afinal, esse é o trabalho do autor. Quando compôs e editou aquela música, além de atender ao chamado das musas, ele o fez com a expectativa de ser remunerado por quem quiser fazer uso da sua criação.

Outro exemplo clássico são ONGs e fundações que pedem aos autores para liberarem graciosamente a reprodução de seus textos em publicações educacionais distribuídas de forma gratuita. Engraçado que ninguém cogita pedir à gráfica que não cobre pela impressão -- porque afinal, é uma iniciativa nobre. Muitos oferecem um "valor simbólico" a ser pago pela liberação dos direitos. Lembro do João Ubaldo Ribeiro dizendo que infelizmente não conseguiu convencer o dono da padaria a trocar seus pães por alguns "símbolos". (João Ubaldo é um que escreve muito e bem a respeito disso, vide seu livro O Conselheiro come, cujo título é justamente sobre o assunto, uma citação da mulher de Rui Barbosa, outro que volta e meia não cobrava pelos seus serviços - leia a história toda aqui.)

Neste caso, o alerta é maior, porque o MinC propõe que não constitua mais ofensa aos direitos autorais "XV – a representação teatral, a recitação ou declamação, a exibição audiovisual e a execução musical, desde que não tenham intuito de lucro, que o público possa assistir de forma gratuita e que ocorram na medida justificada para o fim a se atingir e nas seguintes hipóteses: a) para fins exclusivamente didáticos". Então eu entendo que não há absolutamente nada de errado em se lutar contra essa proposta de mudança na lei. Não é ser conservador, é apenas não ser hipócrita.

Tem outra coisa curiosa: nessa polêmica, os jornais gostam de ouvir "os dois lados". Pois de um lado a gente vê um monte de compositores, principalmente letristas: Fernando Brant, Aldir Blanc, Abel Silva, Paulo Cesar Pinheiro. (Não admira que sejam justamente os letristas, afinal são eles os que praticamente não ganham cachê fazendo shows, pois não costumam ser seus próprios intérpretes.) Mas enfim, são os caras do ofício, são os músicos. Já do outro lado a gente vê produtores, gestores, advogados. Ou seja, o deles não está na reta, aí fica fácil dizer como tem de ser ou deixar de ser o pagamento pelo trabalho dos outros. É o que eu digo: parcimônia nessa hora.

Muitas coisas merecem ser revistas na lei de direito autoral. Cá pra mim, eu acho o período de proteção das obras (70 anos após a morte do autor) muito longo. É um dos maiores engessadores da "livre circulação" da cultura, mas não vejo ninguém brigando para diminuir esse tempo. A obra de Dorival Caymmi, por exemplo, só cairá em domínio público em 01/01/2079. Renderá dividendos a herdeiros que ainda nem nasceram. Eu e você não estaremos mais aqui para presenciar esse momento. Até lá, seus herdeiros legais podem fazer o que quiserem. Qualquer coisa. Se não gostarem das Canções Praieiras, por exemplo, podem impedir que sejam usadas por quem quer que seja. Se gostarem demais, podem pedir 1 milhão de dólares a quem queira regravar uma delas. Ou 10 milhões. Ou 100. O que quiserem. Absurdo, não? Só o próprio autor poderia ter tamanho poder. Como o Roberto Carlos, que não deixa que gravem certas músicas da época da Jovem Guarda. É uma bobagem, enfim, mas é uma criação dele, e só ele tem o direito inalienável de decidir a respeito dessa criação.

As obras que ainda não caíram em DP mas que não estão disponíveis ao público são outro problema. Obras esgotadas. Atire a primeira pedra quem nunca viveu o drama de um disco ou livro esgotado. Vocês lembram como eu mesma comemorei a reedição do Dicionário analógico da língua portuguesa, depois de décadas esgotado. Outro exemplo, um livro muito mencionado em 2010 por conta do centenário, é a excelente biografia de Noel Rosa escrita por João Máximo e Carlos Didier, publicada pela Editora UnB em 1990 e há muito esgotada. Eu tenho o meu exemplar, encapado, plastificado, e não empresto pra ninguém. Dei uma olhada agora na Estante Virtual e vi 2 exemplares à venda: um por R$250, outro por R$468. É caso de deixar em testamento. Já ouvi diferentes versões sobre o porquê de este livro não estar mais disponível. Uns dizem que é porque eles citam muitas letras do Noel, e as editoras das músicas teriam cobrado uma grana pela reprodução, que não foi pago então teve que se retirar do mercado. Outra versão vai por conta da briga entre os dois autores. Outra ainda, diz que a editora não reimprimiu. Seja como for, é uma lástima.

Pelo que entendi da proposta de mudança na lei, se a Presidente da República (ela mesma, ninguém menos) entender que a obra é de interesse nacional, ela pode ser republicada, isenta de direitos autorais. Há aí um equívoco entre direito autoral e direito de edição. Presume-se que os autores tenham assinado um contrato de edição com a UnB, que lhe dava exclusividade para editar, imprimir e comercializar a obra literária. Se a editora deixou de cumprir, ou se o prazo do contrato expirou, então ela perde o direito de explorar comercialmente, mas não os autores. Ótimo será se a presidente quiser recolocar essa obra no mercado, mas não há razão para não pagar os autores normalmente, um percentual sobre as vendas. Ou seja: um disco ou livro esgotados são geralmente um problema industrial, sobre o qual o autor pouco ou nada pode influir.

