29.8.10

Trilogia Millennium, de Stieg Larsson

Comecei a ouvir falar dos livros de Stieg Larsson há mais ou menos um ano. Foi aquela coisa de, de repente, num espaço de poucos dias, várias pessoas diferentes comentarem que estavam lendo "um livro incrível", e era sempre o primeiro ou segundo volume da Trilogia Millennium (1> Os homens que não amavam as mulheres; 2> A menina que brincava com fogo; 3> A rainha do castelo de ar), do sueco Stieg Larsson.

Depois, comecei a reparar na presença cada vez mais constante dos livros deste autor nas cabeças das concorridíssimas listas de mais vendidos de ficção do NY Times, da Publishers Weekly, da Amazon e de qualquer veículo dos EUA, onde é pública e notória a aversão e resistência ao consumo de literatura traduzida de outra língua. Na França, na Espanha, Holanda, e em toda a Escandinávia, a mesma coisa.

Até mesmo seus amigos do mercado editorial estavam todos lendo e amando. O quadro se completou um dia em que navegava pelo site das Americanas.com e vi uma daquelas promoções meio esquisitas que eles costumam fazer com coleções de livros. No caso, eram os três livros da trilogia, numa caixa, por pouco menos de 75 reais. O que dava 25 pratas por livro (contra cerca de R$40, que é o preço normal), cada um deles um belo tijolo, literalmente um maior que o outro (528, 608 e 688 páginas, respectivamente). Comprei mesmo por impulso: não tinha lido nenhum, e comprei 3 de uma vez. E para entrar na categoria "Frete grátis a partir de $99", ainda coloquei, como sempre, uns Simenons no pacote. Marketing de vendas, bravo.

Os homens que não amavam as mulheres é um livraço. Talvez o melhor da trilogia. Ali somos apresentados aos personagens que vêm cativando os leitores do mundo todo: Mikael Blomkvist, o sedutor jornalista de meia-idade que se engaja em lutas politicamente corretas, e Lisbeth Salander, a heroína mais improvável dos últimos tempos: hacker de primeira linha, pequena, magrela, patologicamente antissocial, totalmente imprevisível.

Os dois se metem numa complicada história de desaparecimento de uma adolescente, ocorrido décadas antes, no interior da Suécia, e acabam se envolvendo na vida de uma família tradicional sueca. Uma família rica, dona de indústrias, e cheia de esqueletos no armário, daquele jeito estranho que só as famílias suecas conseguem ser, conforme aprendemos nos filmes do Bergman.
Paralelamente à investigação, vamos conhecendo um pouco da história de vida de Salander, um enredo que só vai piorando ao longo do livro, de forma realmente dramática. E por mais antipática que ela seja, é impossível não ficar a seu lado, não torcer por ela, não vibrar quando ela consegue dar uma enorme volta naqueles que a prejudicam, e não soltar pelo menos um "ah, não!" quando ela dá um tremendo fora naqueles que realmente a querem ajudar.

Stieg Larsson

Além disso tudo, tem o dia-a-dia da revista Millennium, uma publicação de grandes reportagens especiais, jornalismo investigativo. Os outros personagens que trabalham na revista são ótimos. Na ficção, Blomkvist é um dos donos da Millennium, assim como, na vida real, Larsson era editor e sócio da Expo, uma revista exatamente como a Millennium, famosa por sua cobertura aprofundada e crítica de casos de neonazismo, racismo, exploração de mulheres etc. Não é difícil deduzir que Blomkvist é o alter ego ficcional de Larsson.

Eu não gosto do título Os homens que não amavam as mulheres. Além de muito grande, é um título ruim, com tanto plural. Em inglês virou The Girl with the Dragon Tattoo (seguindo de The Girl Who Played with Fire e The Girl Who Kicked the Hornet's Nest), que eu considero muito mais comercial. No entanto, Os homens que não amavam as mulheres parece ter sido mesmo o título escolhido pelo autor (e usado também nas edições francesa e espanhola). Em entrevista, a viúva de Larsson (ele morreu em 2004, aos 50 anos, de ataque cardíaco, antes da publicação dos livros) diz que ele jamais autorizaria a mudança de título da edição americana, pois a questão do combate à violência contra a mulher lhe era caríssima, e é justamente o foco central que permeia todos os livros.


A meni
na que brincava com fogo é o menos bom dos livros. Não é que seja fraco, mas você vem direto da leitura do volume 1, empolgadíssima, e o livro acaba não correspondendo à expectativa. Foi o único que me peguei achando longo. Nele, temos menos Blomkvist e mais Lisbeth Salander, e uma grande história de acerto de contas com o passado. Mesmo assim, tem cenas memoráveis e personagens idem -- gostei em especial do boxeador chamado Paolo Roberto, um alívio no meio de tantos nomes como Eriksson, Ekström, Fräklund, Bohman, Berman, Berger, Blomgren, Bjurman, Björck, Svensson, Sandström, Strängnäs, Norrköpig, juntando aí topônimos e antropônimos, que de fato se confundem às vezes no meio da leitura (isso é alguém ou algum lugar?).

