Uma das consequências que uma catástrofe como essa que acontece agora no Japão tem no dia-a-dia de uma pessoa comum que mora do outro lado do mundo, como eu, é uma violenta enquadrada na perspectiva dos problemas que se tem.
Por exemplo, estou no meio de um tratamento dentário. Canal. Coisa pra lá de desagradável. Aliás, é (mais) uma daquelas coisas da maternidade sobre as quais ninguém me preveniu. Isso mesmo. A gravidez pode ser bem cruel com seus dentes, coisa aí de cálcio que vai para o bebê, sei lá os detalhes, os leitores endodentistas que esclareçam. Este é meu segundo canal, o canal do Oliver (o primeiro foi meses depois do nascimento de Mathilde). De modos que. Só vou fechar o canal na semana que vem. Meu dente fica latejando, latejando, e mal consigo comer coisas sólidas. Mas é um latejar que não chega a ser dor, é só um incômodo chato o suficiente para que eu não consiga dormir e fique mais de 4 horas rolando na cama.
E aí, quando finalmente entro naquele estágio de semiconsciência que precede o sono, vem um mosquito zumbir no meu ouvido. Porque a mosquitada está solta aqui na vizinhança. E já são não sei quantos bairros com surto de dengue, e eu nunca mais vi o carro do fumacê na rua. Aqui em casa só dá Aedes. A gente mata os poucos que consegue com a raquete elétrica, olha de pertinho e vê aquelas perninhas rajadinhas da família Egypti. Uma tristeza.
Pra completar, as crianças se revezam na madrugada. Quando uma dorme, o outro acorda pra mamar. Quando esse dorme, a outra tem um pesadelo. Quando essa dorme, o outro acorda de novo e fica com aquela cara de "vamos brincar!". Quando você consegue dopá-lo com mais leitinho materno, a outra quer ir dormir na sua cama. Et caetera.
Mas aí que está. Mesmo me sentindo insone, cansada e dolorida, com que cara vou reclamar da vida enquanto do lado de lá do planeta as pessoas estão tendo que se virar com a trinca terremoto-tsunami-acidente nuclear? Nem é tanto pelas pessoas desabrigadas, que isso é uma tragédia, claro, mas há dois meses aqui do lado, no interior do estado, um monte de gente também ficou desabrigada, foi soterrada e tal. E em cidades que eu conheço e gosto muito, como Teresópolis e Friburgo, ao passo que nunca estive no Japão. Mas o lance da energia atômica é que pega e faz com que meu coração esteja lá com os japoneses. Esse é o detalhe desnecessário nessa tragédia, o toque que nem o mais doente dos roteiristas de filme-catástrofe pôde jamais imaginar.
(Um beijo especial pra N., minha amiga querida e leitora deste blogue, que é brasileira mas que um dia já foi japonesa.)
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