Considerando que eu trabalho fora e praticamente só vejo meus filhos de manhã, à noite e nos fins de semana, é constrangedor reconhecer que os fins de semana têm me exaurido sobremaneira e praticamente deixaram de ser um momento a aspirar. Porque os fins de semana têm sido totalmente planejados em função das crianças, e mesmo que consigamos deixar uma ou outro na casa de alguém por algumas horas, nunca é o suficiente para que eu possa me dedicar de verdade a uma outra atividade, se pensarmos que tem a logística de levar, buscar etc. Então, está dito: o impacto do segundo filho me atingiu, com força total. E em especial agora, com Oliver chegando aos oito meses, já engatinhando e se levantando sozinho, querendo se mexer o tempo todo, dotado da energia que só os bebês de oito meses têm, aquela força de vontade que transforma uma simples troca de fralda numa luta de judô, a coisa fica fisicamente muito exaustiva. Por isso é que o fato de Mathilde ter viajado com o pai ontem, para passar o feriado prolongado num sítio, com vários amigos e muitas outras crianças, me deixou tão aliviada, e diria até revigorada. Na quinta-feira, quando eles viajaram -- Mathilde impaciente na porta, com malas e bagagens, insistindo "Vamos, papai, vamos logo!" --, levei Oliver para passar o dia em Copacabana, na casa da minha avó (ele passa um dia por semana lá). E aí me vi inteiramente sozinha, num feriado de Corpus Christi, tendo simplesmente o mundo como possibilidade para gastar as oito horas seguintes. Ninguém me esperava em lugar nenhum. Zero compromissos.
Será muito clichê demonstrar tamanho apreço por esse tipo de "liberdade"? Imagino que sim. Mas não me importo.
E então ontem, sexta-feira, excepcionalmente não tivemos expediente na editora, e tive mais um dia de folga. Mas a empregada veio, e também a nossa mais recente indulgência, uma folguista que dorme aqui em casa toda sexta-feira -- tentativa de voltar a fazer algum programa enquanto casal, bem como dormir bem uma noite por semana, sem hora para acordar no sábado. E então foi meu segundo dia seguido de liberdade, uma overdose da qual não sei se conseguirei me recuperar. Aproveitei para cortar e pintar o cabelo, e visitei minha mãe para um café. Sem crianças!
A perspectiva do tempo livre pode apavorar pelo infinito de possibilidades que encerra. O que fazer? Ler livros? Ver filmes? Arrumar a casa? Não sei como, mas consegui fazer um pouco de tudo isso. Já vi três episódios de Os Sopranos, cuja primeira temporada meu chefe me emprestou enquanto não vem a próxima de Mad Men (em 2012 apenas). E sabe que estou gostando? Ou talvez esteja mesmo inclinada a sorrir para o mundo e gostar de tudo esses dias, esses gloriosos dias de inverno carioca que me fazem ter a certeza de que o verão é uma estação supervalorizada, uma aceitação colonialista do que o verão representa no hemisfério norte, porque lá pode ser bom, mas aqui todos sabemos que é o inferno. Mas como dizia, estou de ótimo humor e gostando de tudo, porque os livros que estou lendo também estão sendo uma felicidade. Identidade Roubada é interessantíssimo, um ótimo suspense psicológico -- para quem tem estômago, é bom que se diga. E agora estou no meio de Um Dia, o livro da moda, que é surpreendente. No bom sentido. Não é arrebatador, mas veja, é difícil de largar. Comecei a ler apenas ontem, no salão, enquanto esperava a tinta no cabelo, e se tudo der certo termino hoje mesmo. É muito a cara da nossa geração, nosso grupo social, nossas vivências, nossos desejos cosmopolitas, nossas dúvidas e apreensões. Como disse uma reportagem a respeito, é "o livro que todo mundo vai ler". Fato. E tem Liberdade, que, alegria! alegria!, faz bonito na lista dos mais vendidos, e eu espero-em-deus que seja mesmo bom, porque o primeiro romance do Franzen, As Correções, é um GRANDE livro que mantém as expectativas lá em cima. Bom, Liberdade é o próximo da lista, e depois, nesse grande sprint de ficção literária que se delineia, espero poder ler Meu Nome É Vermelho, porque nunca li nada do Pahmuk e este livro, desde a primeira vez que vi o título e a capa da edição americana, sei lá quantos anos atrás, tive vontade de ler, mas nunca cheguei a comprá-lo, por ausência de urgência, se é que se pode dizer isso. Aí semana passada, vagando pelas opções do Trocando Livros, ele estava lá. Eu fiz a solicitação e ele chegou alguns dias depois, num grande envelope pardo vindo de Porto Alegre.
