9.11.08

Fazendo história



Ainda mais ou menos no mesmo assunto do post anterior.
É engraçado observar como todo mundo hoje em dia tem a mania de estar presenciando uma época histórica, um fato histórico, qualquer coisa muito digna de nota.
A atual dita "crise financeira", o que quer que ela seja - porque eu não tenho a menor idéia e não entendo picas do assunto -, vem sendo revestida de um caráter de solenidade, comparada à depressão pós 1929 e eventos similares. A vitória de Obama. A eleição de Lula. O 11 de setembro. A internet. Tudo é "estamos vivendo a história". Tudo é como se precisasse ser bem marcado na memória, para contarmos ao nossos netos e bisnetos.
Há um contentamento escondido por trás de cada uma dessas análises, uma alegria oculta por estar vivenciando um tal momento importante. Ou por desejar tão fortemente "viver a história".

Eu só me lembro de ter tido essa sensação, de verdade mesmo, uma vez. E não foi em 11/09/2001 (neste dia eu estava em Cuba, dançando salsa. Juro.). Foi em 9/11/89, há 19 anos, quando caiu o Muro de Berlim.
Vejam bem, estava eu na sétima série, na ocasião. Tinha 13 anos e acabava de travar contato pela primeira vez com essas maluquices de dividir o mapa em países comunistas e capitalistas, Otan e Pacto de Varsóvia, tudo isso filtrado pela ótica marxista descaradamente parcial característica dos professores de história e geografia dos colégios brasileiros.
Nesse dia, eu estava na casa da minha avó, assistindo à televisão que ficava na cozinha, pendurada num giro-visão. Foi ali que vi, provavelmente no Jornal Nacional com Cid Moreira ou Sergio Chapelin, as imagens das pessoas subindo no Muro, bebendo, cantando, se abraçando. Fiquei embasbacada. Aquele muro, que tão pouco tempo antes havia se construído na minha cabeça, de forma tão definitiva e definidora, não existia mais. No dia seguinte, e no seguinte ao seguinte, fiz muita questão de ler tudo sobre os assuntos nos jornais - coisa que, é claro, aos 13 anos, não era um hábito.
Lembro perfeitamente de ter tido o seguinte pensamento: "Nove de novembro de 1989. Preciso guardar essa data, que ela vai ser importante pra sempre." E foi assim, desviada pela lógica perversa da prática de decorar datas, que eu me senti, realmente, vivenciando a história.
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10 comentários:

MegMarques disse...

Puxa, tive a mesmíssima sensação quando o muro caiu. Mas eu já tinha 17 anos e lia os jornais pra passar no vestibular, hahaha.
Outro dia que ficou no meu imaginário como sendo data "histórica" foi quando houve a revolta na Praça da Paz Celestial, na China. As imagens do rapaz fazendo frente e peitando os tanques de guerra até hoje me arrepia!

vera maria disse...

Eu acho a eleição do Obama histórica, sim, por todas as razões que já foram mais que discutidas. É possível que ele venha a decepcionar tantas expectativas postas em seus ombros, e provavelmente vai, até porque vai ser presidente dos EUA e não do mundo. Mas sobretudo lá me parece um feito sua eleição.
um abraço,
clara lopez

Anônimo disse...

Quem fez história foi novamente só e apenas o povo norteamericano.

Mas história a sério, quer no Brasil ou EUA, vai ser no dia em que os peles vermelha e os índios, que desapareceram quais dinossauros, sejam, aqueles que sobreviveram, devidamente considerados e tratados com o devido respeito e não com estas discussões de branco preto preto branco.
Aí sim podemos bater palmas aos presidentes das repúblicas sejam eles quais forem

osvjor disse...

falou tudo, é um pedantismo do k*c*t essa mania de considerar tudo histórico. que eu me lembre começou na época do Lula, tudo q ele fazia era "histórico": um discurso "histórico", uma decisão "histórica", uma c*g*d*a "histórica"... é aquela história do alvo do elogio ser na verdade o emissor e não o objeto do elogio.

ah, e eu visitei Berlim e conheci Die Mauer pouco antes dele ser posto abaixo. no entanto, não senti nenhuma emoção histórica... sou uma criatura rala mesmo.

Anunciação disse...

