13.1.11

2666, de Roberto Bolaño


Passei boa parte do ano de 2010 curiosa com este livro. Já em 2008 começava-se a falar em bolañomania nos EUA, dado o enorme sucesso que a edição americana estava fazendo. Em 2009, o auge. Uma coisa digna de nota, haja visto que traduções dificilmente emplacam nas listas de mais vendidos naquele país. A trilogia Millennium de Stieg Larsson é outro exemplo de tradução que virou bestseller no mercado americano, porém mais compreensível, uma vez que se trata de ficção comercial da melhor qualidade, thrillers fast-paced bem ao gosto do leitor contemporâneo. 2666, no entanto, é ficção literária, de um autor chileno saudado pela crítica mas que nunca havia explodido desta forma como fenômeno de vendas, muito menos no competitivíssimo mercado editorial americano.

A edição brasileira foi lançada com pompa e circunstância pela Companhia das Letras. Linda capa (óleo sobre tela de Rodrigo Andrade), tradução de Eduardo Brandão e o esmero editorial de praxe da Editora Schwarcz. Teve campanha de divulgação no lançamento, e uma subcampanha muito inteligente na época das eleições: quando os jornais ficam coalhados de quadradinhos com números dos candidatos a deputado e senador, eles mandaram publicar quadradinhos semelhantes com "2666 - Roberto Bolaño". Publicidade oportunista inteligente.


O livro ficou na minha lista de desejos por vários meses, mas sem aquela urgência que me fizesse correr à livraria mais próxima para comprar. O preço até não era dos mais ingratos, considerando as 856 páginas: 55 reais. Relativamente não é caro. Mas enfim, 55 reais.

Até que um dia passei em frente a um livreiro de rua e vi o livro à venda, novinho em folha, embalado num plástico. 25 reais. Nem pensei duas vezes, comprei logo, por impulso. Na verdade fiquei surpresa com a dimensão da obra, não sabia que tinha 856 páginas. Mas tudo bem, vamos lá. Tamanho de livro nunca me assustou (na minha lista de calhamaços recentemente lidos estão Queda de Gigantes (912 p.), os 3 Millennium, (528, 608, 688 p.) e o ótimo A Passagem (816 p.), uma distopia futurista interessantíssima e difícil de largar).

O livro sobreviveu à última arrumação na estante, e estava lá, na letra B, entre Boccacio e Borges (momento "oh, como sou culta e minha biblioteca é incrível"). No finalzinho do ano, quando terminei o Roald Dahl, resolvi que era chegado o momento do 2666. Subi no meu banquinho novo (presente de Natal da minha mãe), próprio para alcançar a prateleira lááá de cima, peguei o tijolo, tirei o plástico (ainda com a etiqueta "R$25") com todo carinho e comecei a ler.

Logo de início a gente percebe que o cara é bom. Sabe aquela literatura caprichada, aquele texto que te pega pelo cangote e diz "Presta atenção em mim! Não fica pensando em outra coisa enquanto lê, não! Sem devaneios, leitor!". E assim ele começa com as histórias de quatro críticos literários (um francês, um espanhol, um italiano e uma inglesa) que se dedicam a estudar um misterioso autor alemão contemporâneo, que nenhum dos quatro jamais encontrou pessoalmente, e de quem nem fotos existem, apenas algumas pessoas que dizem o ter conhecido. Os quatro passam por congressos e simpósios mundo afora, e Bolaño vai dando belas sacaneadas no universo acadêmico das "comunicações", "falas", "mesas" e "artigos de revistas especializadas".

A coisa começa a se concentrar na interação entre os quatro, nas viagens que fazem para se visitar, nas viagens dos congressos literários etc. Mas aí o livro começou a decair de interesse para mim. Porque diálogos praticamente não há, a não ser indiretos. Porque parágrafos longuíssimos, de mais de página, há -- e muitos. Mas principalmente porque as digressões começam a abundar, e são aborrecidas. Mil historinhas começam a pipocar a partir dos personagens secundários que encontram os quatro críticos, perfazendo algo que o Milton Ribeiro, que gostou do livro, chamou de "ípsilons". O que o Milton adorou eu achei um saco. Os enredos paralelos não levam a lugar algum, são como ideias (para contos, talvez?) que o autor teve e achou por bem incluir ali, sem muito motivo que eu, em minha infinita ignorância, conseguisse perceber.