Eu estava mesmo precisando desses dias, com uma criança só -- ou nenhuma, como agora, sábado de manhã, Oliver e a babá foram passear, estou sozinha em casa. É claro que tenho saudades dos programas de casal, das delícias da vida a 2 que foram meio que por água abaixo nos últimos meses. Mas a saudade ainda maior era da vida a 1. Virginia Woolf de Um Teto Todo Seu e Ann Morrow Lindenbergh de Presente do Mar me pegaram pela mão e me conduzem nessa trajeto de liberdade, isenta de qualquer culpa ou cobrança, me ensinam a lidar com essas questões de ser mulher, ser mãe, ser gente no meio de tanta gente, e ser feliz.
Estou cansada de livros com dicas para criar os filhos que nunca funcionam (as dicas, não os filhos -- ou ambos, sei lá), mas ao mesmo tempo cansada de não saber o que fazer em muitas situações. Mais ainda, cansada de me preocupar com isso sabendo que não deveria, que filhos são criados assim ou assado e no fim das contas salvam-se todos, as eventuais sequelas são parte da vida. Estou cansada de ser dessa geração que vive meio obcecada sobre esse assunto, que vive tão interessada em saber o que os filhos pensam sobre tudo, e o que é pior, interessada em respeitar tanto os quereres infantis, as vontades de seres humanos cujos anos de vida se contam nos dedos de uma única mãozinha. Queria mesmo era nem ligar, e às vezes não ligo e fica tudo mais bacana, mas aí entram aquelas ocasiões em que uma enorme briga oblitera qualquer esperança de entendimento, e não consigo fugir da dúvida, será que esse castigo está sendo tremendamente injusto? Enfim, os livros, acaba que sempre se tira uma ou outra boa sacada, do tipo: na França não se dá saquinho de lembrança em festa de aniversário, porque não faz sentido recompensar uma criança por ir a uma festa, ela já se divertiu e ainda comeu bolo, ah é, é verdade, ainda mais que quando* eu era criança não tinha nada isso mesmo, e hoje é esse grilo de será que a lembrança vai ser melhor do que o próprio presente que eu estou dando?, então ok, nota mental para cortar saquinho de lembrança (se e quando vier a dar uma festa de aniversário, que na verdade não há qualquer previsão a respeito), mas aí o livro não conta como você trabalha o fator peer pressure de seu filho/filha ser o único entre os amiguinhos a não dar uma lembrança no aniversário. And so on, and so forth. [*"ainda mais que quando", que diabo de construção horrível é essa.]
Mas está tudo bem, e fomos ao Salão do Livro Infantil ontem, e Mathilde escolheu um livro das princesas que na verdade não é livro, são vários jogos de tabuleiro, e tem um "dado mágico", uma espécie de roleta digital que faz com que o dado de verdade não seja necessário, e eu fiquei uau com o conceito e a tecnologia. E para os jogos, em vez de você escolher um pininho de uma cor, como era na minha época quando eu jogava Jogo da Vida, você escolhe qual princesa quer ser, e eu sempre escolho a Bela, a Jasmine ou a Branca de Neve, que são as não-louras. Porque, né.
E eu comprei um livro para mim, um de Contos de Fadas simplesmente lindinho, de capa dura, formato bolso e algumas ilustrações coloridas. E só comprei porque custava dezenove e noventa, porque se custasse quarenta e dois, como é mais ou menos o preço desses livros em geral, eu não teria comprado. Bem, como é que as pessoas não se dão conta do quanto isso é importante eu não sei tampouco entendo.
(Há tempos não visitava o blogue da Marina W - não atualiza no blogroll ao lado, não sei por quê, e agora mesmo dei uma lida de tudo que estava atrasado, estou com a impressão de estar escrevendo à la ela. Ha. Jura?)
Em 1990, eu tinha 13 anos e fui ao show do Paul McCartney no Maracanã. Fui com a minha prima M., que é 20 anos mais velha do que eu e se ofereceu para me levar, junto do grupo de amigos dela. Fiquei ao mesmo tempo grata e fascinada, porque claramente ela estava me tratando como uma verdadeira adulta, ao me levar para aquele programa, com pessoas que eram todas 20 anos mais velhas do que eu, e todo mundo me tratando de igual pra igual (pensando bem, ela tinha, na época, a idade que eu tenho hoje). Eu me senti o máximo, e amei aquela experiência de ouvir Hey Jude e Fool on the Hill ao vivo, com alguns milhares de pessoas cantando no coro. Aquela época talvez tenha sido o auge da minha beatlemania, que tem até hoje ótimas reverberações.
