31.5.12

Dia das Mães 2 x 1 anna v.

Quem acompanha o blog há mais tempo sabe do meu desconforto e falta de saco para a festa do dia das mães da creche dos meus filhos. Em 2010 sofri e jurei que nunca mais. Acabei capitulando em 2011, quando me dei mal novamente. Aí este ano, lá pelo final de abril chegou a temida circular falando sobre a festa das mães. E ali dizia que este ano a festa seria temática, e o tema era "Anos 60" (alou? nenhuma mãe de criança de creche viveu os anos 60). Com isso, as crianças estariam vestidas com figurinos de anos 60 (para as meninas, saia rodada, laço de fita, óculos escuros), e os pais podiam também se vestir de acordo.

Ahmn... Não, obrigada.

Resolvi que não ia participar este ano, e comuniquei via agenda, o que provocou comoção na creche, com a dona me ligando para perguntar "Mas por quêeeeee???", me obrigando a mentir, olha que horror, dizendo que era uma viagem há muito tempo combinada, etc. Mas não falei nada com Mathilde, e pedi que, na creche, ela continuasse participando dos ensaios para a coreografia da sua turminha.

Minha rebeldia com o status quo acabou se tornando mais difícil do que eu previa. Conforme o dia foi se aproximando e Mathilde me contava sobre os ensaios, passei a me questionar sobre a decisão. Afinal, não estaria eu pensando apenas em mim, e não nela? Não faltaram pensamentos a respeito de traumas futuros, pensamentos estes que tento contemporizar, afinal de contas a mãe ou pai que pretender criar seus filhos sem um trauma sequer está fadada ao mais completo fracasso e à frustração eterna.

Quando entendi que ela estava sim animada com a perspectiva da festa, mas não incrivelmente excitada e expectante, tive a ideia de compensar a falta do evento em grande estilo: fizemos uma viagem, só nós duas. E uma super viagem, diga-se de passagem, apesar de apenas um fim de semana.

Pesquisei na internet sobre hotéis para se ir com crianças, e escolhi o Parador Maritacas, que fica entre Mendes e Vassouras, no sul fluminense. Partimos no sábado bem cedinho, chegamos em pouco mais de duas horas (porque sou uma anta na estrada, vou devagaríssimo com medo de errar -- na volta deu 1h45 de viagem), demos a maior sorte com o tempo bom e tivemos um fim de semana espetacular. Principalmente, quality time, como dizem. Mathilde é ótima companhia, o lugar é super lindo, lá tinha uma porção de crianças, recreação super completa com uma equipe de monitores bem legais (quem quiser pode largar as crianças de manhã com eles e pegar a carcaça exausta à noite, tem mil programações).

Para completar, levei a música que ela cantaria na festa da escola em MP3 no celular, e coloquei lá para ela fazer a coreografia, dançamos juntas uma porção de vezes dentro do nosso quarto.

No mais, desejo um feliz todo-e-qualquer-dia a todas as mães, porque a gente sabe que não depende de data.


26.5.12

O site de música mais legal dos últimos tempos

E o Terapia Zero sai de sua longa hibernação para falar de música!

Há dois personagens da história mais ou menos recente da música brasileira que sempre me fascinaram: Ernesto Nazareth e Guiomar Novaes. A razão do meu fascínio é que, em tudo que se lê e pesquisa sobre suas respectivas épocas, eles são citados constantemente, como referências absolutas. Nazareth, no início do século passado, tanto como compositor quanto como intérprete inigualável e formatador do tango brasileiro, e por extensão da polca, do choro e muito mais. Guiomar para o ambiente da música clássica da primeira metade do século XX, adorada por dez em cada dez pianistas clássicos. Há até mesmo a famosa citação de Claude Debussy sobre Guiomar ao vê-la participando de um concurso de piano em Paris -- quando ela tinha treze anos, dizendo que ela tinha a rara qualidade dos artistas, "os olhos ébrios de música", e que tinha sido a única coisa interessante que ele viu naquele concurso de jovens talentos.

