27.8.10
O Reebok Madeleine
Hoje vivi um momento proustiano.
(Verdade seja dita, nunca li nada de Proust, a não ser o primeiro volume de uma versão em quadrinhos de Em busca do tempo perdido que meus amigos P. e K. me deram de aniversário alguns anos atrás, e da qual nem gostei muito. Mas basta um pouco de cultura geral para saber que o episódio da madeleine é "o" grande exemplo de experiência sensorial evocando memórias há muito adormecidas. E chega de didatismo por ora.)
Já estou naquele momento da gravidez em que aspirar a qualquer vestígio de elegância é uma tarefa inglória. Poucas roupas entram, as que ainda cabem dificilmente caem bem, temos que lançar mão do "estilo Obelix" e outras deselegâncias similares. Acaba que repete-se muito algumas poucas peças do vestuário - 1 ou 2 calças, 1 ou 2 vestidos, as saias de elástico que não ficam muito curtas quando colocadas lá em cima da barriga, e algumas blusas escolhidas, de preferência evitando-se aquelas largonas que caem nada graciosamente por cima do complexo peitos-barriga, te deixando com cara de bombom.
Em resumo, não é fácil.
E tem ainda a questão do sapato. Que para os finais de semana tudo bem, me viro bem de tênis, chinelinho ou coisa que o valha. Mas para o trabalho é diferente, pois eu costumava ir de sandálias ou sapatos de salto -- salto baixo, nada muito arrumado, mas enfim, condizente com meu novo estilo pessoa-que-passa-lápis-e-sombra-para-trabalhar. E agora não tem dado mais para ir com esse tipo de calçado, especialmente porque tenho ido e voltado a pé todo dia, e ainda mais, continuo vindo almoçar sempre em casa. Tudo isso a pé, e cerca de 20 minutos de caminhada cada ida ou cada volta. Em outras palavras, 80 minutos por dia andando com essa barriga de 31 semanas que não está nada pequena. (Justiça seja feita: Marido sempre se oferece para me levar/buscar de carro, mas o trânsito tem andado tão ruim que não vale a pena, o trajeto de 5 minutos leva 30).
Por isso tenho usado basicamente uma Melissinha transparente-vai-com-tudo, uma sandália rasteira ótima da linda loja Outer, e meu par de tênis Nike. E, claro, nada se compara ao tênis. Na atual conjuntura, faz uma diferença incrível em matéria de conforto. Chego ao destino (casa ou trabalho) efetivamente menos cansada. Mas, ainda que seja um modelo azul marinho, esse tênis tem um quê de esportivo que não me deixa assim tão à vontade. Por isso tenho há alguns meses procurado um tênis bem confortável mas que seja preto e com uma cara menos de corrida, sem refletores nos calcanhares, sem detalhes verde-limão, sem aquela coisa meio transparente-absorção-de-impacto no calcanhar. Não deveria ser assim tão difícil, mas.
Já procurei à beça, e nada. Virou até uma piada interna minha com Marido. Cada vez que ele diz que vai a algum lugar (supermercado, shopping, loja tal, viagem à Itália etc.) e pergunta "quer alguma coisa?", eu respondo "quero sim, um tênis preto, bem confortável, mas com uma cara mais social e menos esportiva". (Ok, contando assim não ficou engraçado.)
Então hoje, que Mathilde foi para a casa da avó fazer farra junto com o primo-que-ela-mais-ama-no-mundo, e vai dormir lá, aproveitei para passar no xóps-cênts depois do trabalho, para comprar um presente de aniversário. Missão cumprida, presente devidamente comprado, resolvi entrar, por puro desencargo de consciência, numa loja de tênis e material esportivo. E aí vi, ali quietinho, de perfil ao lado de outros tantos modelos, em cima daquelas microprateleiras típicas de lojas de tênis, um exemplar preto do "Reebok Classic Princess Shoe Women's", modelo mais emblemático da minha adolescência. Esse da foto lá em cima. Sim, sim. Na primeira metade dos anos 90, todo mundo tinha -- ou desejava ter -- esse tênis. Todas as meninas, pelo menos. Havia o preto e o branco.