A-ha na Apoteose, 1989: eu fui
Não foi o meu primeiro mega show. Pouco antes (1989) eu tinha ido à Praça da Apoteose assistir ao A-ha, então no ápice da popularidade no Brasil (Stay ooooon this roooooad). Nesse mesmo ano ou no seguinte, não lembro bem, fui também ver o Oingo Boingo (quem não se lembra? Go, don't you go, Stay with me one more daaay) no estádio do Flamengo na Gávea, um local meio bizarro para esse tipo de evento.
Ainda em 1990 assisti a um histórico show do Legião Urbana no Jóquei, justo no dia da morte do Cazuza, o que causou grande comoção. Minhas lembranças são esparsas, mas muito boas.
Legião no Jockey, 1990: eu fui
Em 1991 fui a pelo menos dois dias do Rock in Rio 2, que eram os dois dias do Guns N Roses. Lembro que um dos dias era mais "pop", com Faith No More (de quem, aliás, fui a outro show, sei lá em que ano, no Maracanãzinho) e, acho, Titãs, e o outro dia era o "dia do metal", com Sepultura, Megadeth e Judas Priest - este último, bem me recordo, foi um suplício, porque era o penúltimo show, foi longuíssimo, e foi um saco, todo mundo já exausto, com fome e sede, sentado no chão, e no palco aqueles metaleiros velhos acorrentados, gritando qualquer coisa por cima de uma bateria enlouquecida. Enfim, heavy metal. Neste dia teve o famoso show em que o Lobão foi vaiadíssimo, porque entrou com a bateria da Mangueira num show logo depois do Sepultura. (Faltou briefing, eu diria.)
Guns N' Roses no Rock in Rio 2, 1991: eu fui
Fui a uma porção de Hollywood Rocks nos anos 1990. Vi de novo Faith No More, vi Red Hot Chilli Pepers - mais de uma vez. Vi Bon Jovi, que eu adorava, Skid Row, Living Colour, Paralamas do Sucesso. Assisti ao auge do grunge, tendo Nirvana como grande nome da noite, antecedido por Alice in Chains (até comprei um CD dessa banda, meu deus!), L7, Poison e sei lá mais quem.
Nirvana no Hollywood Rock, 1993: eu fui
Em janeiro de 2001 eu trabalhava num site de música, e fui vários dias ao Rock in Rio 3, para escrever matérias. Foi a primeira e única vez que vi um show de Cássia Eller, que foi muito melhor do que eu jamais esperara. (Foi também, graças a deus, a primeira e única vez que vi um show do Supla, espero que para sempre.) Vi o show do REM, que foi incrível. E, talvez retribuindo ao que minha prima fez comigo em 1990, levei minha prima C., que é mais jovem do que eu e mora em Assunção, Paraguai, para assistir ao Red Hot Chili Peppers numa das noites em que eu só precisava cobrir os shows nacionais, portanto poderia ter voltado para casa às 22h, e não às 4h. De ônibus.
Cássia Eller no Rock in Rio 3, 2001: eu fui
Todo esse nariz-de-cera é pra esclarecer que já fui a muito mega-show em minha vida. Já passei muitas horas em filas, já enfrentei muito empurra-empurra, já passei fome, sede, frio e vontade de fazer xixi em condições desfavoráveis. Já cantei a plenos pulmões, acendi isqueiros que não tinha só pra compor o clima da música lenta, já subi no ombro de amigos para poder ver melhor e fui devidamente xingada por quem estava atrás (com toda razão, diga-se de passagem). Já peguei chuva, já tive que voltar andando por muitos e muitos quilômetros até encontrar algum tipo de transporte na madrugada, já tive que correr de confusão, já me perdi dos amigos no meio da multidão. E tudo sempre valeu a pena. Sempre eu chegava em casa muito feliz.
Acredito que seja em virtude de toda essa, digamos, quilometragem, que eu não me imagino mais indo a nenhum show desse tipo, na vida. Simplesmente não cogito mais a hipótese de, pra começo de conversa, assistir a um show em pé. Não dá. Não consigo imaginar nenhum artista que me faça passar de novo por essa situação.
