13.8.07

Um pouco mais sobre livros e autores

Federico Zandomeneghi, La Lecture

O meu depoimento sobre o mercado editorial repercutiu por aí, foi citado por blogues profissa como o Sérgio Rodrigues e o Alex Castro e trouxe uma quantidade inédita de acessos para este blogue pé-de-chulé. Fui até espinafrada por alguns comentaristas, o que é a glória suprema.
Muita gente comentou que a publicação por uma grande editora traz um reconhecimento de fato. Não nego, apenas relativizo. O Alex fala em "diferença de percepção", o Sérgio cita a "chancela oficial" e sua importância considerável. Têm razão os dois. Apenas, isso não se traduz necessariamente em vendas -- muito menos em uma carreira literária que se possa considerar como tal.

Ivan Kramskoy, Sophia Kramskaya Reading

O Alex citou ainda a Ana Maria Gonçalves e seu ótimo Um Defeito de Cor, catatau de mil páginas publicado pela Record (que eu li, adorei e recomendo fortemente). Eu também pensei nela quando estava escrevendo o post. Pensei nela quando escrevi sobre a questão dos objetivos de cada um: o que se quer? Ser lido ou viver de literatura? Pelo que me parece, a Ana Maria Gonçalves resolveu, há algum tempo, ser escritora profissional. Abandonou a carreira na publicidade e foi à luta. O que ela mesma escreve no seu post #100 é exemplar: o trabalho que teve pesquisando as editoras, o trabalho que teve preparando uma apresentação para o seu livro, etc. Vale a pena ler. O resultado foi o melhor possível. O livro teve boa repercussão, foi indicado a prêmios, e a autora até já foi à Flip. Caso em que a editora, no dizer do Branco Leone aqui nos comentários, foi "parceira" do autor e contribuiu decisivamente para o seu sucesso.

J.-J.-J. Tissot, Reading a Book

Eu realmente não sei quem são os escritores brasileiros que hoje em dia poderiam viver somente de seus direitos autorais -- se é que os há. Talvez os megabestsellers Paulo Coelho e Verissimo, mas vale notar que mesmo esses dois mantêm colunas em jornais e revistas, o que lhes garante uma remuneração mensal fixa. Talvez a Ana Maria Machado, que tem mais de cem livros infantis publicados (além de uma obra adulta que nunca chegou a decolar) e presença assegurada na lista de adoção de paradidáticos de todo o país, inclusive nas compras dos governos estaduais, municipais e federal, compras essas que giram quase sempre na casa das dezenas de milhares de exemplares. O fato é que esses caras nunca param de trabalhar muito. E aqueles que ainda não chegaram nesse top, mais ainda. Escritor tem que publicar em jornal, revista, site, dar aula, fazer palestra, coordenar coleção em editoras, participar de feira, escrever ensaio, escrever prefácio, fazer guia de leitura, traduzir livro, adaptar clássicos para o público infantil, enfim, muita coisa além de escrever suas próprias obras. João Ubaldo Ribeiro é um que sempre toca neste ponto: o escritor precisa trabalhar para ganhar a vida, e as pessoas não param de assediá-lo pedindo-lhe que escreva pequenos artigos, comente livros ou participe de eventos, sempre de graça, ou por um "valor simbólico". Como ele diz, não dá para ir à padaria e comprar um litro de leite com um punhado de "símbolos".

Georges Lemmen, Man Reading

Isso é muito significativo do pouco valor que se dá ao trabalho do escritor. Uma coisa do tipo "ah, você senta aí e escreve em dez minutinhos", "é só um textinho muito simples". Acho que em nenhuma outra categoria profissional tanta gente cogita pedir a um profissional que trabalhe de graça, como se não exigisse nenhum esforço. Talvez por isso também tanta gente ache que pode ser escritor. Ou melhor, que pode ser um autor. Saber escrever não basta. Ter um bom estilo, colocar corretamente uma palavra atrás da outra, uma frase depois da outra não faz de ninguém um autor. E quanta gente passa a vida batalhando, sem se dar conta disso.
(Pê ésse: e eu rogo a deus-nosso-senhor-em-sua-imensa-glória que não me perguntem qual é a receita, o que é que precisa para ser um autor.)

