Fica então, para os leitores do blog, "O Caso Unibanco".
O motivo para ir ao banco já era
péssimo: um cheque do condomínio havia voltado. Sim, porque sou síndico do
prédio. E como o prédio é pequeno (só seis apartamentos), não há nem o
benefício da isenção do pagamento do condomínio. Em suma, uma desgraça. E aquele
era o primeiro cheque eu passara como síndico. Ou seja, grandes, enormes
chances de os incompetentes do banco não terem trocado o cartão de assinatura,
do síndico antigo para o novo. Por isso tudo, já cheguei na agência pronto para
soltar os cachorros.
Mas mal passei a porta giratória,
deparei com uma situação que em muito superava o maior escândalo que eu podia
cogitar fazer em uma agência bancária. Uma senhora aos berros desacatava o
gerente de uma forma inédita:
—Você é um engomadinho! Fica aí atrás dessa mesa, com seu
terno e gravata, mas não passa de um engomadinho!
Tive que sentar para assistir ao
espetáculo.
Aos poucos fui me inteirando. A
tal senhora era dona de uma padaria ali perto, e havia ido à agência sacar um
dinheiro. Mil e duzentos reais. Munida do cartão e da senha, foi ao caixa
eletrônico. Mas o caixa eletrônico só permite saques até seiscentos reais. Mais
do que isso, é preciso ir à boca do caixa. E foi o que ela fez. Mas quando
chegou lá, a pessoa do caixa disse que ela não poderia sacar, porque o cartão
não estava no nome dela. E mandou para o gerente. Que por sua vez disse que não
havia nada a fazer. Só o titular da conta pode efetuar os saques na boca do
caixa.
— Mas minha senhora, veja, o titular da conta é o senhor
Carlos Alberto, que...
— O Carlos Alberto não manda nada! Quem manda sou eu! O
dinheiro é meu! E eu quero sacar!
— Mas o titular precisa vir à agência, eu não posso fazer
nada...
— Você é um engomadinho! Eu vou chamar o meu filho. E olha, o
meu filho não é calmo assim como eu, não!
Nisso ela encontrou uma platéia, e passou a se dirigir aos
espectadores:
— Eu quero tirar o meu dinheiro, e esse engomadinho não deixa.
Esses bancos são todos uns ladrões.
E voltando as baterias para ele:
— Eu quero fechar a minha conta!
Aproveitei a brecha para, meio sem graça, falar com o gerente,
o engomadinho. Que me fez uma cara meio que buscando solidariedade e disse:
— Olha, eu não vou poder te atender agora, como você está
vendo. Mas quem vai resolver o teu caso é o Luís, aquele ali. Vai lá e fala com
ele.
Então deixei meu lugar na platéia da dona da padaria e fui
falar com o Luís. Que por sua vez estava atendendo uma senhora de idade, de
aparência humilde, e ao mesmo tempo falava ao telefone e digitava coisas no
computador. Fiquei em pé, ao lado, esperando.
Passaram-se, sem exagero, dez minutos. Do mais absoluto
silêncio. Durante todo esse tempo, permaneci em pé, e, inacreditavelmente, o
Luís não proferiu uma só palavra – nem com a senhora que estava sentada na
frente dele, nem com sei lá quem que estava do outro lado da linha telefônica.
A única coisa que ele fazia era digitar furiosamente o teclado do computador. A
senhora também não disse nada. Tive que quebrar aquele clima:
— Luís?
Ele tira os olhos do monitor e me olha. Incrivelmente, parece
me reconhecer. Mesmo assim, afasta um pouco o bocal do telefone (não que eu
achasse que houvesse alguém do outro lado, mas enfim) e me diz:
— Vai demorar.
Aí não deu mais.
— Não, você vai ter que me atender agora. Escuta, o cheque que
eu passei voltou.
— Ah, eu sei. Fui eu mesmo que mandei devolver.
— Mas por quê??
— A assinatura estava diferente.
— Como assim? Fui eu que assinei!
— Ah, é? Tudo bem. Vou liberar, é só pedir para que a pessoa
reapresente o cheque.
Não sabia ele que, àquela altura, os operários da obra estavam
no prédio, parados, aguardando o material de construção – que não chegou porque
o cheque voltou!
— Não vai dar, Luís. Eu preciso que esse dinheiro entre já
na conta da loja, porque está atrasando a minha obra.
— Faz um DOC.
— Mas entra imediatamente na conta da outra pessoa?
— Bom, pode demorar até o fim do dia...
— Então não pode ser. Vou fazer pelo método lusitano. Saco o
dinheiro aqui e deposito no Bradesco. E depois peço para me devolverem o
cheque.
— Tá legal, pode ser. É só ir no caixa.
Olhei para a fila, apenas três pessoas. Beleza.
Enquanto me encaminhava para a fila, ainda ouvi o
prosseguimento do ataque de fúria da dona da padaria.
— Porque nós temos um parente que é juiz federal! Então
ninguém da minha família fica mais de um dia preso, seja lá por que motivo for!