Pelo que li a respeito do livro, depois desse núcleo dos críticos, boa parte da narrativa se concentra em misteriosos assassinatos de mulheres no México, e depois mistura o recluso autor alemão à cidade mexicana. Entre outras coisas.

2666 está dividido em 5 partes: A parte dos críticos (130 p.); A parte de Amalfitano (64 p.); A parte de Fate (114 p.); A parte dos crimes (264 p.); A parte de Archimboldi (243 p.). Segundo a "Nota dos herdeiros do autor" que abre a edição, Bolaño deu instruções para que cada parte do romance fosse publicada num livro separado. (Ele morreu aos 50 anos em 2003, de insuficiência hepática, e 2666 foi seu último trabalho, publicado postumamente. Aliás, não há nenhuma explicação para este número misterioso no título, o que, creio, só faz aumentar o hype.) Diz a nota ainda que "com essa decisão (...) ele acreditava ter assegurado o futuro econômico dos filhos". Não sei bem o que pensar dessa informação. Dá ainda mais a impressão de que ele espichou desnecessariamente o livro para que cada parte rendesse um livro propriamente dito. Além do quê, tenho cá pra mim que talvez publicar num só volume, como foi feito no fim das contas, tenha sido mais lucrativo. Não é segredo que os primeiros volumes de qualquer coisa vendem até 10 vezes mais que os volumes seguintes. Eu certamente teria parado no primeiro livro.

Do jeito que foi, não cheguei nem a isso. Por vários dias forcei-me a prosseguir lendo, mas já não estava mais dando nenhum prazer. Parei na página 93 de 856 - pouco além de 10%. Na verdade, num mundo um pouco mais ideal, eu nunca deveria ter comprado este livro. Como nunca tinha lido nada do autor, mas nutria por ele uma curiosidade, poderia ter pego numa biblioteca pública, para ver se gostava. O mesmo posso dizer de tantos livros que tenho. Se apenas tivéssemos esse tipo de cultura, tantas estantes seriam mais leves, subtraídas de curiosidades literárias.

É precisamente por isso que estou incluindo 2666 no meu Mini Sebo Terapia Zero. Pelos mesmos R$25 que paguei, para que não me acusem de querer levar vantagem (mais o frete, que não há de ser barato...). E para liberar preciosos quatro centímetros de lombada na minha estante.

Atualização: Vendido! Em tempo recorde! Para um antigo cliente no Mini Sebo, do interior de Pernambuco. Meu deus, isso está virando mesmo um negócio no sentido business do termo...

14 comentários:

Marcus Pessoa disse...

Eu também não gosto e diálogos escondidos em parágrafos imensos. Prefiro o velho travessão, o atira/revida dos personagens.

Talvez seja por isso que eu peguei certa antipatia com o Saramago.

MegMarques disse...

Humm, o seu post me desanimou... Comprei o 2666 de presente para o amado que está lendo intercalado com outros 4 ou 5 livros e por isso demorando um tempão. Estava até meio angustiada com a demora, para ler logo em seguida, mas com o seu depoimento vou relaxar. Afinal não devo estar perdendo nada de muito sensacional.

anna v. disse...

Marcus, minha percepção é que o Saramago tem uma dinâmica totalmente diferente do Bolaño - pelo menos do Bolaño de 2666, que foi o único que li (parcialmente). Em Saramago a ação é contínua, e os diálogos fluem, só não são no esquema travessão-parágrafo. Não há, em Saramago, essa profusão de histórias paralelas que não dão em lugar algum, e que são, em 2666, as maiores responsáveis pelos parágrafos gigantes.

Meg, muita gente boa achou 2666 sensacional. O que o Boêmio tá achando?

Rubão disse...

Olá, Anna. Blz? Tomei a liberdade de responder eu mesmo, depois que Meguinha me mostrou teu post.

