31.12.10

Votos em fotos

Que em 2011 você possa estar ao lado de quem ama
mas com cuidado para não sufocar ninguém de tanto amor!

Que você possa cantar suas músicas favoritas
na presença de uma boa plateia
de preferência ao lado dos melhores amigos.
Mas se a coisa ficar feia
não hesite em revidar!
Trate bem os animais

Mas principalmente, trate-se bem
pois quando você está de bem com a vida
é possível ser feliz com simplicidade.

Feliz 2011.

23.12.10

Quero uma passagem só de ida para Oslo

Começou o verão, a estação mais superestimada do ano. Não sei que diabo as pessoas veem de tão bom no verão do Rio de Janeiro, cidade onde no inverno a temperatura dificilmente vai a menos de 17ºC, de modos que não se pode nem dizer que a alegria de dezembro e janeiro é um reflexo da tristeza provocada pelo frio de junho e julho.

A única coisa que presta no verão é, como descobriu recentemente a Frida Monix, ir à praia no fim de tarde/noite. Isso é bom mesmo.

Mas fora isso, verão carioca é:
  • Acordar no meio da madrugada para entrar debaixo do chuveiro, tomar uma ducha, e depois voltar pra cama - sem se secar muito.
  • Tomar no mínimo 3 banhos diários.
  • Chegar em casa louca pra tomar banho e constatar que a água fria está morna, porque a caixa d'água passou o dia inteiro cozinhando ao sol.
  • Sair do banho e, ainda enrolada na toalha, enquanto penteia o cabelo em frente ao espelho, sentir o suor já escorrendo pelas costas.
  • Sentir o cabelo grudando na nuca.
  • Ficar meia hora sem fazer nada, com o rosto a 3cm do circulador de ar.
  • Sair na rua e sentir que o ar, de tão espesso, pode ser cortado a faca.
  • Entrar subitamente num banco, só pra sentir o ar condicionado.
  • Sair para tomar um chope à noite e constatar que, à uma da manhã, a temperatura é 35ºC.
  • Aprender o significado da palavra canícula.
  • Constatar que a indústria nacional não dá conta de produzir mais ar-condicionados.
  • Ver a conta de luz chegar à estratosfera.
  • Ir ligando os ventiladores de teto conforme muda de cômodo.
  • Conviver com os bichos do calor: baratas, mosquitos da dengue, bichinhos da luz.

No mais, refresquemo-nos assistindo à inesquecível sequência inicial de Do The Right Thing, de Spike Lee -- a do banho de hidrante:

22.12.10

Doutor Terror


Meu amigo M. é uma dessas pessoas agraciadas com o dom da leveza. Companhia agradabilíssima, ótimo papo, sensibilidade ímpar, ele consegue transitar com leveza pelos assuntos mais pesados. É um cara engraçado, exímio contador de casos, e não por acaso, hoje em dia trabalha com redação de humor.

Alguns anos atrás, M. descobriu que tinha um grave problema neurológico. Alguma coisa como uma bolha no cérebro que se explodisse... bom, já viu. Os amigos ficaram consternados, claro. Entre outras coisas, ele não podia mais jogar futebol ou praticar atividades físicas de maior impacto, nem beber álcool. O tratamento foi longo, e foi um dos momentos em que mais admirei meu amigo, pela maneira com que lidou com um assunto desses. Além de dizer que "a bolha" o havia transformado numa espécie de Renato Villar (ele tem uma cultura televisiva inesgotável), suas narrativas das consultas com o médico eram de chorar de rir: ele só se referia ao neurologista como Doutor Terror, e fazia representações geniais das consultas - que não obstante eram momentos cruciais de sua vida. Como terá deduzido até mesmo o menos perspicaz dos leitores, o Doutor Terror não era um exemplo de otimismo. Tudo para o Doutor Terror era gravíssimo, caso de vida e morte, sua decisão pode alterar o rumo da sua existência, este pode ser o primeiro ano do resto de sua vida, etc. Uma delícia para um cara de então vinte e pouco anos.
.
A situação com "a bolha" se estabilizou, e M. faz até hoje um monitoramento, mas leva uma vida bastante normal. Três anos atrás, casou-se, e em setembro nasceu seu primeiro filho. O menino é uma graça, e se tudo der certo será um bom amigo de Oliver, mas, por uma dessas coisas da vida, o primeiro pediatra que eles arrumaram frequentou a mesma escola de medicina do Doutor Terror. Feito o teste do pezinho, o novo Doutor Terror detectou ali uma forte chance de anomalia gravíssima, que eles se preparassem para uma vida de provações etc. (Eu contando não tem graça, mas a versão dele é ótima.) Acabou que eles refizeram o teste e não havia nada de anormal com o moleque, que está em perfeita forma.