Uma outra coisa que me incomoda sobremaneira nessa discussão é o argumento de que o MinC, durante a gestão Gil-Juca, discutiu amplamente a reforma da lei com a sociedade, até chegar no modelo proposto. Houve consultas públicas durante anos, e depois o texto ficou na internet, aberto a sugestões dos internautas. Sim, tudo isso é verdade. Houve mesmo muitas consultas públicas, por todo o país. Eram abertas a qualquer um. Nessas ocasiões, os representantes do Minc expunham suas propostas, e em seguida abriam para ouvir sugestões do público. As pessoas diziam o que queriam. O MinC agradecia e seguia para a próxima. Na prática, o que houve foi que tudo ficou como o MinC queria desde o início. Sugestões houve, das mais razoáveis às mais estapafúrdias, mas elas simplesmente não foram incorporadas. Isso me foi dito por gentes da música e do mercado editorial, que primeiramente iam enquanto "classe", mas depois acabaram desistindo, ao perceber a inutilidade dos esforços.

A consulta pública na internet era pior ainda, porque é aquela coisa da democracia: aparece tudo quanto é maluco e gente sem noção. E era um tal de "é-um-absurdo-o-ecad-vir-me-cobrar-no-meu-casamento", "quero-fazer-a-adaptação-de-uma-peça-mas-os-herdeiros-do-autor-me-pediram-uma-fortuna", que deus me livre. Parecia reunião de condomínio, ou reunião de pais na escola. Cada um só fala de si e dos seus.

Enfim, o papo é longo e rende muitos chopes (alguém? alguém?). O que eu queria mesmo era chamar atenção para o perigo da polarização "modernos" x "conservadores", porque não é nada disso. No mais, sucesso para a nova ministra, em quem confio. Que ela tenha saco e ânimo para se defender dos ataques cabotinos.

29.10.10

Eu quero votar pra presidente, meu filho!

Isso foi mais ou menos o que eu fiquei dizendo a Oliver durante a última semana. Queria que ele nascesse logo para que no domingo eu já tivesse tido alta e pudesse exercer o tal do dever cívico. Mas de nada adiantou. 40 semanas hoje, e nada de esse menino dar as caras. Agora estou dividida entre querer que ele nasça entre amanhã (ou hoje ainda, que dá tempo!) e domingo, e querer que espere até segunda, virando o mês e emplacando a data-código-binário 01.11.10.

Mas enfim, seguimos na luta. Fiz exames hoje (a trinca ultra-cardio-doppler) e está tudo ótimo, basta apenas que sua-majestade-o-bebê decida que chegou a hora.


Quero votar pra presidente porque é claro, é sempre tão importante votar pra presidente. Mas acima de tudo, quero que esse segundo turno maldito termine logo, o que será um grande alívio. Depois de ter votado em Marina no primeiro turno, vou votar na Dilma no segundo, mantendo uma tradição de votar no PT para a presidência desde a primeira oportunidade(que para mim foi em 1994).


Não tenho qualquer dúvida em votar na Dilma e não no Serra, mas não partilho a empolgação de tantos amigos, e lamento que o segundo turno tenha chegado a radicalismos tão bisonhos (tipo "Serra é uma ameaça à democracia" - ora, me poupem). Na verdade, escolho a continuação da gestão petista como escolhi algumas coisas para a obra recente aqui em casa: custa caro pra caramba, mas, bem, vamos pagar, porque em última instância, vai ser melhor. Então voto porque acho que vai ser melhor pro país, porque acho inegáveis os avanços do governo Lula e quero que eles continuem, mas sabendo que o preço do meu voto são minhas ilusões perdidas, acrescidas de juros de uma porção de coisas com as quais discordo e que fazem parte da linha de governo petista. A balança pendeu para um lado, então vamos em frente. (A menos que. Vocês sabem. Venham "as dores".)


Enquanto isso, nos últimos dois dias me senti menos disposta, mais exaurida. Tudo é um esforço. Dormir, andar, brincar, comer, beber, jogar conversa fora. A pele esticada a níveis inimagináveis, os órgãos todos apertados, a respiração curta. Como já escrevi antes, o design do corpo da mulher deixa muito a desejar nessa hora. A natureza é sábia uma ova. (Essa frase só pode ser de autoria de um homem.)


Comecei a ler Comer, Rezar, Amar, dentro da minha auto-imposta obrigação de ler os best-sellers por interesse profissional. Literatura feminina que vendeu mais de 4 milhões de livro no mundo e virou filme com a Julia Roberts, não exatamente o tipo de livro que se possa desprezar, para quem trabalha nesse mercado. Mas estou achando meio chato. Gostei da primeira parte, o "Comer", que se passa na Itália. Mas agora que estou no "Rezar", na Índia, a coisa empacou de vez. E mal cheguei à metade do livro (que é grande para os padrões bestsellerísticos). Ainda falta todo o "Amar", na Indonésia. A autora é prolixa demais, rola uma blablabla sem fim que eu não estou podendo.


Então fui à locadora (sim, eu ainda sou do tipo que vai à locadora!) esta semana, e peguei Linha de Passe, do Walter Salles, e A Fita Branca, do Michael Haneke. Gostei dos dois. Linha de Passe não é tão impactante, não é opulento, mas é sincero e funciona bem na transmissão de um momento na vida dos personagens, todos tão verossímeis. Já A Fita Branca (que peguei porque amei Caché, do mesmo diretor) é mais confuso, literalmente - o filme é p&b e por vezes não consegui distinguir alguns personagens. Tem um monte de crianças super parecidas, com roupas semelhantes, e os adultos também se parecem, de modos que ficou difícil às vezes entender quem estava fazendo o quê. Mas gostei do filme, tem aquele climão bergmaniano norte-europeus-moralistas-de-fachada-mas-no-fundo-ultra-reprimidos-e-problemáticos. É daqueles filmes dos quais, nas CNTP, a gente sai direto para o chope, para discutir e conversar a respeito - uma das coisas boas da vida.