18 comentários:

Unknown disse...

Anna, não sei se você já leu algo do Michael Allen, que escreve o blog Grumpy Old Bookman. Ele escreveu um ótimo livro sobre o mercado editorial, "On the survival o rats in the slush pile", que é curto e está disponível para download gratuito no site do autor. Ele diz no livro que fazer sucesso com literatura é, mais do que talento, uma questão de sorte, e que é loucura pensar que trabalho duro e talento serão o bastante para ganhar essa loteria. Se isso vale mesmo para mercados literários plenamente desenvolvidos, imagine no Brasil.

Se você tiver um tempo e interesse no livro, recomendo fortemente:

http://www.kingsfieldpublications.co.uk/rats.PDF

Abraços,

Lucas

Anônimo disse...

oi anna. gostei do texto. mas achei ele meio nao-relacionado ao anterior. ele era resposta a alguma coisa? sei lá, eu tenho a impressao que todo mundo sabe que pra ser escritor profissional é preciso além de muito trabalho duro também muita sorte. quem não sabe, bem, é pq nao pensou muito sobre o assunto.

Depois, vc escreveu:

"O Alex fala em "diferença de percepção", o Sérgio cita a "chancela oficial" e sua importância considerável. Têm razão os dois. Apenas, isso não se traduz necessariamente em vendas -- muito menos em uma carreira literária que se possa considerar como tal."

Mas alguém falou isso? Nem eu nem o Sergio, com certeza. Nós falamos o mesmo que vc, que ser publicado muda a percepção que se tem da pessoa e lhe confere um carimbo, mas naturalmente q esse carimbo não vai torná-la nem escritora profissional nem best-seller. mais uma vez, quem acha que lançar um livro tem esse efeito é pq não pensou muito sobre o assunto.

Ou seja, acho que a gente concorda em tudo.. :)

anna v. disse...

Lucas, valeu pela dica. Não conheço, não, vou baixar.
Alex, começou relacionado ao anterior e terminou não relacionado. :-) E não, vocês não falaram que ser publicado signifique vendas ou carreira. Mas eu quis enfatizar esse ponto que, sim, corresponde à expectativa de muita gente que, provavelmente, "não pensou muito no assunto" mesmo. É que teve uma porção de gente que ficou perguntando então qual é a solução. Ora, eu sei lá. Muitas e nenhuma, é claro.

Anônimo disse...

acho engracado tambem essas "pessoas que nao pensaram muito no assunto" (um eufemismo que aprendi a usar pra nao ser grosso) que ficam cobrando solucoes dos outros. quem foi que disse que vc tinha alguma obrigacao de resolver o problema? :)

Anônimo disse...

anna, cheguei aqui agora, pela primeira vez. gostei do blog, vou linkar no meu e assinar seu feed. estarei mais vezes por aqui. abs.

Anônimo disse...

Só sobreviverão os escritores mais velhos (que publicaram e continuam publicando desde, mais ou menos, os anos 80) e os escritores-blogueiros.
Não sei se alguém entende meu raciocínio. Mas é fato que escritor não é mais aquele que escreve algo, manda para a editora, e é publicado, e fim de papo. Esse tipo aí está sendo rapidamente extinto.

Biajoni disse...

recentemente li duas biografias, de baudelaire e de balzac... os dois não ganharam dinheiro escrevendo - muito pelo contrário.
acho que esse negócio não dá futuro não.
:>)

Lu disse...

Anna, concordo contigo... Com esse post, com o post anterior. E te confesso: o último livro do qual participei tem sido uma grata surpresa. O organizador bancou a publicação, vendemos bem no lançamento e continuamos com as vendas. Ninguém está ganhando dinheiro. Ainda somos escritores "emergentes" (como um jornal daqui nos classificou). Mas o que fez o sorriso tomar conta do rosto foi o fato de que encontramos leitores... que acharam o projeto interessante, entraram na livraria e solicitaram o livro.