Mas nós estamos vivendo a história e existem fatos dessa história que se destacam por um motivo ou outro.Se tiver netos lhes falarei de um fato histórico triste para o país e me penitenciarei pelo apoio,silencioso é verdade,fruto de uma visão deturparda pelo tipo de educação que recebi:o golpe de 64.Quando percebi o que significou,até hoje fico horrorizada com o que foi feito pelas pessoas bem intencionadas,de bem.Isso pra mim,precisa ser lembrado,para que não se repita.

Anônimo disse...

Essa é uma discussão interessante: ate´onde um fato precisa ir para ser considerado histórico e, além disso, histórico para quem, sob que perspectiva? Ninguém duvida de que as grandes navegações foram um fato histórico, ou as duas grandes guerras, ou a guerra do vietnã. Mas seriam as guerras de clãs e tribos na áfrica e em vários outros países e/ou continentes, fatos históricos? Para todos? Para eles apenas? Para nós? Acho que as dimensões dos fatos e sua rápida disseminação pela internet tiram de certo modo o 'peso histórico' de muitas situações e conflitos, e talvez só a distância no tempo possa favorecer o olhar e avaliação de algo como 'histórico'.
Mas continuo achando a eleição do Obama um feito -histórico.
um abraço,
clara lopez

Anônimo disse...

Lindo texto. Eu não vivi de forma tão emotiva a queda do Muro porque estava militando na esquerda e nós estávamos numa confusão total naquela ocasião.

Lula tinha acabado de perder uma eleição que para nós estava ganha, e a derrubada em série dos regimes do leste europeu, apesar de racionalizada por mim como algo positivo (afinal eu estava na esquerda não-dogmática e crítica do comunismo, blá blá blá), teve o gosto amargo de uma grande crise de perspectivas para a luta por um mundo melhor.

Eu era muito fã do Gorbatchov e naquela época já estava claro que a Perestroika não iria se sustentar, e que a URSS iria se esfacelar, e que qualquer tipo de socialismo mais "humano" daí pra frente era já uma quimera.

Acho que o momento em que eu fui me reconciliar afetivamente com esse episódio foi quando vi "Adeus Lênin". A nostalgia pelas possibilidades que não se realizaram, junto com a crítica a todos os erros cometidos, foi algo muito emocionante nesse filme.

Marcos "Guto" Souza disse...

Não costumo comentar em blogs. Tava vendo links de links de blogs que eu conheço e cheguei ao seu... Só pra dizer: Adorei seu blog. Você escreve muito bem e suas histórias são sempre interessantes.

Parabéns!!

F. disse...

Anna, eu lembro de onde estava quando morreu Tancredo Neves (eu sou um pouquinho mais velho), quando morreu o Ayrton Senna e quando explodiram as Torres Gemeas (desculpe a falta de acento, estou num teclado analfabeto em portugues). Agora, fui assistir a eleicao do Obama em Kogelo, a vilazinha no Oeste do Quenia, onde mora a avo africana dele. Foi muito giro (como dizem por aqui), mas, sinceramente, nao acho que ele va ser assim esse arraso todo como presidente. Bjs (e parabens pela filhota que, esta sim, esta mesmo arrasando).

anna v. disse...

Meg, o episódio da Praça da Paz Celestial também me marcou dessa forma.
Clara, sem dúvida é um feito e tanto a eleição do Obama. Mas o fato é que não me emocionou.
Anônimo, será que um dia isso vai acontecer? Não acompanho esse movimento, mas não me parece muito próximo, esse dia.
Osvjor, que bom ler um comentário seu de novo por aqui. Tem toda razão. Não é à toa que virou piada a história do "Nunca antes neste país..."
Anunciação, tem essa leitura da história como "exemplar", mas não é a única.
Clara, sim, com a proximidade de tudo, alguém está sempre vivendo um momento histórico e todo mundo fica sabendo, o tempo todo. Banaliza.
Marcus, adorei seu comentário com a sua história. "Adeus Lênin" é mesmo muto legal. Mas não se compara a "A vida dos outros", né? Vc viu este?
Marcos Guto Souza, obrigada. Ruborizei com as suas palavras...
F., eu também lembro da morte do Tancredo, claro, apesar de ser criança na época. E que coisa mais incrível vc ter ido lá para o Kenia! Fantástico mesmo!