Acabei dando um grande intervalo antes de pegar o vol. 3, A rainha do castelo de ar, que é outro livraço, daqueles que a gente devora em uma semana, a despeito do tamanho. Mas todos eles são sequenciais, de modo que até mesmo a leitura da orelha do vol. 2 é um spoiler do vol. 1, e o vol. 3 começa exatamente onde parou o 2. Esta última parte da trilogia gira em torno de contraespionagem, o serviço secreto sueco, operações extra-oficiais, e culmina com uma grande sequência de tribunal, em que Salander está no banco dos réus. É bem melhor do que a minha descrição deixa transparecer. Neste última, a coadjuvante que se destaca no meio de nomes do calibre de Fredriksson, Göransson, Jonasson, Nilsson, Borgsjö, Svavelsjö, Wennerström, Nyström, Thorbjörn, Holmberg, Sahlgrenska e outros quetais é Rosa Figuerola, uma policial pela qual me peguei torcendo sem cerimônia.

A história por trás dos livros é quase tão interessante quanto as aventuras de Blomkvist e Salander. Larsson morreu repentinamente, aos 50 anos, e não faltaram suspeitas de que tenha sido morto em retaliação pelas matérias que fez publicar na sua revista Expo. Mas o grande babado mesmo ficou por causa da herança. Quando morreu, Larsson morava havia anos com Eva Gabrielsson, mas não eram oficialmente casados. Por isso, todo o dinheiro dos direitos autorais foi para os herdeiros oficiais, o pai e o irmão do autor. Não é pouca grana. Na minha edição da Companhia das Letras há um selo dizendo "Trilogia Millennium - 15 milhões de exemplares vendidos no mundo". A Wikipedia informa que em março de 2010 já eram 27 milhões de livros vendidos em 40 países. Façam as contas. Gabrielsson briga na justiça, e pelo que li, conseguiu que a mídia internacional tomasse seu partido.

A coisa não pára* por aí. Na Suécia já fizeram o filme do primeiro livro, e Hollywood também está correndo atrás, prometendo o seu para 2011. Mas, francamente, com Daniel Craig no papel de Blomkvist?!?! Quem fez esse casting deve ter lido um livro diferente do que eu li. Não poderia ter menos a ver esse ator com o personagem. Para mim o Blomkvist tem mesmo a cara do Larsson, esse jeito meio despreparado, vulnerável e gauche, e por isso mesmo irresistível para todas as mulheres que convivem com ele nos livros.

Last but not least: a ótima notícia é que a Companhia das Letras lançou edições "econômicas" dos três volumes, em torno de R$30 cada um (as capas coloridas espalhadas por este texto). Estranhamente, aqui no Brasil acho que nunca vi nenhum dos volumes entrar na lista dos mais vendidos, enquanto no resto do mundo é uma verdadeira febre. De qualquer forma, eu aderi e adorei, e recomendo a todos.

(Pára com acento diferencial = desobediência civil, com convicção)

8 comentários:

Anônimo disse...

eu quero! vou procurar o da cia das letras. e O Mestre e Margarida, vc leu? estou lendo agora, atrasada, depois de todo mundo falar tanto, e adorando.

Surya

Ísis disse...

Bom, primeiro vou me apresentar: sou de Porto Alegre, amo ler a acompanho seu blog na janelinha. Mas não tinha como não comentar este post :)
Na minha empresa tem uma biblioteca para os funcionários e recomendei a compra da trilogia. Não posso mais investir como antigamente em livros para adultos (tenho uma pequena devoradora de salários em casa) e também estava curiosa quanto aos comentários sobre a série. Só vou terminar a saga Crespúsculo pra me jogar... hehehe
E por falar em trilogia e vampiros, já leste Bento, Vampiro Rei I e II do André Vianco? Livros que não dão vontade de largar....

Luis G. disse...

Anna,
Só pra deixar registrado o apoio incondicional de um revisor à desobediência civil acima. Resistência eterna a esta e outras bizarrices, como "corroteirista". Abraço.

anna v. disse...

Surya, Não li O Mestre e Margarida, não. Depois que terminar diz se gostou. Parece muito interessante mesmo.
Ísis, obrigada e seja bem-vinda. Espero que comprem a trilogia para a biblioteca da sua empresa. Nunca li nada do André Vianco, mas sei que ele faz um sucesso danado com seus livros sobre vampiros.
Luis G., Hasta la victoria siempre, compañero.

Ísis disse...

anna, compraram sim, e parece que já tem lista de espera :)

Isabella Kantek disse...

Hey Anna! E a vida? Mathilde, posts, babe? Bjo.

Dani disse...

Vou comprar para a viagem... obrigada pela dica.

Bjs

Marcela Vasconcelos disse...

Eu já li os dois primeiros livros da Trilogia e eles roubaram minha alma: eu P R E C I S A V A terminar de ler para voltar a ter vida... Muito bons! E, depois de ler este texto, fiquei com mais vontade ainda de ler o último...

Aproveito para fazer um convite: postei no meu recém-nascido blog uma comparação entre o primeiro livro e o filme. Quem puder, apareça, leia, concorde, discorde... comente. Obrigada!

http://giroletra.blogspot.com