Queen no Rock in Rio 1, 1985: ok, a este eu não fui
Não sei em que momento exato se deu essa transformação, de frequentadora habitual e não-cogitante. Achei que era, sei lá, uma coisa da idade. Afinal, né. Não estamos ficando exatamente mais jovens, filhos, etc., aquela situação ladeira-abaixo que todos conhecemos. Mas não. Não só metade dos meus amigos foi ao show do Paul McCartney hoje (a outra metade foi ao show dele ano passado em SP) como todos reagem com certo espanto quando eu falo, como se fosse um fato dado, que ir a show em pé não dá mais etc. (E nesse etc. entra o fato de cada ingresso custar uns 800 reais, ordem de grandeza que eu não me lembro de corresponder à realidade nos meus tempos de Hollywood Rocks da vida.) Talvez tenha sido uma certa mudança nas minha preferências musicais - ou, mais ainda, na forma como eu escuto música. O evento não me fascina mais, a energia da multidão, que me era tão cara, hoje me dia me parece exaustiva. Mas acima de tudo, não posso mais ir ao show de música para não ouvir a música direito. Parece simples, mas não é.
Paul no Engenhão, 2011: nem pensar
Seja como for. Espero que todos que tenham ido ao show hoje no Engenhão (no Engenhão!) ou que vão no show extra de amanhã se divirtam tanto quanto eu me divertia nessas priscas eras. Enquanto isso, vou ver o que restou da temporada de concertos no Teatro Municipal (hehe, mentira, nem orquestra tem mais nesta cidade...).
Hoje à noite quando cheguei na porta do meu prédio, voltando do trabalho e da escolinha onde peguei Mathilde, percebi que tinha esquecido a chave dentro de casa. Marido estava não só fora como num lugar inacessível, celular desligado. Oliver passara o dia na casa da minha avó que, cáspite, já estava no táxi fazendo-me o imenso favor de trazê-lo de volta para casa. E, vocês sabem, meu prediozinho não tem nem portaria, nem porteiro, nada.
Mas tem vizinhos.
E um deles sugeriu que eu me esgueirasse pelo basculante da escada de serviço e entrasse pela janela da minha cozinha, que por sorte estava destrancada. E assim fiz, com inesperada destreza e felinidade de movimentos, sem provocar maiores acidentes.
E dois segundos depois do regozijo da conquista percebi como foi fácil, e corri pra trancar tudo.
Comprei este livro movida pelo hype, e não me arrependi. The Help é um romance de estreia que está há uns 2 anos entre os mais vendidos nos EUA, tem mais de três mil resenhas na Amazon, média de mais de 4 estrelas, campeão de clube de leituras, vendido para não sei quantos países. É muito bom. E trata sobre o relacionamento entre patroas brancas, seus filhos e as empregadas negras que os criavam, no sul dos EUA, início dos anos 60.
A narração se alterna entre três personagens: Aibeleen, empregada e babá já mais velha, que está cuidando de sua 17ª criança branca, uma menina de 2 anos; Minny, colega e amiga de Aibeleen, mas que não consegue ficar muito tempo em emprego nenhum porque é desbocada e não leva desaforo para casa (engolir sapo é condição necessária para o emprego); e Skeeter, jovem branca amiga das patroas de Aibeleen e Minny.
O livro se passa em Jackson, Mississippi, entre 1962 e 1964, numa época em que o movimento americano dos direitos civis está em franca ascensão nos EUA, e o livro faz questão de ilustrar o apartheid de fato que ocorria -- um dos pontos principais de conflito é a ideia de que as empregadas negras não podem usar o banheiro social das casas brancas onde trabalham, e precisam de um banheiro específico para elas. Uma das personagens inicia uma cruzada pela construção de banheiros nas garagens para as empregadas. E é sobre esse tema que tudo gira: famílias brancas confiam às empregadas negras o cuidado com os filhos, mas não a guarda da prataria ou um banheiro comum.
Mas o motor da narrativa é o livro, intitulado Help, que Skeeter escreve, reunindo depoimentos de uma dúzia de empregadas sobre como é trabalhar em uma casa de brancos, e que termina publicado anonimamente, causando furor em Jackson. A coletânea é rica em experiências muito distintas, alternando relações de muito afeto e ternura, muito ódio, muita crueldade, e também compaixão. E durante a feitura do livro vão surgindo ótimos insights -- tanto para a mocinha branca que está colhendo os depoimentos como para as próprias mulheres que os estão ali prestando.
Um dos meus trechos favoritos é quando Aibeleen explica a diferença entre o ódio racial dos homens e o das mulheres brancas. Homens, diz ela, espancam outros homens até a morte, incendeiam casas, atiram entre si com pistolas. Mulheres, elas preferem manter as mãos limpas.
They got a shiny little set a tools they use, sharp as witches' fingernails, tidy and laid out neat, like the picks on a dentist tray. They gone take they time with them.