Todo esse nariz-de-cera foi para dizer que ontem conhecemos mais um egresso da escola do terror, divisão pediatria. Oliver teve uma febre de 38.5º, que não passou apesar do antitérmico. Levamos à pediatra, que fez um exame clínico e não detectou nada de errado. "Deve ser uma virose", disse ela. "Mas com um bebê dessa idade, não dá para esperar e observar o que acontece. Como ele é muito pequeno, temos a obrigação de passar um pente fino e checar que tudo está ok." Pente fino significa hemograma completo, exame de urina, raio-X do tórax.
Seguimos para a emergência do hospital, onde pudemos fazer todos os exames de uma só vez e ter os resultados na hora. Foi então que encontramos nossa versão do Doutor Terror -- vamos chamá-lo Dr. Jekyll, porque, cúmulo dos cúmulos, o nome dele é quase esse mesmo, um nome estranho à beça. Depois do cadastro na recepção e da triagem feita pela enfermeira (aferindo temperatura, pulsação etc.), entramos na saleta de exames. Lá estava o Dr. Jekyll -- muito alto (em torno de 1.90m), meio curvado, magro, olhos azuis e nariz adunco, cabelo bem curto. Jovem, não deve ter nem 40 anos. Auscultou Oliver, olhou com aquela lanterninha dentro dos ouvidos, usou o abaixador de língua colorido dos pediatras para ver a garganta, e proferiu a primeira de suas frases memoráveis:
-- "Um bebê dessa idade não tem o direito de fazer febre!" (já repararam que médicos falam "fazer febre", e não "ter febre"?).
E prosseguiu barbarizando, o dedo em riste.
-- "Numa criança de menos de 3 meses, a febre é um alerta máximo".
Eu e marido não tivemos tempo de articular um "Mas doutor...". Ele continuou o ataque.
-- "Vocês sabem que, se der alguma alteraçãozinha nesses exames, a recomendação é internar, com soro intravenoso, não sabem? Hein, hein?"
-- ????!!!!
-- "Ela (a pediatra de Oliver) não disse isso a vocês?"
-- Gasp!
-- "Vamos ter que fazer todos os exames, e o bebê é que vai ter que nos provar que está tudo bem."
Deu-nos as costas e foi andando. Marido e eu trocamos olhares do mais puro espanto.
-- "Não tem o direito!", ele repetia.

Afinal fizemos todos os exames, e não vou me estender relatando os detalhes de uma manhã infernal, em que uma febre de 38,5º se desenvolveu numa verdadeira sessão de tortura, incluindo a luta para tirar, de um bebê de um mês e meio, sangue em quantidade suficiente para todos os exames -- uma cena difícil de aturar até para as mais estoicas das mães.

Quando voltamos a encontrar o Dr. Jekyll, eles nos saudou:
-- Tenho uma ótima notícia. O resultado do hemograma foi um quadro altamente viral.
-- Ahn. (Pausa) Ahn?
-- Não tem bactéria, não é infecção. Só mesmo uma virose. Observação doméstica.

(A propósito: a febre já sumiu, o garoto está ótimo, novo em folha -- que é mesmo o que ele é.)

16.12.10

Brâmane de livro

Não costumo achar muita graça nessa moda de listas de melhores isso ou aquilo. Mas esta semana, lá na casa das Fridas, tinha um post perguntando "Qual é o seu clássico", e me deu vontade de reproduzir aqui uma série de perguntas roubada de uma newsletter que assino (sobre livros e mercado livreiro americano) chamada ShelfAwareness. É uma coluna semanal chamada "Book Brahmin", em geral com algum escritor. As perguntas são sempre as mesmas, que vou responder abaixo e gostaria de saber as respostas de quem se animar, na caixa de comentários.