E apesar das muitas gravações disponíveis de Guiomar Novaes, que permitem que se conheça sua personalidade artística, sempre senti falta de conhecer mais sobre a mulher por trás do mito. Afinal, quem era essa moça, filha da burguesia do interior paulista, 17ª de 19 irmãos (!!!) nascidos em São João da Boavista? Então quando soube do lançamento do livro Guiomar Novaes do Brasil: A Trajetória da Pianista em Nova York, de Luciana Medeiros e João Luiz Sampaio, corri para ter um exemplar (porque é um desses projetos patrocinados, lançado por uma pequena editora - Kapa Editorial -, o tipo do livro que some pouco após o lançamento e depois você só em encontra em sebos por preços proibitivos. Mas por enquanto ainda se acha, e custa R$80).

Confesso que fiquei decepcionada com o livro. Para começar, é um livro de luxo, formato grande, capa dura, edição bilíngue, todo em papel cuchê, repleto de fotos, e inclui 2 CDs de Guiomar tocando com a New York Philharmonic, regida pelo Bernstein (que estou ouvindo enquanto escrevo). Naturalmente essa opção pela edição luxuosa, "coffee table", não é, em si, um problema. O que me incomoda é que toda essa beleza externa na minha opinião serve para mascarar as deficiências do livro. O texto é fraco (na verdade nem cheguei a ler até o fim, pois perdi o interesse) e não revela quase nada sobre quem foi essa mulher. É quase uma compilação de fatos que a levaram aos EUA em 1915, depois de uma primeira temporada na Europa - a segunda foi abortada por causa da Primeira Guerra Mundial. Muita descrição e pouca análise. Mesmo dando o desconto necessário para o fato de o livro se concentrar na trajetória dela em Nova York, como diz o título, achei um desperdício. Ainda falta uma verdadeira biografia de Guiomar Novaes. Ou talvez exista e eu é que não conheço. Se alguém souber, por favor me fale.


Mas tudo isso sobre a Guiomar foi só uma digressão. Eu queria mesmo era falar sobre o Nazareth, e finalmente explicar o título deste post. É que estou fascinada pelo site www.ernestonazareth150anos.com.br, feito para comemorar o sesquicentenário do compositor, que será em 2013 (no site tem uma contagem regressiva: hoje faltam 298 dias). Não é segredo que tenho uma tendência forte à acumulação, organização e compilação de coisas. Todos os testes de autoconhecimento que já fiz ressaltam esse meu apreço pelo arquivo, pelos projetos grandiosos para organizar dados, etc. E de fato, cada vez que me aparece um desafio desses pela frente, fico entusiasmada. Então me encantou esse site, que é certamente obra de gente que não bate bem (no bom sentido).

Porque não seria nada de mais dizer que no site tem uma lista com todas as composições do Nazareth (mais de 200). Mas a coisa começa a ficar mais interessante quando se descobre que tem também todas as partituras disponíveis para download. E vira realmente espetacular quando se revela o fato que essas partituras têm duas versões: original para piano e adaptada para regional. Para quem não se tocou do que isso significa: dessa forma, qualquer grupo instrumental pode tocar as músicas, e não apenas os pianistas (Nazareth só escreveu para piano). Esse detalhe, sozinho, significa muito em termos da possibilidade de disseminação e popularização das composições.


Mas o motivo que me fez escrever que este é o site de música mais legal dos últimos tempos é o link "Discografia". Ali você consegue ouvir, em streaming, todas as gravações feitas de todas as obras. Em todos os tempos. São mais de 2 mil gravações, brasileiras e estrangeiras, antigas e modernas, em tudo quanto é transcrição, adaptação e instrumentação diferente. É por isso que acho que isso é coisa de gente com um parafuso a menos.

Independente da sanidade mental, eu tenho me deliciado descobrindo quantas músicas boas ele escreveu e especialmente comparando as interpretações de artistas diferentes para a mesma música. É uma aula e uma demonstração cabal das múltiplas interpretações de um mesmo texto musical. Ok, tá certo que no YouTube  isso existe de montão: pequenas colagens de vários intérpretes tocando a mesma obra ou trecho. Mas nunca tinha visto nada dessa escala, com tantas opções para você navegar como quiser.