E prossegue: primeiro a mulher branca demite a empregada negra. Em seguida, assegura-se de que ninguém na cidade a contrate. Depois, ela fala com o senhorio da casa, para que despeje a família da mulher negra que se tornou sua desafeta. Se tiver um carro e ainda não tiver pago todas as prestações, ele será retomado. Uma multa não paga, e é cadeia. Se tiver uma filha que também trabalhe como doméstica, ela será demitida. E finalmente o marido perderá o emprego. The white lady don't ever forget.
Kathryn Stockett, a autora, que nasceu e cresceu em Jackson, e teve uma empregada negra trabalhando para sua família, se arrisca ao escrever com a voz das empregadas negras. Mas o resultado é convincente, e eu consegui ouvir perfeitamente o sotaque do sul:
Parked in front is a old lumber truck. They's two colored mens inside, one drinking a cup a coffee, the other asleep setting straight up. I go on past, into the kitchen.
O livro tem uma pegada comercial muito forte. A ação é contínua, tem sempre um gancho para as situações mais importantes. Que não se espere muita sofisticação literária. Os personagens são bem unidimensionais: há uma super vilã, racista filha-de-uma-égua. Há as três personagens principais, verdadeiras heroínas, boas, honestas e virtuosas, cada uma a seu jeito. E há uma porção de intermediários, espécie de vítimas das circunstâncias, pessoas que não estão ali para questionar o status quo, e por isso acabam mal na fita.
Mas o que me chamou a atenção neste livro é que muitas das situações que estão ali por serem flagrantemente absurdas, recursos literários colocados para chocar, pela imensa carga preconceituosa que carregam, são tão... corriqueiros, no dia a dia no Brasil de 2011.
A começar, claro, pelo nosso ubíquo banheiro de empregada.
Dependências completas, área de serviço, entrada de serviço. Estamos, ainda hoje, construindo moradias com essas "conveniências". E o que é mais revelador: quando não se tem quarto nem banheiro de empregada (como aqui em casa, por exemplo), o desconforto maior parece vir das próprias empregadas e faxineiras, que se sentem constrangidas por terem de usar o mesmo banheiro, por terem de guardar seus pertences nos quartos da dita área social da casa.
Hoje em dia, parece, não pega mais bem falar-se em "empregada" ou "doméstica". É um tal de "ajudante", "assistente", "colaboradora", não sei mais o quê. Como se dar o nome fosse vergonha, mas fazer usar um banheiro em que a água do chuveiro cai em cima do vaso sanitário, porque é um cubículo, não fosse absolutamente constrangedor.
No Mississippi dos anos 60 grandes casas da classe média alta eram construídas sem área de empregada. No livro, nenhuma das empregadas mora na casa da patroa. Todas têm suas casas, seus telefones. Minny tem até um carro. Todas sabem ler.
Aqui no Brasil, as patroas quando confabulam entre si costumam se referir às empregadas como "elas" ("Sua empregada vai embora e nem te avisou com antecedência? Ah, 'elas' sempre fazem isso!"). Aqui no Brasil, muita gente acaba se tornando dependente de uma empregada que durma, que abdique de sua própria família para tomar conta da família que lhe paga.
E não digo isso com nenhuma superioridade moral que me exima das práticas que critico. Eu mesma fui criada desde os 5 meses de idade por uma empregada, que até hoje trabalha na casa da minha mãe e me ajuda sobremaneira com meus filhos. Na hora do aperto, é a ela que eu recorro, porque no mais das vezes a minha própria mãe não dá conta de ficar muito tempo sozinha com as crianças. É a ela que eu recorro quando preciso fazer uma comida - ou preciso que façam para mim. Ela é que foi comigo na festa de Dia das Mães da creche de Mathilde. Porque, por uma série de motivos, ela nunca criou uma família própria, nunca teve uma casa, um marido e filhos. Ela estuda, porque gosta, mas nunca se formou em nada, e dificilmente isso vai acontecer. Que tipo de dívida temos nós, as crianças criadas por babás e empregadas, para com essas mulheres que nos ensinaram tudo e mais um pouco?
*
The Help vai virar filme, estreia em agosto nos EUA. As fotos acima são do filme. O trailer me parece o de um filme leve, quase uma comédia romântica. Espero que não.