Concordo com suas críticas. Se fosse pra 2666 me pegar de jeito, já o teria terminado. Mesmo não ignorando que a intenção do bicho era publicar uma parte por vez, tô querendo acabar com o livro pra ver o que o autor pretende com tantas digressões; se vai amarrá-las ao fim, se aquilo é uma grande masturbação, se são vários exercícios narrativos dentro de uma grande narrativa, etc. Por ex. Você se empolga com uma parte, aí ela acaba justo quando está ficando bom. Começa outra parte e você segue, meio desanimado. Você começa a conhecer as personagens, vai entrando no drama, o negócio fica interessante de novo e então o que acontece? Acaba, começa outra parte, o mesmo processo. Quero chegar ao fim pra ver onde é que isso vai dar, se é que vai dar em alguma coisa, para onde esse Bolaño tá me levando.

Abraço, tudo de bom.

r.

Isabella Kantek disse...

A foto dele me pareceu muito mais intrigante que o proprio livro. Bobagens a parte, concordo com a sua observacao quanto ao Saramago. A minha unica reclamacao eh que, por causa dos longos paragrafos, eu nao consigo definir a hora de parar, e quando sou obrigada a faze-lo por circunstancias externas, recorro ao lapis para nao me perder.
bjos.

anna v. disse...

Rubão, que honra ter um comentário seu aqui neste divã! Olha, admiro sua determinação em pagar para ver e chegar ao fim do livro. Eu há tempos não faço mais isso. Se não me pegou, adeus. Caso contrário, parece leitura obrigatória de colégio!

Isabella, é fato! Outro dia vi em algum lugar uns marcadores de página que têm um elástico no qual uma espécie de setinha escorrega, marcando exatamente a linha em que se parou. Feito para os livros do Saramago!

Monstrinha disse...

Também tenho uns livros que comprei por curiosidade e acabei largando nas primeiras áginas, com a maior dor na consciencia.
Quanto ao fato da intenção do autor de publicar em 5 volumes, não sei, mas talvez não tenha sido puramente financeira. Eu por exemplo estou escrevendo um romance que, se publicar, vou tentar faze-lo em 4 volumes. Não por cusa de algum tipo de lucro, mas é porque gostaria de ir "sentindo" a reação do leitor a cada fase da história. às vezes, quando fica tudo num volume só a pessoa "passa batida" por detalhes que o autor gostaria que os leitores "saboreassem" por um tempinho.
Sei lá.. só uma impressão que tenho.
Gostei muito do seu blog! Um achado interessante para minhas tardes de tedio no trabalho!
=)

Marcelo disse...

Well...No meu caso, até hoje não me perdôo por ainda não ter acabado de ler Crime e castigo.
Esse livro fica na minha estante me olhando com olhos de "Que coisa feia mocinho", mas tenho que resolver isso ainda em minha vida.
Nem que essa seja a leitura do meu leito de morte.

Beijos flor

anna v. disse...

Monstrinha, seja bem-vinda! Sobre o lance de 5 volumes, eu fiquei encucada por causa da menção a "assegurar o futuro econômico dos filhos". Foi por isso que achei que era um motivo mais monetário do que literário.
Marcelo, caramba, "Crime e castigo" foi um livro que eu devorei! Vamos ver, será que você não está de posse de uma tradução ruim? Sei lá, vale tentar...

Cam Seslaf disse...

Por coincidência, eu inventei de ler o 2666 logo depois que a Catarina nasceu, em inglês. Ao contrário de você, gostei bastante da parte dos críticos. Meu interesse começou a evaporar-se na do professor e sua filha, apesar da crescente angústia de achar que algo tenebroso aconteceria com ela, mas eu parei mesmo no capítulo dos crimes. Muito cru, muito violento, era a última leitura para o meu estado puerperal.
Daí que me uno a você no time dos que não entendem muito bem o hype (full disclosure: não li mais nada dele, vá lá).

Anônimo disse...

Olá, estava procurando algum texto sobre bolaño e saragamo, e dei sem querer com seu blog. Li seu post sobre 2666 e queria fazer uns comentários, se me permite.

Primeiro, queria dizer que você fez bem em desistir do livro. Não porque ele seja ruim, pelo contário; foi um dos melhores livros que já li em minha vida. Mas, realmente as digressões do "enredo principal" são enormes e constantes, e como isso te aborreceu, não valia a pena continuar nessa tortura.