No mais, estamos sem TV, só na base dos DVDs. Marido teve um raro acesso de fúria com a Net e cancelou o serviço, a despeito de todo aquele chororô e atendimento VIP (com direito a enormes descontos) que rola depois que você decide cancelar. A tudo ele resistiu estoicamente ("eles acham que é assim, te oferecem 50% do preço por seis meses, como se fosse uma cenoura na frente do cavalo"), e eu dou todo o apoio. Como nosso humilíssimo prédio não possui antena, não pega nem a TV aberta - de modos que nossos planos para hoje à noite são assistir ao último debate pelo rádio. Ou não.

Outras notícias em breve. A menos que. Vocês já entenderam.

20.3.09

Memórias, livros e reflexões

"Mulher com livro" - Picasso

Tive um tino pelo comércio que não foi adiante. Quando era pequena (8 anos? 9? Não sei, por aí), resolvi vender mate na feira. Na época, a feira livre acontecia uma vez por semana na minha rua, exatamente na porta da minha casa. Era um transtorno, ficava a rua toda fedendo a peixe, etc. Com o tempo a feira mudou de lugar, e hoje acontece mais pra longe. Mas como ia dizendo. Eu e minha prima tivemos essa ideia, numas férias. Fomos até um supermercado e pedimos um caixotes de papelão. Minha mãe desenhou um belo cartaz colorido escrito MATE e o preço (em cruzeiros, cruzados, cruzados novos, quem pode saber, hoje em dia?). O mate gelado ficava numa garrafona térmica, e nosso investimento (nosso = dos nossos pais) foi comprar, além do mate e do açúcar, copos de plástico, daqueles tamanho "refrigerante", e dos pequenos, de café, que era uma cortesia nossa aos clientes. Então ficávamos ali, na frente da garagem da minha casa, vendendo mate para quem fazia compras na feira e ficava com pena daquelas duas crianças entusiasmadas com seus incríveis lucros. Conversávamos muitos com nossos clientes, e com isso empurrávamos outro copo de mate. Lucros estratosféricos, como vocês podem imaginar. Depois disso, eu e minha prima (sempre ela) tivemos um outro negócio, uma gibiteca (ainda não tinha esse nome, chamávamos de biblioteca de revistinha, mesmo), juntando nossas imensas coleções de revistinhas em quadrinhos. Era incrível, tudo catalogado, e as pessoas tinham fichas para anotar os empréstimos.
O que me lembro dessa experiência era o contato com o público. Achava absolutamente incrível isso de atender as pessoas e prestar-lhes uma espécie de serviço, oferecendo uma bebida gelada ou uma revisitinha nova. Por isso também, sempre gostei daquelas feiras de ciências do colégio. Estudar um assunto, fazer umas maquetes, e explicar para o público. Lembro de uma vez, eu era bem pequena, estava talvez na quarta, quinta série, e teve uma feira de ciências. Éramos uma dupla, eu e minha amiga M. (que até hoje mora no mesmo bairro, e às vezes esbarro com ela por aí. Ela é dona de um belo salão de cabeleireiro.), e nosso tema era "Mamíferos". Eu era muito empolgada com isso, queria que nosso estande fosse realmente inesquecível. Aí meu pai deu uma ideia: por que não fazíamos um brinde personalizado, para entregar aos visitantes? Então, acreditem se quiser, fomos a uma gráfica mandar fazer sei lá quantos calendários daqueles que cabem na carteira, com a imagem de dois gatinhos (mamíferos!), e escrito "Lembrança da feira de ciências, ano tal, colégio tal, Fulana e Beltrana, Estande Mamíferos" (ou algo do gênero). E mais incrível ainda: naquelas priscas eras, meu pai descolou uma gráfica mais barata, que ficava no subúrbio de Maria da Graça. E o metrô chegava lá. Então fomos nós: eu, M. e meu pai, de ônibus e depois metrô, do Leblon até Maria da Graça, pra mandar fazer os calendários de lembrança!* Pior é que deu certo, os calendários foram um grande sucesso, nosso estande bombou.
Depois disso, sempre que pude, agarrei essas oportunidades de vender coisas ou atender o público, desde que fossem coisas que realmente me empolgassem. Por um período brevíssimo trabalhei em uma loja de lingerie no Barra Shopping - devia eu ter 16 anos, por aí. Para além do fato de ser no Barra Shopping, era um trabalho muito ruim, em especial porque era preciso mentir muito para fazer uma venda, o que me constrangia horrores. Mas quando fui estagiária de uma editora, fui para a Bienal trabalhar no estande vendendo livros. Isso eu adorava. Eu conhecia o catálogo, conhecia os livros, dava sugestões, conversava com as pessoas, era ótima vendedora, sem falsa modéstia. Depois, viajando em turnês com Marido e seu grupo, vendi muito CD, muito mesmo. Mesmo na Polônia, na Hungria, na Alemanha, onde mal podia me comunicar, montava uma banquinha depois dos shows e vendia disco à beça, explicando cada álbum, esclarecendo dúvidas, contando histórias, rindo com as pessoas.
Isso tudo porque sempre me fascinou esse contato com as diferentes gentes, ouvir suas histórias e contas as minhas.
Outro exemplo são as cartas de jornal, uma seção que sempre leio. Até a parte de Defesa do Consumidor, as reclamações, aquela parte "Programa Furado", onde reclamam de bares, restaurantes, cinemas etc. Não deixo passar, tem sempre ali uma história interessante. (Não chego ao ponto do Tire Suas Dúvidas do Imposto de Renda. Calma lá, também não é assim.)
Estou dando uma volta imensa para chegar ao motivo deste post. Mas e daí, não é mesmo?
Aí, quando fui trabalhar na Editora 1, lá pelas tantas caí no buraco negro do recebimento de originais não solicitados. Na verdade, tinha um estagiário para trabalhar comigo, a quem competia, entre outras coisas, mandar cartas dizendo que a análise demorava muito, ou então que não publicaríamos o livro etc. De quando em quando juntavam-se umas pessoas para olhar esse material imenso e de péssima qualidade. Nunca vi sair dali um livro publicável. Só aporrinhação advinha da amaldiçoada pilha de originais, como por exemplo os autores ligando para saber notícias. Mas eu lia. Era sempre ruim, mas eu sempre lia um pouquinho. E, mais do que os originais, o que me fascinavam eram as cartas de apresentação, onde o aspirante a autor falava sobre si e seu livro. Coisas incríveis. Algumas dessas cartas mereciam até ser publicadas, ainda que os textos que elas apresentavam, não. Porque nessas cartas as pessoas se abriam de uma maneira muito franca, e por vezes bonita até. Houve casos em que eu mesma parei para responder essas cartas, não porque fossem bons escritores, mas porque eram boas pessoas, que me pegaram num dia assim ou assado. Além dessas, tinha também as outras cartas, que as pessoas mandavam para ser encaminhadas para os autores. Nelas, contavam como tinham gostado de ler seus livros, e muitas vezes eram depoimento sobre como suas vidas tinham mudado por causa dos livros. Vi cartas endereçadas ao Fernando Pessoa e ao Oscar Wilde, cartas de crianças, cartas de pessoas de cidades que nunca ouvi falar, cartas de toda espécie. Um dia vi uma carta de um presidiário, pedindo livros. Ele estava preso, tinha lido e gostado muito de um livro X, viu que havia outros livros do mesmo autor e perguntava se a editora não podia mandar de presente mais livros para ele. Fiquei comovidíssima com a situação. Aquele envelope todo manuscrito, a letra caprichada, aquele endereço que incluía um número de cela (!), um preso em busca de conhecimento e cultura. Fui falar com os diretores, tínhamos que mandar livros, um trabalho social etc. etc. Eles me olharam de esguelha. Porque, como eu não trabalhava nessa área de atendimento ao cliente, na verdade não sabia do tanto de carta de preso que chegava. Eram muitas. São muitas, hoje também, na Editora 2, onde trabalho. Alguém deve estar fazendo um trabalho junto a esses presos, porque as cartas seguem todas o mesmo modelo. Mas agora vi aqui outro dia um tipo diferente de carta. Era de uma diretora de colégio público, de ensino fundamental, de uma cidade cujo nome não lembro, e antes nunca ouvira falar. Ela pedia também doação de livros. Dizia que recebia alguns livros dos porgramas de governo, mas que a biblioteca era insuficiente, se não poderíamos enviar alguns exemplares para sua escola. Agora, isso me deixou passada. Fico perplexa de ver que uma diretora de escola ache razoável escrever para várias editoras (sim, sim, a carta era uma xerox) pedindo que essas empresas, cujo negócio é vender livros, doem exemplares para a sua pequena escola. Por melhor que seja sua intenção, é um desplante.
Desculpem-me, não conto grandes novidades a vocês, tem coisas muito mais vergonhosas acontecendo no país, mas pra mim esse foi o momento-revelação da falência do entendimento do papel do Estado pelo cidadão.