*
Sobre a edição brasileira:
The Help saiu no Brasil em fins de 2010 pela Bertrand Brasil, com o título A Resposta. Terminei de ler o livro (a edição americana) e não fiquei fã deste título brasileiro. Está certo que é uma tradução difícil. "Help" tem essa acepção "hired labor, domestic servant", e a expressão era muito usada na época e local descritos no livro. O site do livro criado pela Bertrand propõe uma pergunta para a tal resposta: "Por que as crianças brancas gostavam mais de suas babás negras do que de suas mães?". Ok, é uma questão abordada no livro, e é pertinente, visto que há sim um sentimento tão forte (vide o que escrevi acima), embora eu não enxergue como uma competição entre mães e babás. Mas reduzir o livro à relação crianças e babás e diminuí-lo demais. The Help é mais do que isso, é um livro sobre relações de classe, solidariedade e compaixão. Também não gostei da capa brasileira, confusa. Fiquei curiosa para saber como a tradução se virou com tanto regionalismo na voz das empregadas, mas ainda não li para saber.
Recentemente foi divulgado que a autora vem ao Rio em setembro para a Bienal. Tomara que, com esse impulso, o livro decole. Eu estarei lá para garantir o meu autógrafo.
Eu tinha escrito aqui mesmo: Podem me cobrar.
Pois é. Festa de Dia das Mães da Creche.
Burra, burra, burra, caí nessa outra vez.
E o que posso dizer? Que a proximidade da nossa casa, uma das grandes, enormes, imensas vantagens de termos escolhidos essa creche em detrimento de outras, às vezes parece cobrar um preço bem caro. E que sou pessimista em relação às futuras gerações, haja visto esses pais que andam por aí impunes.
Mas enfim. Foi bem bonitinha a apresentação de balé de Mathilde, e a apresentação da turminha dela também. O problema foram as outras dez turmas.
Não tenho fotos para colocar aqui porque, apesar de ter levado a máquina, fiquei estupefata com o paredão de pais e mães que se colocavam na frente de todas as outras pessoas para tirar suas próprias fotos. Pobre tola, resolvi ficar sentada nas cadeiras!
Foi mal, estou num momento misantropa.
Eu reclamo tanto que não tenho tempo para o blog, e hoje o tempo se fez, e estou há um tempão aqui tentando escrever um post, e não consigo.
Porque queria escrever sobre pessoas que eu conhecia e que morreram nessas últimas duas semanas, pessoas não tão próximas, mas próximas o suficiente para que eu fosse à missa de uma, ao velório do outro, etc. Não que eu fosse escrever exatamente a respeito dessas pessoas (foram 3), mas sobre a quantidade de sensações com que precisamos lidar quando nos vemos diante da morte dos outros, que é sempre um pouco a nossa morte também.
E sobre esses sentimentos de transitoriedade, de ciclo etc. Mas especialmente sobre a saudade. Porque as pessoas relacionam muito a morte a uma perda ("Sinto muito pela sua perda", etc.), mas esse nem é o sentimento que me fala mais alto. Muito mais é a saudade, a presença da ausência, o carrossel de recordações que gira na cabeça de quem fica, lembrando uma frase, um gesto, uma história engraçada, um trejeito, um tom de voz.
No fundo é uma saudade boa, um sentimento que sempre traz um sorriso aos lábios, sorriso misturado com lágrimas, lágrimas que levam ao abraço e a mais uma história compartilhada, "lembra daquela vez...". Tudo isso termina na incrível - e bota incrível nisso - capacidade que a gente tem de reviver com tanto detalhe um tempo que já passou, e não só re-viver como re-sentir, se transportar de verdade para outra dimensão, ao lado de alguém que não está mais.
A verdade (I) é que não tenho acompanhado o Bonde do Mengão Sem Freio, por um misto de falta de tempo e de saco, não vou negar. Mas quando acontece uma final contra o Vasco, com a chance de ganhar o título por antecipação (já tendo sido campeão do primeiro turno, a Taça Guanabara), não tem como não prestar atenção.
A verdade (II) é que domingo à tarde é quase certo de ter uma festinha de criança na agenda. E hoje não foi diferente. Quatro da tarde, e eu num play na Gávea (of all places!), dando aquela supervisão muito por alto entre o escorrega, a casinha de boneca, a contação de história e o pula-pula-a-maior-invenção-da-humanidade. Sim, porque depois dos 3 anos eu já considero tratar-se de uma criança grande, não me cabe ficar atrás o tempo todo, minha política é "avisem-me se houver sangue". (O pequeno, que completou 6 meses ontem (!), ficou em casa com o pai.) Ainda mais que, felizmente, era uma festa de filha de amigos de longa data, portando havia uma porção de gente que eu não via há tempos, muito melhor era ficar sentada numa mesinha de plástico botando o papo em dia, comendo batata frita feita na hora com chope tirado igualmente na hora vindo com ótima frequência na bandeja do garçom, ao lado de refrigerantes, sucos e águas.
