28.10.08

Planeta SP


Estive em São Paulo no fim de semana. E, como acontece sempre que vou pra lá, sinto-me como se estivesse em outro país. Quase diria em outro planeta.
São Paulo, cidade cheia de túneis que não são em montanhas.
São Paulo, que montanhas não tem, mas onde está-se sempre subindo ou descendo uma ladeira.
São Paulo, que sem montanhas dá uma impressão de não ter fim, não acabar nunca, nunca, nunca.
São Paulo, que tem tantos prédios, mas ainda tantas e tantas casinhas.
São Paulo, que tem cafezinhos de R$ 4,90 mas imóveis e gasolina mais baratos que o Rio.
São Paulo, terra dos paulistanos.
Considerações à parte, registre-se que:
Conheci a Sala São Paulo, absolutamente fantástica sala de concertos.
Peguei um táxi cujo motorista disse, com o ardor dos facínoras, a propósito da eleição que se avizinhava: "Minha senhora, o meu candidato é o Maluf!" - porque, na boa, no fundo não é sem alguma surpresa que a gente se dá conta que essas pessoas existem de verdade.
Fui a um jantar que tinha entre os comensais membros da família Matarazzo e a Silvia Poppovic. Acho que não preciso dizer mais nada. A não ser que saímos correndo logo que possível.

Meu rio, meu Tietê, onde me levas?
Sarcástico rio que contradizes o curso das águas
E te afastas do mar e te adentras na terra dos homens,
Onde me queres levar?...
(M. de A.)

6 comentários:

Anônimo disse...

O engraçado do surrealismo da paisagem urbana paulistana é que os próprios paulistanos (cheia de viadutos e enormes obras viárias) não só não a consideram estranha, como ainda são capazes de dizer que esse tipo de paisagem existe em qualquer grande cidade do mundo.

É claro que a maioria não conhece outras grandes cidades do mundo pra ficar dando opinião, e não têm idéia de que a dura poesia concreta deles (e eu não gosto de poesia concreta) é só deles e de mais ninguém.

Anunciação disse...

Vixe Maria!

F. disse...

Anna, São Paulo é difíci mesmo... Mas quando a conheces bem, aprendes a gostar. E não digo isso só porque lá nasci (quem acompanhava a Casa da Lagoa sabe que elegi o Rio como minha cidade de adoção).

Lord Broken Pottery disse...

Anna,
Sou carioca e vivo em Sampa desde pequeno. Concordo com o Marcus, também detesto poesia concreta, mas como diz um concreto que admiro, o Arnaldo Antunes:

Alma Paulista
Arnaldo Antunes
2000

Foi por me sentir genuinamente desidentificado com qualquer sentimento nacionalista ou patriótico, ou com qualquer espécie de regionalismo, que escrevi e cantei coisas como: "Não sou brasileiro, não sou estrangeiro / Não sou de nenhum lugar, sou de lugar nenhum, sou de lugar nenhum / Não sou de São Paulo, não sou japonês / Não sou carioca, não sou português / Não sou de Brasília, não sou do Brasil / Nenhuma pátria me pariu", ou "Riquezas são diferenças", ou "Aqui somos mestiços mulatos cafuzos pardos mamelucos sararás crilouros guaranisseis e judárabes / Orientupis orientupis / Ameriquítalos luso nipo caboclos / Orientupis orientupis / Iberibárbaros indo ciganagôs / Somos o que somos, somos o que somos / Inclassificáveis, inclassificáveis".

Ao mesmo tempo, creio só terem sido possíveis tais formulações pessoais pelo fato de eu haver nascido, crescido e vivido sempre em São Paulo. Por essa ser uma cidade que permite, ou mesmo propicia, esse desapego para com raízes geográficas, raciais, culturais. Por eu ver e viver São Paulo como um gigante liquidificador onde as informações diversas se misturam, se atritam gerando novas fagulhas, interpretações, exceções.

Por sua multiplicidade de referências étnicas, linguísticas, culturais, religiosas, arquitetônicas, culinárias...

São Paulo não tem um símbolo que dê conta de sua diversidade. Nada aqui é típico daqui. Não temos um corcovado, um berimbau, uma arara, um cartão postal. São Paulo são muitas cidades em uma — do Brás a Pinheiros, do Morumbi à Freguesia do Ó, de Osasco ao Jardim Europa, da Consolação ao Pacaembú, da Móoca a Higienópolis, do Paraiso ao Ipiranga, da Vila Madalena à Liberdade. De um bairro a outro pode mudar tudo — a paisagem, os rostos, os letreiros, as praças, as lojas, o jeito, os sotaques.

Sempre me pareceram sem sentido as guerras, as fileiras nazistas, os fundamentalismos, a intolerância ante a diversidade, a xenofobia nacionalista, a "macumba para turista" de que falava Oswald de Andrade. O nacionalismo sempre me pareceu ligado ao desejo de poder, enquanto as manifestações que positivam a convivência com as diferenças são para mim sintomas de potência individual diante do mundo.

Assim, fui me sentindo cada vez mais um cidadão do planeta; sem nacionalidade, sem raça, sem religião. Acabei atribuindo parte desse sentimento à formação miscigenada do Brasil.

Acontece que a miscigenação brasileira parece ter se multiplicado em São Paulo com feições de imigrantes de muitos outros povos (judeus italianos coreanos africanos árabes alemães portugueses ciganos nordestinos indígenas latinos etc.), num ambiente urbano que foi crescendo para todos os lados, sem limites.

Até a instabilidade climática daqui parece haver contribuido para essa formação aberta ao acaso, à imprevisibilidade das misturas.

Ao mesmo tempo temos preservados inúmeros nomes indígenas designando lugares, como Ibirapuera, Anhangabaú, Butantã, etc. Primitivismo em contexto cosmopolita, como quis e soube vislumbrar Oswald.

Não é a toa que partiram daqui várias manifestações culturais que souberam conceituar e positivar essa condição de hibridez antropológica, social e cultural. A Antropofagia, a poesia Concreta, a Tropicália ("um neo-antropofagismo" — segundo depoimento de Caetano na época — gestado em São Paulo, apesar dos inúmeros protagonistas baianos).

São Paulo fragmentária, com sua paisagem recortada entre praças e prédios; com o ruído dos carros entrando pelas janelas dos apartamentos como se fosse o ruído longínquo do mar; com seus crepúsculos intensificados pela poluição; seus problemas de trânsito miséria e violência convivendo com suas múltiplas ofertas de lazer e cultura; com seu crescimento indiscriminado, sem nenhum planejamento urbano; com suas belas alamedas arborizadas e avenidas de feiura infinita.

São São Paulo meu amor, como quis Tom Zé.

São Paulo meu horror, como no Pavilhão 9.

São Paulo de muitas faces, para que façamos a nossa, a partir de sua matéria múltipla e mutante.

Talvez isso constitua alguma forma de identidade.

vera maria disse...

Nossa, isso não é apenas um depoimento, mas também uma belíssima declaração de amor, um manifesto erudito e simples, belo e emocionante sobre a cidade de são paulo. embora eu conheça os vários manifestos dos modernistas, vc renovou a linguagem deles a meus olhos, e fez de novo a emoção brilhar. Bonito isso.
um abraço aos três, ana, são paulo e lord,
clara lopez

Anônimo disse...

Lord, gostei muito do texto. Obrigada.