* Só pra vocês entenderem: na época a estação mais perto era Botafogo, aonde chegamos de ônibus. De lá, passamos por Flamengo, Largo do Machado, Catete, Glória, Cinelândia, Carioca, Uruguaiana, Presidente Vargas, Central, Praça Onze, Estácio -- Baldeação para a Linha 2 -- São Cristóvão, Maracanã, Triagem, Maria da Graça. E depois voltamos. Veja: tudo bem se você precisa fazer esse trabalho todo dia pra estudar, pra trabalhar, o que for. Isso é normal. Agora, outra coisa bem diferente é você levar duas crianças nesse trajeto para fazer uns calendários numa gráfica, para uma feira de ciências.

3.9.08

Zarabatanas múltiplas

Adorei o Elio Gaspari ter abordado, em sua última coluna n'O Globo, essa prática safada da indústria de diminuir o conteúdo dos seus produtos e se proteger colocando um ínfimo aviso na embalagem. Ele escreveu especificamente contra a Nestlé, que diminui a farinha láctea de 1kg para 900g. Isso está ridiculamente comum, tenho reparado. O pacote de fraldas que vinha com 10 agora vem com 9. O que vinha com 12, vem com 11. Até o lencinho umedecido Huggies tem a desfaçatez de informar: "Quantidade reduzida de 50 para 48 lenços. Menos 2 lenços -4%." Todas as marcas de pão de queijo diminuíram absurdos 20%, passando de 500g para 400g. A embalagem continua idêntica, exceto pelo pequeno aviso sobre a diminuição. Para quem tem o hábito de comprar sempre e simplesmente pega o pacote no supermercado, passa despercebido. Eu só notei porque antes tinha que fazer uma ginástica para que todos os pães de queijo congelados coubessem no tabuleiro sem ficar uns sobre os outros, e de repente começou a sobrar espaço. Semana passada foi um biscoito que eu costumava comprar muito há alguns anos, chamado Tortitas, da Adria. Comprei e achei o biscoito minúsculo, parecia um botão de roupa de gente velha. Olhei na embalagem e estava lá, diminuição de 180g para 150g, ou coisa parecida. Um descaramento, sinceramente. Mas é uma prática generalizada. Óbvio que os preços continuam os mesmos. O que resta é escrever reclamando, dizendo Eu sei que o aviso que vocês colocam na embalagem está de acordo com a legislação, mas isso não esconde a má-fé, e eu parei de comprar o seu produto por causa disso.
Zarabatana neles!
Em tempo: minha saga de consumidora consciente continua. Dessa vez foi com fraldas Pampers. Num pacote vieram 3 fraldas com defeito. 2 com algodão saindo pelos lados, e 1 sem algodão nenhum. Guardei o pacote e as fraldas ruins, liguei, reclamei. Hoje tocou um cara aqui em casa dizendo "Vim trocar a fralda". Quase respondi, Mas moço, acho que o senhor não vai caber no trocador.
:-)