Meu amigo M., que eu adoro apesar de tricolor, e que não via há um tempão, me franqueou seu celular com radinho na segunda metade do segundo tempo, e dei uma acompanhada assim como não quer nada. Quer dizer, tentei, porque como bem diz meu marido, não dá mais pra ouvir jogo pelo rádio. Entre propagandas de "Tomou Doril a dor sumiu - este medicamento é contraindicado em caso de suspeita de dengue. A persistirem os sintomas um médico deverá ser consultado", entrevista com Torcedor do Amanhã, ou com Maria Chuteira, entradas ao vivo de personalidades presentes no estádio, comentários do Futebol Show, Twitter do Torcedor etc., ninguém narra a p*orra do jogo.
Mas tergiverso. Depois do 0x0 no tempo normal, veio a decisão por pênaltis, e eu já fiquei mais tranquila. Porque, pra quem não sabe, nessa hora o Vasco sempre treme. Acompanhei as cobranças do meu jeito favorito: pela reação da vizinhança, pelos gritos de Mengo! e Vasco! alternados e progressivamente exaltados, até a epifania final, os fogos e o Uma Vez Flamengo, Sempre Flamengo que sempre se escuta, vindo de sei lá qual profundeza, talvez de um inconsciente coletivo rubro-negro (além é claro, do "Tomá no cu Vascô!", outro clássico imortal).
Comemorei com Mathilde e com meu afilhado de 2 anos, que ainda não tem time, mas a quem um tio já fez a bondade de ensinar a cantar "Sai do chão, sai do chão, a torcida do Mengão!" (tio flamenguista: atire a primeira pedra quem nunca teve um).
Voltamos no carro brincando de apontar pessoas vestidas com o Manto Sagrado. Eram tantas que a brincadeira quase nem deu certo.
Para quem nunca ouviu falar deste livro, lançado recentemente, vai a sinopse:
Grito de guerra da mãe-tigre é a história polêmica da sino-americana Amy Chua, renomada professora de Direito da Universidade de Yale, e por se opor drasticamente à indulgência dos pais ocidentais, tomou a decisão de criar as suas filhas, Sophie e Lulu, à moda chinesa.Como as mães-tigres veem a infância como um período de treinamento, Sophia e Lulu tiveram aulas de mandarim, exercícios de rapidez de raciocínio em matemática e duas ou três horas diárias de estudo de seus instrumentos musicais (sem folga nas férias, e com sessões duplas nos fins de semana). Os resultados são indiscutíveis: ambas são alunas excepcionais; Lulu ganhou um prêmio estadual para prodígios do violino e Sophia se apresentou no Carnegie Hall aos 14 anos. Entretanto, o preço dessas conquistas é muito alto, e os confrontos generalizados com a rebelde Lulu põem a prova os princípios e os métodos dessa mãe-tigre.
G. me escreveu há alguns meses perguntando "Já ouviu falar deste livro?" e mandou um link com uma reportagem sobre a polêmica que estava causando nos EUA. Na verdade eu já havia ouvido falar, sim. Tinha até lido alguns trechos, ainda em 2010. Mas, honestamente, na época achei que nem fosse uma coisa séria.
O fato é que na ultra-competitiva sociedade americana, onde os orientais estão já há vários anos assumindo a ponta em todos os rankings acadêmicos, o livro está sendo levado muito a sério.
O que me choca profundamente.
Porque não encontro outra forma de colocar: o livro é chocante. Na pior acepção do termo. Se eu fosse ditadora do mundo (esse meu projeto tão acalentado...), essa mulher estaria presa por maus-tratos a menores. O que ela fez/faz com as filhas é ultrajante, revoltante, e leva um tijolo na testa quem vier me falar de relativismo cultural.
Se não vejamos alguns exemplos ilustrativos do modo de ação da tal mãe-tigre: a mãe determina que uma das filhas vai estudar piano e a outra, piano e violino. Quando a mais nova não consegue tocar certa peça ao piano, a mãe a obriga a estudar noite adentro na véspera da aula, fica do lado dela no banco do piano certificando-se de que ela não vai se levantar nem para beber água nem para ir ao banheiro (não estou inventando, nem exagerando: está tudo publicado!). Isso depois de a menina, que na época tinha 6-7 anos, já ter rasgado a partitura em pedacinhos, de tanta raiva (a mãe colou com fita adesiva).
A filha mais velha, a tal que virou concertista de piano, confessa ao pai, meio constrangida, que aquela marca na madeira do piano realmente é de dente, que ela algumas vezes mordeu o piano de tanta raiva por ter de estudar infindáveis horas por dia.