Afinal, só os ingênuos acham que literatura dará algo mais do que o prazer de escrever/exorcizar nos primeiros anos/décadas de prática. O dinheiro demora... Mesmo com o apoio de uma grande editora. Resta descobrirmos os leitores... Escrevermos, e trabalharmos muito nos intervalos de cada texto, para garantir o dia e a noite...

Enfim... Gostei do debate aqui... Beijos!!!!!

anna v. disse...

Daniel Lopes, oba! Obrigada e bem-vindo.
Vanessa, hmmmm, será? E quando morrerem os "velhos"?
Biajoni, quem ganha dinheiro é banqueiro e dono de empreiteira.
Lu Thomé, o que dizer? Você é um sucesso!

F. disse...

Anna, só para esclarecer: não tive intenção de espinafrar nem de cobrar soluções com meu comentário no post anterior. Achei sua explanação muito boa, reveladora, e indiquei na Casa da Lagoa para os meus dois leitores fiéis. Minha intenção era só estimular o debate para aprender ainda mais, o que de fato aconteceu com os comentários posteriores do Branco Leone e do Valter Ferras, entre outros... Enfim, acho que você tocou num tema estimulante, já que a maioria dos blogueiros tem pretensões literárias, que vai render muito. Abraços

Isabella Kantek disse...

Adorei esse seu post (vou correndo ler o que todos estão comentando) e a discussão que ele proporcionou. De alguma forma o seu texto me ajudou a esclarecer algumas dúvidas e perguntas interiores constantes... (acho eu) =p
Beijos

anna v. disse...

Ferdi, eu sei, entendi muito bem. As espinafrações vieram lá dos comentários do todoprosa, uns tratantes! :-)
Isabella, que bom, era esse mesmo o objetivo, contar para as pessoas como foi, na minha experiência, trabalhar em editora, e levantar a discussão. Beijos.

Anunciação disse...

Nossa,desisti de ser escritora.Pra não ganhar dinheiro,já basta ser funcionário público e escutar de vez em quando:"É rapidinho;é só dar uma olhadinha rápida nesse resultado de exame aqui"

Anônimo disse...

Anna,

Descobri teu blog via Todoprosa. Passeei um bocado e tou adorando. Talvez não seja o melhor local pra dizer isso, mas teu post "Não tem tradução" é excelente e dá o que pensar. Isso porque o inglês tem uma capacidade de síntese invejável, e a nós, ao traduzirmos, resta a paráfrase. E paráfrase sintética, convenhamos, não é nada fácil. Basta tentar traduzir "timing" (felizmente, já incorporado a nosso léxico). Bem, de alguma forma, esse papo aqui pega carona num trechinho teu, daí de cima, em que você "recomenda fortemente". Deu quase pra ver em néon um "I strongly recommend..." atrás dele. Mas...talvez a expressão seja bastante comum em português, e estou desatualizado. Abraços pra ti, vida longa ao blog.
Luis Fragoso

anna v. disse...

Luis, obrigada pelo seu comentário, e seja bem-vindo. "Timing" é mesmo mais um bom exemplo. E você tem toda razão quanto ao "recomendo fortemente", hehe. Uma tradução literal, sem dúvida.

Alexandre Kovacs disse...

Para ser um bom escritor não basta escrever bem, para escrever bem é preciso necessariamente ter algo verdadeiro para dizer, algo que provoque a identificação e aceitação desta verdade no leitor (não necessariamente concordância). Parabéns pelo texto e debate.

Ana disse...

Balzac e Baudelaire nao precisavam ganhar dinheiro, pois dinheiro eles ja tinham, por isso podiam escrever :-) O mesmo acontece com escritores, artistas e outros mundo afora....

Anônimo disse...

Noga Rosenthal, nao basta escrever bem