18.8.08

Imprevidência total


Hoje fiz um escândalo tão grande com a atendente do telefone da Previdência Social (135), soltei os cachorros de uma forma tão contundente, que até eu fiquei com medo de mim mesma.

Tá mole não, viu?

16.8.08

Provações

Saber lidar com minha filha sozinha sempre foi, pra mim, uma questão de honra. Muitas vezes vi minhas amigas cercadas de babás 24 horas, empregadas, folguistas etc., e a impressão é que jamais ficavam a sós com seus bebês. E não saberiam o que fazer caso tivessem que. (Questões de classe média alta, dirão vocês. E são mesmo.) Por outro lado, não sou uma mãe-mártir e não quero provar nada pra ninguém. Ajuda é bom e necessário. Então, como já escrevi aqui, arranjamos uma babá/empregada 3 vezes por semana, no horário comercial. Que é uma ajuda imensa para nós dois que trabalhamos em casa.
Porém - ah, porém. No início deste mês, ela tropeçou e quebrou o pé. Está com gesso até o joelho. Pra completar, na semana seguinte ao acidente, a moça que vem de 15 em 15 dias fazer um monte de comida para mim e marido, que a gente congela, ligou no próprio dia para dizer que não vinha. É a primeira vez, em uns 2 anos ou mais, que ela nos dá um bolo. (E a autora de The Putzfrau Chronicles decerto dirá: haha.)
Estou me sentindo como na tirinha em que o Calvin quer brincar lá fora, porque está de férias, mas começa a chover. E ele resolve brincar na marra, mesmo com chuva. E fica falando alto, olhando pra cima: "Estou me divertindo muito na chuva, viu? Isso é o melhor que você pode fazer? Haha!". Até que começa uma tempestade de granizo e ele sai correndo pra casa.
Porque, pra completar, marido vai começar agora uma temporada de muitas viagens. E na próxima semana, por coincidência, me arranjaram uns compromissos importantes e fora de casa todos os dias. Que ralação. Mathilde vai rodar por aí.
Anteontem fui na Previdência com a outra, de pé quebrado, pra ver a coisa do auxílio-doença. E ficamos três horas para conseguir ser atendida pelo médico da perícia. Isso porque eu tinha ligado e marcado dia e hora. Três horas. E aí o médico a examinou e concedeu o benefício por 45 dias. Só que. Por um famigerado problema do sistema, o laudo que saiu do computador não diz nada disso. Diz que a decisão precisa de uma "homologação superior". Dr: "Pois é, está dando esse problema em todos. Mas o benefício está concedido, tá?". Eu: "Mas doutor, como é que a gente vai sair daqui apenas com um papel dizendo que não tem benefício nenhum concedido?". Dr: "Ah, não sei, tem que ver ali com o pessoal do administrativo".
E vou poupar vocês do resto dessa história, porque francamente, me deprime.

2.7.08

anna v. contra a carestia


Já escrevi outro dia como estou horrorizada com a volta da inflação e como a ida ao mercado se transformou numa sucessão de desaforos. Aí descobri este site aqui, que faz a comparação dos preços em vários supermercados (disponível para algumas cidades). Tem uma coisa legal, que é você fazer uma lista de compras (incluindo marcas, quantidades, pesos etc.) e ele compara tudo em todos os mercados, dando inclusive o valor total da compra. Ou seja, mesmo que um produto seja mais caro aqui ou ali, você fica sabendo onde a compra toda vai sair mais barata.

Agora, difícil mesmo ficou comparar preço de papel higiênico. Porque antes só tinha pacote com 4 rolos de 40 metros cada. Depois algumas marcas passaram a ter rolos de 30 metros. Aí vieram os pacotes com 6, 8, 12 ou 16 rolos - e era preciso calcular o preço unitário do rolo para saber se estava caro ou barato. E agora, além dos rolos de 30 e 40 metros, surgiram os de 50! De modos que eu tenho que ficar calculando, errr, o preço do metro do papel higiênico.
Que beleza, não é não, gentes?

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7.5.08

Por que NÃO me ufano de meu país

Agora sou oficialmente uma empregadora. Assinei a carteira de S., que desde o início de abril trabalha aqui em casa três vezes por semana, ajudando com as lides domésticas e mathildescas. Tem sido uma ajuda e tanto.

S. é sobrinha de M., que trabalha na casa de minha mãe há 31 anos. M. foi para ser minha babá, e está lá desde então (e sim, continua sendo minha babá, no fundo...). S. tem a minha idade. E por ser sobrinha de M., nós nos conhecemos desde pequenas. Brincávamos juntas quando crianças. Na praça, na praia, lá em casa. Depois, crescemos e não nos vimos mais, e eu ficava sabendo de sua vida pelo que M. me contava. Que ela casou. Que teve 3 filhas. Que foi morar em Pernambuco. Que voltou de Pernambuco e veio morar perto da mãe.