Você está entendendo?
Dois caixas para atendimento ao público. Uma mocinha atendia
os clientes especiais. O outro, um rapazinho, atendia o resto dos mortais. A
fila andou razoavelmente rápido até o cara que estava na minha frente, que foi
atendido pelo rapazinho. Obviamente, o caso dele não era simples. Tinha que
descontar um cheque. Mas antes o caixa precisava ligar para a pessoa, para
confirmar que o cheque estava sendo descontado (!!).
— O nome dela é Isabela, você pode ligar para a escola em que
ela trabalha. Pede pra falar com a Isabela, professora de inglês. Tá aqui o
telefone.
Para minha surpresa, o caixa respondeu:
— Ok, vou ligar.
E foi!
Enquanto isso, a outra caixa, dos clientes especiais, com uma
pilha monumental de contas a pagar.
Daqui a pouco volta o rapazinho:
— Olha, eu liguei pra lá, mas não tinha nenhuma Isabela
professora de inglês. Disseram que tinha uma Isabela lá, mas professora de
educação física.
— Não é possível. Eu tenho certeza que ela está lá, e é
professora de inglês... Ah, já sei! É que tem outra Isabela que trabalha lá, e
é professora de educação física. Faz o seguinte: liga de novo e fala que é a
Isabela professora de inglês, que ela está lá, tenho certeza.
E o cara foi!!!
Neste ponto começam os rumores na fila, atrás de mim.
— É brincadeira, hein.
— Só um atendente para a fila, e ainda vai telefonar.
— Esses bancos são todos uns f-d-p...
Nisso vagou a caixa dos clientes especiais, e me chamou.
Graças.
— Quero sacar mil e setecentos reais. Aqui o cartão.
— Ok. Por favor assine aqui.
Daqui a pouco volta ela:
— Olha, a assinatura não está batendo.
Nesse momento tive certeza de que os idiotas não haviam
trocado os cartões de assinatura quando houve a mudança de síndico.
— Ah, não, de jeito nenhum. Pode falar aí com o Luís...
E o Luís já acenou para a moça, dizendo que estava tudo certo.
E ela se rendeu e começou a contar o dinheiro.
Enquanto isso finalmente o outro caixa conseguiu falar com a
Isabela-professora-de-inglês, que felizmente autorizou o saque do cheque. E o
cara foi embora, e finalmente a fila ia andar e o cara que estava atrás de mim,
já resmungando há tempos, seria atendido.
Não fosse pela senhora que se precipitou na frente dele,
furando a fila, com uma pilha de contas de meio metro de altura.
Diante do olhar estupefato do cara da fila, ela não se dignou
nem a olhar na cara dele. Simplesmente parou no caixa com suas mil contas,
virou meio de lado e murmurou, entredentes:
— Sessentaecinco anos, sessentaecinco anos.
— Ah, não, a senhora não vai entrar na minha frente, não, com
esse monte de contas.
— Meu filho, não cria caso. Sessentaecinco anos.
Mas ele resolveu criar caso.
— De jeito nenhum. A senhora tem direito de entrar na frente
para pagar as suas contas. E eu duvido que essas contas
todas aí sejam no seu nome. Quero ver, me mostra essas contas!
Muito surpresa, ela puxou uma conta e mostrou.
— E as outras, quero ver as outras contas! Não é possível que
todas essas contas sejam suas.
Ela se enfezou.
— Eu não tenho que mostrar nada! Isso é o meu direito! Eu
tenho sessentaecinco anos!
A esta altura, claro, uma outra platéia já se havia formado
para assistir a mais esse espetacular embate. O mais atônito era o rapazinho do
caixa, que não tinha a menor idéia de como proceder.
— Seu direito é pra pagar as suas contas. Não a de todos os
seus parentes e vizinhos!
— Você não tem nada com isso, não se meta.
— Olha aqui, minha senhora, eu não gosto de fazer isso, não
costumo fazer, mas a senhora está pedindo. Olha aqui. Eu... eu... eu sou
deficiente físico!!!
E puxou a perna da calça, revelando uma perna mecânica, para
delírio dos espectadores, que boaquiabertos só puderam dizer:
— Oh!
Dona Sessentaecinco anos baqueou. Por essa ela não esperava,
realmente. Mas mesmo assim não se deu por vencida:
— E essas contas?! Deixa eu ver se essas contas são todas
suas!
— Mas eu estou na fila normal!
Peguei meu dinheiro e saí correndo. Mas ainda deu tempo de
ouvir o revide do engomadinho:
— Olha aqui, a senhora está me ofendendo! Está me chamando de engomadinho,
me insultando, e eu estou aqui apenas fazendo o meu trabalho...
Saí de lá achando que encarar uma obra no condomínio como
síndico era a melhor coisa do mundo.
3 comentários:
História deliciosa.
KKKKKKKKKKKKKK,deixou meu dia melhor!!!!!!!!!!!
Bi-zar-ro!!! Adorei.
Melhor que a mais privilegiada imaginação do universo poderia conceber.
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