São meninas que nunca dormiram na casa de amigas. Aliás, não há menção a amigas ou amigos at all. Namorados muito menos - e quando o livro termina elas têm 16 e 14 anos, idade em que, como se sabe, meninas nem pensam nesse assunto. Nada é admitido pela mãe-tigre se não trouxer um benefício acadêmico claro e palpável. Esportes, por exemplo, são vetados. Apenas no finalzinho do livro a filha mais nova se rebela, larga o violino e vai jogar tênis.
A mãe é tão doente que, às páginas tantas, compra uma cadela, de uma raça que agora não me lembro. (O simples ato representa uma concessão inimaginável dela às filhas.) Para sua própria surpresa, ela se encanta com o bichinho. Ato contínuo, começa a fazer mil pesquisas sobre aquela raça, e a praticar exercícios -- obsessivamente, como de praxe -- para que a sua cadela esteja entre o Top 5 dos espécimes mais inteligentes da raça!
Por trás de tudo, está uma filosofia segundo a qual "as coisas só começam a ser divertidas quando se é muito bom nelas". Ou seja, ninguém vai gostar de tocar piano a menos que seja um exímio pianista. Ninguém vai gostar de estudar se não for o melhor aluno da turma. E por aí vai.
E, claro, não poderia faltar o elemento constrangedor. A cada pirraça das meninas, vem o inevitável comentário "Você é uma vergonha para esta família!". Meu Deus!
Mas, uma vez Pollyanna, sempre Pollyanna. É possível sim extrair algo de bom dessa loucura toda. O que eu consegui ver de positivo foi a crítica ao estímulo excessivamente positivo de qualquer coisa que as crianças façam. Essa cultura do overpraising pelo qual tudo que seu filho faz, qualquer desenho rabiscado é "lindo", qualquer escultura tosca de massinha é "incrível", qualquer música que ele cante, por mais desafinado que seja, é "bravo!". Educar dá muito trabalho, a gente sabe. Os pais precisam mesmo é saber do que os filhos são capazes (sem expectativas irreais, como as dessa louca), acompanhar o que eles estão desenvolvendo, a tal ponto que seja possível identificar quando eles realmente estão fazendo um desenho meio nas coxas, só por obrigação, sem o capricho que a tarefa exige. E aí, sim, cobrar - por que não? Não ter medo de dizer "Não sei não, filho, acho que você consegue fazer melhor, vamos tentar de novo". Isso não traumatiza ninguém, muito pelo contrário, mostra quanta fé a gente deposita nesses pirralhos.
Enfim, o livro. Apesar de muito bem escrito, bem traduzido, e fácil de ler, não consigo recomendá-lo a ninguém que não tenha uma curiosidade muito antropológica pelo assunto.
Enquanto não passa essa fase estranha de dormir às 21h30, acordar 2 vezes de madrugada e levantar às 6, na falta de oportunidade de desenvolver os textos presos na minha mente, mostro pra vocês fotos do meu menino "Oliver".
É espantoso o quanto o amor aumenta com a convivência. Quando ele nasceu já foi aquela avalanche alucinante, aquele amor urgente, novo, precisando de espaço. Dois meses depois, eu já discernia os primeiros traços de sua personalidade, ele já era alguém que me fazia cativa, e eu me espantava em ver como aquela avalanche inicial tinha crescido tanto. Hoje, 5 meses e meio depois do seu nascimento, eu e ele já nos conhecemos tão bem, já temos nossas brincadeiras particulares, e meu amor está presente em cada um dos seus poros, em cada milímetro de seu corpinho, em cada um dos seus 6.850 gramas, envolvendo-o numa espécie de envelope de afeto que o cobre por inteiro.
Ainda que ele venha a se tornar a maior peste no futuro, nunca poderei deixar de agradecê-lo por ter sido, pelo menos até agora, nos seus primeiros meses de vida, um bebê tão bom, calmo, tranquilo, sereno e feliz.
Que alegria tão grande vê-lo sorrir todo dia de manhã, de tarde e de noite, essa criança que praticamente não chora, que adora conversar, que é apaixonado pela irmã, que vai no colo de todo mundo, que já se arrasta pelo chão feito uma minhoca,
que adora tomar banho e passear na rua, que gosta tanto de mamão, banana, maçã e suco de laranja,
que dá gargalhadas quando a gente bate com a testa na testa dele, que já quer pegar tudo e qualquer coisa com suas mãozinhas de dedos compridos,
que fica tão moreno quando pega sol, que não tem medo de nada