9.3.11

Ônibus monocromáticos (Da série: Cartas para o jornal)

Um dia, quando eu tiver muito tempo livre, vou me dedicar a escrever cartas para o jornal. Sou daquelas que leem a seção de cartas dos jornais. E observo que alguns missivistas são assíduos. Já sei identificar quais os assuntos caros a cada um, e como se posicionam em relação a temas cotidianos. No fundo, nutro uma profunda admiração por aqueles que dedicam parte do seu dia a escrever para o jornal dizendo que isto ou aquilo é um absurdo.

Ainda não cheguei ao estágio de escrever cartas para o jornal, mas tenho um blogue. E aqui posso dizer, sem medo de ser cortada pelo editor da seção de cartas: é um absurdo o que estão fazendo com as cores dos ônibus cariocas!

(Disclaimer: Desculpem os que não são do Rio, mas já dizia, com propriedade, meu amigo H., carioca que há muito mora fora: discutir linhas de ônibus é o cúmulo da saudade. E é verdade, o carioca de classe média costuma ter uma relação estreita com o sistema rodoviário que cruza a cidade. O ônibus ainda é, de longe, o principal meio de transporte coletivo do carioca.)

Para quem não está entendendo nada: a prefeitura resolveu uniformizar a pintura dos ônibus da cidade. Agora estão todos ficando iguais, brancos com detalhes em cinza.

438 e 157 - vermelhinhos clássicos desbravando o Centro para cortar a cidade de Norte a Sul

A questão é que, há décadas, os ônibus do Rio eram caracterizados pela cor de sua (imensa) carroceria. E o mais incrível é que as cores, bem como os números das linhas, costumavam ter sua lógica.

Dentro do caos que é o serviço de ônibus do Rio, com um óbvio excesso de coletivos vazios circulando e atravancando o trânsito, o sistema das cores era uma das poucas coisas boas. Pelo simples motivo de que, parado no ponto de ônibus, atrás de cinco dúzias pessoas olhando na mesma direção, era possível discernir, lá de longe, se é o seu ônibus que está vindo ou não. E isso faz toda a diferença. Só não sabe disso quem não anda de ônibus, que são justamente as pessoas que tomam essas decisões.

572 Glória-Leblon: Figurinha fácil na Zona Sul, mudou de número e perdeu o bege característico


Quem, senhores, nesta cidade, nunca andou de 433, 432, 438? Assim como todas as linhas iniciadas por 4, estes fazem a ligação Zona Norte-Zona Sul. E são (eram) todos de um vermelho inconfundível. O 157, Central-Leblon, único que margeia a Lagoa Rodrigo de Freitas no sentido Botafogo-Leblon, também sempre foi vermelho. O 410 (Tijuca-Gávea) e 409 (Tijuca-Horto) eram azulões na minha infância, mas há alguns anos viraram branco com azul. 434, 435 e 464 formavam a trinca laranja. Os verdes, começados com 6, fazem o circuito Zona Norte-Centro.

179 - Central-Alvorada: garantia de uma viagem de muitas horas...

Pela Zona Sul, abundam os circulares: todos beges e começados por 5: 571 e 572 (Glória-Leblon), 583 e 584 (Cosme Velho-Leblon), 569 e 570 (Largo do Machado-Leblon), 511 e 512 (Urca-Leblon). Sempre aos pares porque um é via Botafogo, e outro é via Copacabana. Crime dos crimes, estão mudando também os números!!! Outro dia via um ônibus 161 circulando, e não entendi nada: esta linha não existe, pensei. Descobri que é o "antigo 571". Aaaaah!!! Estão destruindo a memória de uma cidade!

Para ir ao Maracanã, os prateados que pegam o Rebouças: 460 e 110. E os amarelos, Centro-Zona Sul todos eles: 127, 128, 132 (via Aterro), 158 (antigo 174, que mudou de número depois daquela tragédia), 178 (São Conrado), 179 (Barra).

606 - Verde mas nada ecológico, passa no Engenhão

Enfim, estou muito revoltada com isso. Como dizem meus colegas missivistas, é um absurdo.


4 comentários:

Leandro disse...

Vale a explicação:
As linhas começadas por 1 fazem trajeto centro-zona sul (exceção àquelas que foram esticadas para ir até a Barra, como 175 e 179).
As linhas começadas com 2 e 3 fazem trajeto centro-zona norte ou centro-zona oeste (exceção ao 360 (antiga S-20) e 382, que vai pela Zona Sul até Piabas).
As linhas começadas por 4 fazem a ligação entre zona norte e zona sul, passando pelo centro.
As linhas começadas por 5 fazem trajetos intrazonasul.
As linhas começadas por 6, 7, 8 e 9 fazem trajetos que começam e terminam na zona norte/zona oeste.

patríciaD disse...

Me identifiquei muito! Acho mesmo que o cúmulo da saudade é discutir linha de ônibus!E vou te falar que faço isso com todo conterrâneo belorizontino que chega aqui no RJ, onde moro atualmente. Em BH, somos todos críticos da BHTrans, o órgão que controla o trânsito (e os ônibus) da cidade. Lá o metrô é quase inexistente e táxi é caríssimo! Então, depois que mudei pra cá, crio a maior polêmica e digo que morro de saudade da BHTrans! Lá, a pintura de todos os ônibus é padronizada não pela empresa concessionária, mas pela própria BHTrans. Aí, os ônibus que passam no centro são azuis, os que margeiam o centro são laranjas, os circulares da Av. do Contorno e da Afonso Pena são amarelos e os intermunicipais são vermelhinhos. Tem uns verdinhos também que ligam as estações de ônibus. É lindo! hehehe... Falando sério, mesmo que sejam poluidores, dessa forma, pelo menos a poluição visual é menor. E todos eles têm números brancos gigantes na frente e, ao lado, todas as principais ruas por onde passam, em ordem! É a coisa mais simples do mundo. Os números também fazem sentido, mas na decoreba também funciona. Enfim, morro de saudades!!! hehehe... Abraço!

anna v. disse...

Alvíssaras! Um especialista! Então, Leandro, o que você está achando do 571 virar... 161??!! Enfim, obrigada para explicação.
Patricia, o mais simples é, em geral, o mais difícil, não é mesmo? Bom, obrigada pela aula de ônibus de BH!

Leandro disse...

Especialista não, um mero curioso e observador do cotidiano "intraonibusino" carioca. Até escrevi uma série de posts a esse respeito: http://ocachambinaoeaqui.wordpress.com/?s=Princ%C3%ADpios+de+f%C3%ADsica+intraonibusina+moderna+