Na sua mesa de cabeceira neste momento
Beijo, de Roald Dahl (Editora Barracuda) - ganhei de aniversário de minha amiga T. É um livro de contos sinistros do autor de A incrível fábrica de chocolates. Estou gostando, mas nada de tão especial.

Seu livro favorito quando você era criança
Todos da Turma dos Sete, de Enid Blyton; Flicts, do Ziraldo.

Seus cinco autores favoritos
Só cânone: Rosa, Machado, Drummond, Nelson, Simenon. Esses são os de ficção, que mais naturalmente associamos ao conceito de "autor". Mas também considero grandes estilistas das palavras outros caras mais vinculados a outras áreas do saber: Freud, Sartre, Nietzsche. São imensos escritores, e acho que suas obras só chegaram aonde chegarem por obra e graça do talento literário.

Livro que você não leu mas fingiu que leu
A biografia da Hannah Arendt que a tia do meu marido me emprestou. Era interessante e tal, mas não consegui ler (era enorme, meio árido, e eu não estava no espírito para aquela leitura), e depois que eu devolvi - e disse que gostei, claro - ela ficou um tempão comentando e puxando assunto comigo sobre o livro.

Livro que você divulga com fervor messiânico
Pilares da terra, de Ken Follett; Dois irmãos, de Milton Hatoum; e Equador, de Miguel Sousa Tavares.

Livro que você comprou só por causa da capa
Diálogos com Leucó, de Cesare Pavese. Acho que foi o deslumbramento com o início da coleção Prosa do Mundo da Cosac Naify, tudo de capa dura e sobrecapa, e talz.

Livro que mudou a sua vida
Nietzsche. Genealogia da Moral e Além de Bem e Mal. Porque, né.

Frase favorita tirada de um livro
"Perdoa-me por me traíres", de Nelson Rodrigues. É não só uma frase como o nome da peça, e é um achado em termos de economia de palavras e carga dramática. Quanta coisa está dita nessas poucas palavras.

Livro que você mais gostaria de ler de novo pela primeira vez
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Porque nunca um livro me emocionou tanto.


(E por falar em livros, dei uma atualizada nos títulos do sebinho, aqui ao lado.)

13.12.10

Tinker Bell é o cacete!

Não sei se foi em todo o Brasil, mas alguns anos atrás, perto do dia 31 de outubro, surgiram no Rio de Janeiro diversos cartazes colados pela cidade com os dizeres "Halloween é o cacete! Viva a cultural nacional!". Eram assinados por um tal MV-Brasil, e na época fizeram sucesso, popularizando o slogan -- que até hoje é lembrado, apesar de os cartazes terem sumido.

Eu acho Halloween uma besteira, quem quiser que comemore, mas muito mais me incomoda ver por todo canto "Sale", "Delivery" e desodorante com hair minimizer ou xampu com memorizer. Eu hein. Não sou contra os estrangeirismos. Só abomino as apropriações indébitas.

Agora que tenho uma filha de quase 3 anos tem me incomodado sobremaneira o estrangeirismo nos nomes dos personagens de desenhos animados. Por terem se tornado marcas registradas, essas criações hoje precisam ter, por contrato, o mesmo nome no mundo inteiro. Já era revoltante o suficiente que existissem os Backyardigans (que noutros tempos teriam sido A Turma do Quintal sem maiores problemas) ou o High School Musical. Mas esses, enfim, já chegaram aqui com esses nomes, assim como Charlie & Lola ou nossa querida Peppa Pig. Mas agora, o que é pior, estão alterando nomes já consagrados no Brasil!

Eu deveria ter desconfiado quando o Ursinho Puff virou Pooh. Mas enfim, Puff, Pooh, é quase a mesma coisa. E o Tigrão, o Leitão, o Coelho e o Ió permaneceram inalternados. Mas só me dei conta do processo quando percebi que a boa e velha Fada Sininho do Peter Pan virou... Tinker Bell!

