10.1.09

A serviço da amizade

Bip Bip, o nosso bar do coração

No finalzinho do ano, ganhamos um exemplar do livro "Bip Bip 40 Anos", uma homenagem editorial ao nosso bar do coração. É uma coletânea de 104 textos escritos por frequentadores (sem trema, ai ai ai, vamos praticando) do Bip. Texto de todo tipo, uns bons, uns péssimos, uns longos, outros curtos. Tem poesia, tem contação de causo, tem crônica, tem de tudo. Os organizadores nos haviam pedido, antes, um texto do nosso grupo, e ficamos de nos reunir para escrevermos juntos, mas é aquela coisa, muita gente, muitas agendas, muitos compromissos, acabou não rolando. P. escreveu sozinho um texto que ficou muito do bom, e nos representou a todos.
Mas confesso que, depois de pronto o livro, me arrependi de não ter nem ao menos tentado escrever alguma coisa.
Porque tenho tanta coisa pra falar do Bip Bip...
Poderia começar o texto como muitos que estão no livro: "Não lembro a primeira vez que fui ao Bip". Mas tenho quase certeza de que foi em 1997. Porque alguns anos antes, a nossa turminha de amigos havia, como dizer, caído no samba. Tínhamos 18, 20 anos, e estávamos em plena lua-de-mel com o samba. Entre nós havia violonistas, um bandolim, um pandeiro, um cavaquinho, e um monte de gente querendo cantar. Ouvíamos diuturnamente os discos Roda de Samba vol. 1 e 2 (1965), do conjunto A Voz do Morro (Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho), Rosa de Ouro 1 (1965) e 2 (1967), Zé Kéti, Portela Passado de Glória (1970), Cartola, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, Candeia, Carlos Cachaça, Geraldo Pereira, Paulo da Portela. Os discos do A Voz do Morro eu acho que sabia cantar, inclusive, na ordem, de tanto que ouvia.
O grande entrave era um lugar onde tocar. Fizemos muitas e muitas rodas em nossas próprias casas (ou melhor, na casa dos nossos pais, como era na época). Íamos também, às vezes, aos lugares onde se tocava samba naquela época, como o Sobrenatural ou o longíssimo Candongueiro, mas isso era mais para escutar, não para tocar (ninguém ainda tinha essa moral).
Aí, no primeiro semestre de 97 eu viajei, passei 6 meses fora. Quando voltei, não se falava em outra coisa: tudo agora era no Bip Bip.
Foi o Bip que acolheu aquele grupinho de pós-adolescentes de classe média da Zona Sul que nunca tinha posto um pé numa favela mas adorava cantar e tocar o dito samba de morro. Uma coisa assim meio Nara Leão, mas sem o apartamento na Atlântica.
Pra quem não conhece, eu descrevo: o Bip Bip é um bar minúsculo que fica numa rua minúscula de Copacabana, bem pertinho da praia, no posto 5. O Bip é tão fascinante quanto incômodo. Lá é tudo apertado, tem pouco espaço para as cadeiras e mesas de dobrar, e estas são quase sempre reservadas para os músicos - que tocam lá pelo prazer de tocar. No Bip não tem couvert artístico, não tem ingresso, e nem pode bater palma, pra não incomodar os vizinhos. (Mas mesmo assim, incomoda. Eu mesma já presenciei muitos arremessos vindos dos vizinhos incomodados.) No Bip não tem comida. Só o amendoim quentinho de cone que o camelô passa vendendo. Quer comer, vai no Bob's, no Rei do Mate, no restaurante da esquina. No Bip só tem cerveja. Em lata. Às vezes quente. Quer dizer, agora tem água também, mas é uma concessão recente. Bem, tem vinho tinto também, e umas batidas de mil novecentos e qualquer coisa. Quem chega pedindo Coca-Cola ouve logo uns risinhos de mofa. Ah, e querendo uma cerveja, você é quem vai na geladeira e pega.
No Bip tem muita gente chata. O Terminal Rodoviário Bip Bip, como chamamos, tantas são as malas que aparecem. Malucos de toda espécie e tamanho, arremedos de sambistas, conquistadores baratos, aristocratas falidas, tocadores de tan-tan, e daí pra pior.
As paredes do Bip são cobertas de quadros com desenhos, textos e fotos. Tudo girando em torno da música popular brasileira e do Botafogo, as grandes paixões do Alfredo, o dono do Bip.
E é incrível que eu só agora, depois de tantos parágrafos, mencione o Alfredinho. Porque ele e o Bip são o que há de mais indissociável. Criador e criatura, um não existe sem o outro.
No livro tem muitas histórias do Alfredo, muito melhores do que eu poderia contar aqui. E ele é, naturalmente, o responsável por toda a parte boa do Bip, que supera em muito o aperto, a falta de opções do cardápio e as malas. Alfredinho tem aquele dom de congregar as pessoas em torno de si para fazer o bem. Para além da caridade verdadeira que ele, como cristão praticante, exerce (ajuda os meninos de rua que vivem por ali, arrecada dinheiro e organiza shows para músicos pobres e doentes, promove almoço de natal para os sem-teto de Copacabana, etc.), o Alfredo parece que tem essa missão de abrigar a música. Tem umas expressões super clichê, como "espaço de resistência", mas não tem jeito, é isso mesmo que o Bip é, graças ao Alfredo. E com esse lado missionário, o Alfredo contagia. Tem o pessoal frequentador assíduo, que bate ponto lá, que nós chamamos de "Família Bip". A Família Bip dá um show, quando precisa. Toma conta do Bip quando o Alfredo, por algum motivo, não pode; organiza eventos, no Bip ou fora dele; prestigia os músicos que vão lá tocar, sejam bons ou ruins. Tudo graças ao contágio de boa vontade que vem do Alfredo.
Eu sei, parece que estou exagerando, mas não estou. Leiam os textos do livro, e vocês vão ver.
O Bip Bip fez 40 anos no último dia 13 de dezembro. Ou seja, foi inaugurado no dia do AI-5. (O Alfredo só comprou o bar nos anos 80.) Por uma dessas coincidências da vida, é, há tempos, o espaço da liberdade.
Na frente do Bip tem um cartaz bem tosco, feito no computador, atualizado todo ano. Desde dezembro, lê-se lá:
Bip Bip: 40 anos a serviço da amizade
Amém.

Bip Bip
Rua Almirante Gonçalves, 50
Copacabana, Rio de Janeiro.
Aberto todo dia, das 19h à 1h (mais ou menos)
.

2 comentários:

F. disse...

Anna, indiquei o Terapia Zero para o Prêmio Dardos. Um beijo e parabéns para a Mathilde.

"Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web. Este prémio obedece a algumas regras:

1) Exibir a imagem do selo;

2) Linkar o blog pelo qual se recebeu a indicação;

3) Escolher outros blogs a quem entregar o Prémio Dardos."

Anunciação disse...

Muito legal o alfredo;merece dez.