Olhei, peguei, passei a mão. Estava em promoção, um preço razoável. Pedi para ver o tamanho 36. O vendedor trouxe. Calcei. Esse tênis tem uma palmilha diferente, meio aveludada, que faz com que você tenha ainda mais a impressão de que está pisando no macio. E foi ali a hora da madeleine. Lembrei de tudo. Quase 20 anos atrás, a gente usava esse tênis com meia de cano bem curto, ou então sem meia. Em geral, com uma bermuda jeans da Dimpus e camiseta para dentro da bermuda na parte de trás, mas caindo para fora da bermuda na frente. (Pensando bem, era estranhíssima essa moda.) Ou de saia jeans da Yes Brazil. Ou calça jeans da Company. Lembrei ainda que, em 1997, quando fiz uma viagem de meses pela Europa, de mochila nas costas, só tinha esse tênis e um chinelo de dedo, e mais nenhum calçado. Usava esse mesmo tênis preto para ir à ópera ou para caminhar dez quilômetros.
Fiquei olhando o tênis no meu pé e sorrindo. Não só o tênis tinha um valor sentimental, como também era exatamente o que eu estava procurando. (E em promoção!) Puxei papo com o vendedor, um rapaz de uns 20 anos ou menos, e ele me disse que sim, estavam relançando, que o branco por exemplo vendeu muito, quase não tem mais. E eu me senti uma senhora de meia idade, mas não pude evitar explicar-lhe que no início dos anos 90, ele certamente não se lembrava, mas todo mundo tinha esse tênis. Ele riu e disse que nasceu nessa época. Eu sorri de volta, passei a mão na barriga, pensei em Oliver e Mathilde, e me levantei para ir ao caixa pagar.
Ideias fixas:
sobre nada e sobre tudo
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6 comentários:
menina, eu TENHO um tênis desse, branco, comprado nos eua há 10 anos! e uso de vez em quando, para caminhar. na adolescência era doida por um (e outras coisas citadas como dimpus, company, etc, ahaha). morri de rir com sua descrição da moda anos 90, essa camiseta meio pra dentro meio pra fora do jeans, que coisa horrorosa, e a gente achava lindo, ahahaha.
Surya
Hahaha, sensacional, Surya! Ninguém resistia ao apelo do Reebok Princess!!
Analisando a estranha moda dos anos 90, talvez o objetivo fosse ao mesmo tempo não cobrir a bunda, err, valorizando-a, por assim dizer, e deixar à mostra a estampa da camiseta (essas camisetas tinham estampas, mind you!).
Ai, Anna, que engraçado, usei isso tudo! Você descreveu meu uniforme de ir pra universidade!
Outro dia no salão, pintando as cãs, e me divertindo horrores com o jovem cabeleireiro que dizia amaaaar os anos 80, descobri que virei vintage. Me dei conta (espantadíssima, porque parece que foi ontem...)de que os ícones (aquela cafonice totalmente sem loção) da minha adolescência e juventude estão voltando com o charme que os ares ripongas dos anos 60 e 70 tinham quando eu era nova e vintage era a minha mãe.
Parece que ficar velha é por aí...
Beijo,
Cláudia
Oi, Cláudia. Pois é, a situação está mais ou menos nesse pé. Quando menos se espera, a gente vira vintage. É chocante (e não so sentido anos 80 do termo).
Beijos.
Anna,
Faz q nem as novaiorquinas. Bota um tenis sem noção, nada a ver com a roupa, pra ir pro trabalho. Lá vc troca por algo mais digno.
Que tal?
Oi Anna!! Amei esse seu post! Me identifiquei mto com ele! Eu tb amaaaaava meu Reebok Princess!! Eu usava ele com o mesmo tipo de roupa que vc disse, e tbem com bermuda de lycra, nos dias de educação fisica! Usava com meia mais fininha no verão, e como eu nunca mexia no cadarço (tirava e botava ele sem desamarrar), teve uma vez que estava no trem lotado e no tumulto, qdo puxei meu pé, fiquei sem o tenis!!! kkkkk Vc nunca pagou um mico desses, de seu Reebok sair do pé? Me escreva contando!! bjsss Patricia ps1979@terra.com.br
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