4.11.12

Uma vida em rascunhos

Bem cedo aprendi a ter muito amor pelo objeto papel. Meu pai e minha mãe jamais permitiram que se jogasse fora uma folha de papel que não fosse usada em ambos os lados. E aquela clássica cena de cinema em que um personagem começa a escrever uma carta (ou um livro), e depois de uma frase amassa o papel para jogar fora até hoje me provoca calafrios. Papel tem de ser usado em sua totalidade. Por isso, ao longo de muitas faxinas em casa, acumulei quantidades absurdas de papel de rascunho, por falta de coragem de jogar fora. Era tanto papel que eu achava que nem em duas vidas inteiras teria oportunidade de usar.

Até que meus filhos aprenderam a rabiscar, desenhar, escrever. É impressionante como eles amam essa atividade - e mais impressionante ainda o quanto gastam de papel para todos os seus desenhos e rabiscos.

Hoje, fazendo uma arrumação na casa, peguei quilos de papel usado por eles, desenhos deixados pelos cantos da casa, e fui separando o que já estava rabiscado (para o lixo) e o que ainda não estava (para recolocar no lugar). E nessa lida passei minha vida em revista observando o que estava no verso dos desenhos.

Tinha ali o Discurso do Método de Descartes, textos clássicos da Escola de Frankfurt, como Adorno sobre a indústria cultural e A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica de Benjamin (com comentários meus na margem da página!), partituras quatro vozes de uma Aleluia e de motetos medievais, prestações de contas de projetos de Lei Rouanet, boletos bancários, cópias xerox de um capítulo intitulado Psychoanalisys and Feminism, páginas em formato A3 (mais valorizadas!) de um livro ilustrado sobre carros.

Vai que eles estão absorvendo um pouco disso tudo. Nunca se sabe.