Acredito também que você fosse esperar alguma conclusão no livro, que esclarecesse todos os mistérios levantados pelo autor ao longo do romance. Bem, isso também não acontece. Isso se soma às digressões, criando uma série de coisas que ficam pra trás, e que se somam a mais e mais coisas, tornando-se um emaranhando gigante de incertezas.

Mas tenho que discordar da hipótese que Bolaño tenha feito isso somente pra deixar os livros maiores e ganhar mais dinheiro. Ele pediu pra dividir o livro em váras partes apenas para dar um pouco mais de dinheiro para a familia, já que ele estava para morrer. Mas 2666 é uma obra completa e única, e duvido que um escritor da qualidade de Bolaño tenha colocado coisas nela somente "para encher linguiça", como se diz por aí.

Por isso não se deve achar que o título é apenas marketing, mesmo porque ele já havia aparecido em outra obra do autor "Amuleto". Assim como o escritor ficcional, Archimboldi, já havia aparecido em "Detetives Selvagens", livro que segue a mesma técnica utilizada por Bolaño em 2666, que é a de criar uma obra estruturalmente similar a um romance policial, mas que, contudo, nega as respostas aos mistérios instaurados pela obra. Isso radicaliza o romance policial,transferindo a decisão do mistério para o leitor, que deixa de se tornar mero espectador da investigação do herói, passando a ser ele mesmo o investigador.

2666 radicaliza esse jogo, tanto que as partes do livro podem se lidas em qualquer ordem sem que isso interfira o significado da obra. Isso porque 2666 não oferece nenhuma resposta, mas sim perguntas. o livro de Bolaño é uma obra que reflete as incertezas do final do século XX, um século que viu ruir todas as ideologias toalizantes, que instituiu a destruição como forma principal da arte. O título não é por acaso: remete tanto a uma data futura, no ano 2000, quanto a o número da besta, 666. 2666 indica assim uma data apocalípitca, quando todas as cetezas que construiram nossa civilização ocidental foram destruídas.

As digressões do livro que não levam a lugar algum ajudam a corroborar a falta de sentido do mundo, um mundo brutalizado (parte dos crimes), enlouquecido (parte do amaltifano), alucinado (parte de Fate), que luta por manter uma racionalidade impossível (parte dos críticos), mas, que apesar presencia as ruínas da civilização, é recriado pela arte (a parte de archimboldi). Assim, embora o universo de 2666 seja um universo sem sentido, existe sempre a possibilidade (ou a necessidade) de se criar um sentido próprio, de tecer um certeza, ainda que frágil, a partir do caos das incertezas.

Claro, é um livro difícil de se ler (principalmente a parte dos assassinatos), e é frustrante pra quem espera encontrar alguma certeza ou resposta. Isso é uma questão de gosto, e ler algo que não agrada é muito chato mesmo. mas é uma pena que você não tenha gostado do livro. De todo jeito, acho que você não deveria desistir de Bolaño, que é um grande autor. Se você tiver a oportunidade, tente ler "Noturno do Chile", que é fantástico.

Até a próxima!

anna v. disse...

Oi, Anônimo. Que rico e interessante o seu comentário. Eu acredito que você tenha razão em tudo o que escreveu. A coisa de ganhar mais dinheiro publicando em 5 volumes é pura especulação de minha parte. Um achismo descarado. Sobre o livro fornecer mais perguntas do que resposta, bom, isso é obviamente uma coisa positiva. A pergunta move, a resposta paralisa, etc. Mas, como escreveu o Rubão num outro comentário, o livro não me pegou. E se não me pegou em 90 páginas, dificilmente vai pegar mais adiante. Eu trabalho em editora, meu trabalho é justamente avaliar livros, eu passo meus dias lendo, lendo, lendo. Daí que quando vou ler uma coisa em casa, por prazer, tem que ser isso mesmo: prazer. Eu percebi mesmo que o Bolaño é um ourives da palavra, mas seus temas e seu estilo não estão condizentes com este momento da minha vida. Trata-se de um desencontro. Mas não fechei as portas para ele, e espero em breve experimentar outro título.
Um abraço.

Julio disse...

Olá,

Você possuía uma conta no LibraryThing com o nick anna v.?

Abraço.

anna v. disse...

Oi, Julio.

Sim. Não muito atualizada, mas sim.