Por acaso, S. estava aqui em casa no dia em que Mathilde nasceu. Viera fazer faxina, cobrir férias de J., a faxineira oficial, então em férias. Um sinal, talvez. Até fevereiro ela estava trabalhando com uma van de transporte escolar, tomando conta das crianças em fúria indo e vindo das aulas. Nós fizemos uma proposta de trabalhar aqui segunda, quarta e sexta, com carteira assinada, e ela topou.

Então é assim: Quando pequenas, nós brincávamos juntas. Agora, ela é minha empregada.

Tremendo desânimo me dá este tal Brasil.

6.5.08

Outra zarabatana

Hoje é dia!
Vou mirar uma zarabatana também nos comerciantes que promovem a maluquice dos preços.
Seguinte:
Estou fazendo pesquisa sobre cadeirinha de dar de comer a bebê. Marcas, modelo, etc. Aí uma amiga me diz que tem e adora uma que se acopla a uma cadeira normal. Segundo ela, para evitar trambolhices. (Depoimentos? Alguém?)
Hmm, interessante, pensei.
Google.
Aí descobri coisas interessantes na Amazon, tipo isto aqui:



Que inclusive é portátil:


Price: $17.99 & eligible for FREE Super Saver Shipping on orders over $25.

Oquei.

Aí fui ver se tem pra vender no brasil-varonil.
Achei um modelo mais simples, na Americanas:
Americanas.com: R$ 189,90 Parcele: 9x de R$ 21,10 sem juros no cartão

Deixa ver se entendi: se eu comprar um modelo hoc-plus-ultra na Amazon, mandar vir de lá pra cá, pagando um frete super caro, pagar todo o imposto que tenho direito, usando uma taxa de conversão muito desfavorável, mesmo assim vai sair mais ou menos pela metade do preço?

Zarabatana neles!
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16.7.07

O dia em que fui ao Pan

O esgoto a céu aberto ao lado da Vila do Pan. Foto do site A Guerra dos Mundos


Não pude ver Brasil x Argentina ontem. Porque àquela hora, meus caros, eu estava no Pan.
Não, não fui às competições torcer pelo Brasil.
Estive na Vila Pan-Americana (localizada entre o fim do mundo e lugar nenhum) acompanhando um grupo do projeto cultural em que trabalho.
Que fiasco.
Primeiro, nos deram um trabalhão para preencher todos os cadastros de todo mundo que entraria na Vila. Segurança rigorosíssima! Nome completo (inclusive de solteira), CPF, RG (com data de emissão e órgão emissor), endereço, nome do pai, nome da mãe, cidade de nascimento, estado de nascimento, país de nascimento, cidade de residência permanente. Para os carros, além da placa era preciso dizer modelo, cor, ano, chassi e renavan (!!). Na hora é claro que nada disso funcionou. Entramos com crachás sem nome, de modo que poderíamos ser quaisquer pessoas, em qualquer número, que não faria nenhuma diferença. Os carros não puderam ficar lá, na última hora, cada um que se virasse para estacionar onde pudesse, ali no meio de deus-me-livre.
Lá dentro, o clima era de (des)organização de Rock In Rio: uns quiosques bonitinhos disfarçando a total falta de infra-estrutura. Saca banheiros químicos? Agora imagina um banheiro químico coletivo, um trailer químico. Sem água na pia (aquilo era pia? não! tipo um tanque) para lavar as mãos. Fui tentar o trailer masculino, que tinha água -- até demais, uma descarga disparou e ninguém consertou. Saca aquelas pocinhas de água parada no meio do chão de terra coberto de pedrinhas? Saca aquele clima que toda hora falta luz e algum sistema sai do ar? Assim é a "Zona Internacional" da Vila do Pan. O nome é perfeito: é uma zona mesmo, cheia de brasileiros, argentinos, uruguaios, chilenos, porto-riquenhos, mexicanos, canadenses, jamaicanos, americanos etc. Não é a parte residencial, claro, mas é bem ao lado, onde tem as bandeiras e tal.
Colocaram um telão gigantesco para a final da Copa América. Mas depois de montado, descobriram que não havia sinal (!) e o megatelão simplesmente não funcionou (!!). Resultado: uma aglomeração de gente se espremendo em frente ao estande dos Correios, onde havia um aparelho de TV pequeno e cheio de chuvisco (!!!). Mico total. E, claro, o show estava marcado para a hora do jogo, e não quiseram mudar, apesar dos nossos protestos. Naturalmente, não tinha quase ninguém assistindo. Preguiça, preguiça...
É preciso deixar claro que não tenho nenhuma simpatia por esse evento esportivo meia-bomba. Bom mesmo é Olimpíada, Copa do Mundo e talz. Ganhar na ginástica sem os chineses, as romenas e as ucranianas, convenhamos, até eu. Vôlei sem a Itália, sem a Rússia? Pfff.
Mas isso não seria o mais grave se não fosse o desavergonhamento do transtorno na cidade, dos 3 bilhões de investimento que de concreto vão deixar para o Rio um estádio, o Engenhão. Metrô até a Barra? Promessa. Parque aquático? Promessa. Trem bala? Promessa. Em vez disso, o fornecimento de alguns remédios pelos postos de atendimento da Prefeitura foi suspenso "até depois do Pan". Os táxis da cidade estão rodando com Bandeira 2 até o fim do Pan. Nas linhas Vermelha e Amarela uma faixa está separada para uso exclusivo do Pan, e quem por elas trafegar é multado. Danem-se os moradores da cidade que precisam passar por ali. Abram alas para as delegações.
Para saber mais: http://averdadedopan2007.blogspot.com/

30.6.07

Veja.fr

Não, não é o site da Veja em francês.