Tudo faz parte dessa nova, digamos, tendência de criar "coletivos" de personagens. Primeiro foram As Princesas. Elas surgiram como um grupo autônomo, apesar de Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida, Ariel e Bela nunca teram habitado a mesma história, o mesmo século, ou o mesmo reino. O sucesso foi tão estrondoso que depois surgiram As Fadas. Diferente d'As Princesas, As Fadas não existiam antes em outras histórias (não é a reunião da Sininho com a Fada Madrinha da Cinderela e da Fada Azul do Pinóquio, o que seria engraçado); são todas personagens recentes, amigas da Sininho e habitantes do reino das fadas. Sem entrar no mérito de serem todas fadinhas gostosas, bem torneadas, aventureiras, inteligentes, românticas etc, o relevante aqui é que, agora que assumiu um novo status, tem sua própria turma de amigas e estrela filmes próprios, Sininho agora se chama Tinker Bell! E nos desenhos, seus amigos a chamam de Tinkie - isn't that cute?

Isso me deixa não só revoltada como desgostosa. Fora o inconveniente de ter de explicar a Mathilde que sim, aquela é a Fada Sininho, apesar de a chamarem de Tinkie (e pra confundir ainda mais, minha mãe a chama de Fada Tlin-Dlin, que era o nome brasileiro nos anos 50), fica o pesar por tanta riqueza que se está perdendo com essa estúpida padronização mundial de nomes.

Tradução de nomes de personagens ficcionais não é coisa simples nem corriqueira. Envolve muita ciência e uma boa dose de brilhantismo. Vasta literatura já foi escrita em torno dos nomes, no Brasil, dos personagens e lugares de Harry Potter ou do Senhor dos Anéis. Mas o mais triste é ver como se perde a chance de adicionar uma certa brasilidade a esses universos imaginários. Se fossem lançados hoje em dia, teríamos o Uncle Scrooge e não o Tio Patinhas. Goofy, e não Pateta. Magica De Spell em vez da genial tradução Maga Patalógica, um trocadilho sensacional com "patológica". Imagine os Beagle Boys, e não os Irmãos Metralha! Ainda no universo de Patópolis (Duckburg) há ótimas soluções de tradução: Mancha Negra (Phantom Blot), o brasileiríssimo João Bafo-de-Onça (Black Pete), Huguinho, Zezinho e Luizinho (Huey, Dewey e Louie), Peninha (Fethry Duck), Margarida (Daisy) etc.

Mas não só aos personagens Disney se resumem as boas traduções. Os Looney Tunes estão entre os meus favoritos neste quesito. A começar pelo melhor de todos: Pernalonga - no original, Bugs Bunny. Ora, Bunny = coelho e Bug é ao mesmo tempo "inseto" e o verbo perturbar, incomodar (justamente como um inseto zumbindo no ouvido). O Pernalonga é precisamente isso: um coelho que enche o saco. Daí que os tradutores decidiram abrir mão da parte do coelho (Bunny) e focar no inseto que perturba, o pernilongo, ao mesmo tempo remetendo a uma característica física do personagem, que são as pernas compridas. Absolutamente genial! Já o Porky Pig também perdeu a referência ao porco para virar apenas Gaguinho. Hortelino Troca-Letras é outro que teve o nome brasileiro completamente desvinculado do original americano (Elmer Fudd) para ser fiel a uma característica do personagem. Personagens como Frajola e Piu-Piu (Sylvester e Tweety) tiveram seus nomes trazidos para a realidade brasileira. Outros foram simplesmente adaptações inteligentes: Road Runner> Papa-Léguas; Speedy Gonzalez> Ligeirinho.

Lamento imensamente que isso não mais ocorra com os desenhos animados de hoje em dia. Acho triste que, por razões comerciais, minha filha tenha entre seus ídolos bichos chamados Tasha, Austin, Tyrone, Pablo e Uniqua (que aliás nem bicho é - acho eu). Mais triste ainda é que essa verdadeira arte da tradução dos nomes tenha caído em desuso. Saudades de Penélope Charmosa, Dick Vigarista e Rabugento.

10.12.10