E caramba, quanta música boa tem o Nazareth! Eu que estudei piano durante tantos anos tinha 2 álbuns de partituras dele, cada um com umas 30 peças, por aí. Não é nem um terço da produção. A maioria das pessoas só o conhece como autor de Odeon, Apanhei-te Cavaquinho e Brejeiro, e quem sabe um pouco mais de história da música lembra do fato de ele ter morrido louco, afogado tentando fugir na Colônia Juliano Moreira, um sanatório. Na verdade, Nazareth tinha sífilis (como Nietzsche, com quem também compartilhava o bigode, e de quem todo mundo também se lembra disso: morreu louco, conversava com cavalo etc.). É impressionante como essas "excentricidades" acabam sendo preponderantes no imaginário popular em detrimento da obra. No fim das contas, é isso que se grava, esse exótico "morreu louco".

É impossível medir a importância do Nazareth para a música popular brasileira. Sabe-se que ele era um cara popular em seu meio e sua época, que as pessoas vinham de todas as partes só para vê-lo tocar na sala de espera do cinema Odeon (e de outros onde ele tocou), inclusive Villa-Lobos, Radamés Gnattali e até o Rubinstein, na época uma grande estrela do pianismo internacional. Sabe-se que ele, como qualquer pianista, foi muito influenciado pelo repertório clássico (e ouvir suas valsas com atenção é entender como uma escola clássica e uma alma popular se encontram tão harmonicamente), e há grandes e intensas discussões musicológicas e psicológicas sobre o quanto ele seria "traumatizado" por não ser um pianista e compositor clássico. Há um famoso episódio em que Nazareth vai ao Theatro Municipal assistir a um concerto de, adivinhem!, Guiomar Novaes, e sai de lá aos prantos, em meio a um surto, se lamentando por não ter ido estudar na Europa e não tocar como ela.

Com tudo isso, com um personagem dessa magnitude e riqueza, não há, que eu saiba, uma biografia de Ernesto Nazareth. Existe um livro chamado O Enigma do Homem Célebre: Ambição e Vocação de Ernesto Nazareth, de Cacá Machado, que eu já li e achei chatérrimo, que não se presta a ser uma biografia real. Neste livro, o autor compra a versão de que Nazareth é a inspiração para o conto "Um homem célebre", de Machado de Assis (leiam, é uma delícia), cujo protagonista é Pestana, um compositor de polcas ultra populares que no fundo é atormentado por não conseguir compor peças clássicas. Além disso, o livro do Cacá Machado é muito técnico, tem análises musicológicas profundas que me derrotaram.

E então eu já entro em um novo tópico, que é a carência de biógrafos profissionais no Brasil. Li recentemente a biografia do Steve Jobs escrita pelo Walter Isaacson e fiquei boquiaberta. É um livro muito bom, excelentemente pesquisado e soberbamente escrito, leitura fácil e agradável mesmo para quem não tem nenhum interesse especial pelo tema nem pelo biografado. É um contraste com o que existe aqui, com as figuras e personagens do Brasil.

Tiro o chapéu para o Ruy Castro, que escreveu ótimos livros sobre Nelson Rodrigues, Carmen Miranda, Garrincha, a Bossa Nova, e para o Fernando Morais, cujas biografias de Olga Benário e Assis Chateaubriand são verdadeiros clássicos. Na área da música, tiro o chapéu também para o Sergio Cabral pai, que não é um biógrafo da estatura dos outros, mas fez um trabalho incrível de preservação de memória e de ocupar essa lacuna inexplicável, com seus livros sobre Pixinguinha, Tom Jobim, Ary Barroso, Elizeth Cardoso e Nara Leão. Existem, claro, outras boas biografias musicais, como a do Mário Reis escrita pelo Giron, a do Dorival Caymmi escrita pela neta Stella, do Cauby Peixoto escrita pelo Rodrigo Faour, do Vinicius de Moraes escrita pelo José Castello, e o excepcional trabalho feito pelo João Máximo e Carlos Didier em Noel Rosa, uma biografia, criminosamente esgotado e difícil de achar. Há outros bem mais limitados, como as biografias da Elis Regina, da Clara Nunes e da Maysa. E com tantos exemplos, acho que é pouco, muito pouco. E imagino que a causa seja a falta mesmo de investimento editorial. Porque o cara vai precisar mergulhar na vida de um personagem, no espírito do tempo em que o biografado viveu, passar meses, um ano, trabalhando obsessivamente naquele assunto, entrevistando montes de gentes, pesquisando à beça. E para isso, precisa ser remunerado durante esse período de gestação, coisa que as editoras dificilmente fazem.

Bom, acho que já deu para me lembrar como é escrever em blog. :-)