É uma empresa que faz sapatos com algodão cru do Nordeste brasileiro e couro biológico da Amazônia.

Tipo assim:

Collection Veja Tauá Printemps Eté 2007

Situé au Nord du Brésil, Tauá est le village où vivent les petits producteurs de coton biologique avec lesquels Veja travaille. La collection Veja Tauá est en coton biologique et caoutchouc naturel d'Amazonie. Sans cuir.

Pontos de venda: na França, na Europa e no "Resto do Mundo". E nem adianta, o Brésil não está nem mesmo no Resto do Mundo.

Então tá, então.

10.5.07

Bento XVI, minorias e o Flamengo


Ontem depois do jogo vi num telejornal uma chamada ao vivo para a repórter que estava na frente do mosteiro em São Paulo onde o Papa estava hospedado. Chovia e fazia e frio no Rio, que dirá em SP. Ela dizia que o frio e a chuva haviam afugentado a maioria dos fiéis, e que naquele momento "apenas cerca de mil pessoas" continuavam na vigília.

Religião sempre foi uma coisa tão ausente na minha vida que não consigo deixar de me surpreender quando reflito sobre essa informação: meia-noite de uma quarta-feira de chuva, e cerca de mil brasileiros estão em vigília em frente a um mosteiro onde o Papa está dormindo. Será que essas pessoas passaram a noite lá? Mas o que esperavam? Que ele viesse à janela às duas da manhã e acenasse? Ou jogasse cadeiras ou copos, como os Rolling Stones, ou sacudisse bebês, como o Michael Jackson? Ainda mais um Papa desagradável como este, que não desperta nenhuma simpatia com suas risíveis ameaças de excomunhão aos que defendem o aborto. (M. quer saber como fazer para ser oficialmente excomungado. Será que dão certificado para pendurar na parede? Hoho, adorei a idéia, também quero!)

Mas enfim, como diz a Carrie, mui sabiamente, este mundo não me pertence. Hoje parece que o Papa falou a 41 mil pessoas no Pacaembu. Fraco, esse público. Flamengo x Defensor, quando só um milagre classificaria o meu time, botou 57 mil no Maraca. Mas amanhã a expectativa é de dois milhões de pessoas para a canonização do santo brasileiro, o Frei Galvão, que, vamos falar a verdade, até anteontem ninguém nunca tinha ouvido falar. Dois milhões. É mais um número que me deixa com essa eterna sensação de minoria.

Nós somos minoria em tudo. Nós, eu e você. Não queremos ver o Papa. Não cogitamos a hipótese de ir à praia de Botafogo ver uma surreal corrida de aviões (!). Muito menos ir à praia de Copacabana ver um show do Lenny Kravitz. Tudo bem, se fosse só isso seria apenas uma questão de não gostar de multidões. Mas não. Somos minoria, nós que temos curso superior. Somos minoria, nós que lemos blogues. Gostamos de músicas que não tocam no rádio. Nossos filmes favoritos não são o Homem-Aranha 3 nem A Vingança dos Sith. Somos minorias, nós que lemos livros!

É por isso que pertencer à torcida do Flamengo torna-se uma redenção. É a hora em que somos maioria. Para quem vive no Rio, em qualquer grupo, em qualquer ambiente, haverá sempre mais flamenguistas do que torcedores de qualquer outro time. A não ser, claro, sei lá, no Clube Atlético Português ou coisas do gênero. Quando vou ao Maracanã, por exemplo, posso me dar ao luxo de escolher com que grupo de amigos quero ir. Meu pobre marido, quando "o" amigo botafoguense dele não pode ir, ou vai sozinho ou vai com pessoas meio nada-a-ver. (Na final da Taça GB do ano passado, contra o América, EU fui com ele, para fazer companhia.)

Isso por si só não nos faz melhores que os outros, claro. (Faz sim, mas não pega bem registrar isso por escrito.) Mas dá uma sensação de pertencimento a algo muito grande, a algo absoluto, que eu muito raramente experimento. Talvez na primeira eleição do Lula eu tenha sentido assim.

Mas enfim, só sei que ontem só um milagre levaria o Flamengo adiante na Libertadores. Milagre que esse Papa escroque fez questão de não realizar. Aliás, ainda bem, se não perigava ficar igual àquela coisa ridícula do Fluminense de ficar cantando "A benção João de Deus" per seculi seculorum. Eu não fui ao estádio ontem por questões mais ou menos de saúde. Também não vou dizer que tenha sido horrível ficar em casa debaixo das cobertas numa noite fria de chuva. Mas aqui, sozinha em casa, em frente à TV, eu sentia a vibração da torcida tão forte que quando vi estava batendo palmas e cantando tudo o que eles cantavam. Baixinho, só pra mim. Ó, meu Mengão, eu gosto de você... Ganhamos o jogo, mas fomos eliminados. E o time saiu de campo aplaudido, com gritos de É Campeão. Ah, às vezes não é fácil escrever com lágrimas nos olhos.

29.4.07

No Palácio

O Palácio Capanema é uma das jóias da arquitetura modernista brasileira. O projeto é do Lúcio Costa.

O novo presidente da Funarte diz que o Palácio Gustavo Capanema, no centro do Rio, será transformado num grande centro cultural que vai abrigar eventos de todas as artes. Se acontecer mesmo será ótimo. Por acaso estive no Palácio esta semana. Adoro aquele prédio, e me sinto bem só por estar ali. Fui lá procurando a Representação Regional do Ministério da Cultura, uma iniciativa recente que achei bastante inteligente, em sua proposta de descentralizar todas as operações, informações etc. que antes eram só em Brasília. Como eu tinha que mandar alguns documentos para o Minc, resolvi ir até o palácio e entregar lá, em vez que mandar um Sedex.
Era o meio de uma tarde linda, céu azul até não mais poder, contrastando com as curvas do Palácio, as plantas e os azulejos. Na portaria, um guarda distribuía crachás aos visitantes. Disse que queria ir à Representação Regional do Ministério da Cultura. O que você vai fazer lá?, perguntou ele com a maior naturalidade. Surpresa com aquele tipo de pergunta ainda quase na porta da rua, balbuciei qualquer coisa como "entregar uns documentos". Mas é projeto?, insistiu ele. Comecei a me irritar. Não, não é projeto. Ele ficou com cara de quem espera mais informação. Eu disse que tinha ligado antes, ele se conformou e me deu um crachá escrito "2º andar".
Saltei do elevador no segundo andar, dei de cara com um balcão lindo de madeira, enorme e em forma de onda (como o calçadão de Copacabana, mais ou menos). Ele ficava no canto de uma sala incrivelmente grande, ampla, linda... e vazia. Até que num cantinho vi uma moça, com roupa de guarda de segurança terceirizada, sentada atrás de uma mesa minúscula, como uma carteira de colégio, que ficava ainda mais diminuta em contraste com a amplidão modernista daquele lugar. Falei com ela, que também me perguntou "É projeto?", e diante da negativa, me encaminhou para uma sala pequena, cheia de mesas e pessoas. Bem ao lado, uma porta aberta dava para outra sala gigantesca e descomunalmente vazia, que dava ainda para uma varanda espetacular. Era muito estranho aquilo, tantos lugares tão grandes vazios, e um monte de gente esprimida numa sala mínima.


Falei com duas moças que dividiam uma mesa e um computador. Naturalmente, me perguntaram "Mas é projeto?" e ficaram em dúvida quando eu expliquei que não, não era projeto, não era Lei Rouanet. Quase como se o Minc não tivesse mais nenhuma atividade desvinculada da Lei Rouanet -- o que, convenhamos, não está muito longe da verdade.
Quando expliquei o que era, elas ficaram assim com uma cara tão abismada, como se eu tivesse dito "Bom dia, eu vim aqui comprar um quilo de alcatra". Mas pegaram o telefone e ligaram para algumas pessoas, para chegar à conclusão que meus documentos deveriam ser mandados para Brasília. Eu disse que sabia disso, mas será possível que eu não poderia entregar ali e eles me dariam um protocolo e encaminhariam ao lugar certo, em Brasília ou onde quer que fosse? Ah, peraí, vamos ver. Tem que perguntar para a fulana. Nesse momento entra uma mulher enorme, tanto vertical quanto horizontalmente, senta-se atrás de uma mesa, ouve o meu caso (sim, porque já virou um "caso"), pergunta "Mas não é projeto?" e diz, peremptória: Você tem que ir ao 12º andar e procurar a senhora Jupiara.
Eu quase ri com aquela frase, que parecia alguém querendo imitar depreciativamente o serviço público. Jupiara, no 12º andar? Só faltou a parte do "em três vias".
Voltei para o elevador, mas antes parei no balcão-calçadão-de-Copacabana e preenchi o envelope pardo com o endereço que eu tinha de Brasília, além de conferir mais uma vez o conteúdo, na minha organização paranóica-neurótica-obsessiva (faltam-me subsídios psicanalíticos para me decidir pela melhor definição para o meu caso). Nisso tocou meu celular e eu fiquei um tempo falando.
Finalmente peguei o elevador para o 12º andar. Lá, a primeira coisa que se vê é um balcão com vários guichês. Apenas um guichê tinha um ser humano atrás, ser humano este que conversava com outro, do lado oposto, e ao lado, mais uma guarda de segurança terceirizada (sabe como é, não contratam mais ninguém, é tudo terceirizado).
-- Bom dia, por favor a senhora Jupiara?
O ser humano do lado de lá do balcão franziu a testa:
-- Jupiara??
Ah meu deus, pensei. Vai ver que inventei o nome da mulher, no meio tempo em que fiquei endereçando o envelope e falando no celular, já passaram muitos minutos entre o momento em que me falaram o nome da criatura e agora.
-- Er, agora não tenho certeza, acho que é Jupiara. Mas talvez Jupira? Ou Iracema? (vejam por que distâncias viaja a mente da pessoa)
Fui salva pelo outro ser humano, do lado de cá do balcão.
--A Juju, da Administração!
-- Ah, sim, claro, a Juju!, lembrou o outro. É projeto?
-- *suspiro*
A segurança terceirizada pediu a minha identidade (!), anotou valiosas informações na sua prancheta, e me encaminhou até uma outra salinha cheia de mesas e pessoas. Como sempre, no meio de uma amplidão desocupada. Logo encontrei a Jupiara, atrás de sua mesa. Naturalmente a Juju perguntou "É projeto?", mas por sorte não achou o fim da picada o fato de não ser. Pegou o envelope, conferiu o endereço, sorriu e me deu um protocolo com o número do malote e do envelope.
-- Amanhã de manhã já vai estar lá em Brasília, ela disse confiante.
Afinal, o serviço público se orgulha da sua presteza e competência.