
Vou ali dançar um tango e tomar um vinho.
Volto na semana que vem.
Chegamos no ponto de encontro, um café em Keene, NH. Pouco depois chegou minha amiga, que para meu alívio, 13 anos depois continuava uma pessoa adorável. Fomos até a casa dela. Que era -- como explicar? -- uma comunidade alternativa. É. Hippie, praticamente. Ela mora com o marido e os três filhos numa espécie de sótão em cima de uma marcenaria. Um lugar precário. Só tem umas poucas casas no local, uma escolinha, e eles criam porcos, vacas, e plantam coisas. Os Estados Unidos são um lugar assim meio sei lá. Muito... interessante. Ela, a amiga americana, tinha umas fotos minhas de 13 anos atrás simplesmente fantásticas. E me contou que nem chegou a completar a high school, porque se apaixonou por um cara e foi com ele seguindo as turnês do Grateful Dead. Que é uma banda que nem nunca fez muito sucesso aqui no Brasil. Então se já é muito difícil entender por que alguém abandona a vida que leva para seguir uma banda, mais difícil ainda é entender por que se faz isso pelo Grateful Dead. Mas ela fez. E passou dois anos seguindo as turnês da banda, e fazendo artesanato para sobreviver. Ela e o namorado, e mais gente que integrava essa comitiva de adoradores do Grateful Dead. Então, amigos, eu vou repetir. D-o-i-s a-n-o-s. (Este nem era o assunto que eu queria falar, mas acabei caindo nele, e essa história é tão inacreditável que eu não resisto.) E nesse tempo ela engravidou e teve um filho, que é o mais velho dos três filhos dela. E só depois que o filho nasceu é que ela parou de achar tanta graça em ficar pra lá e pra cá pelos Estados Unidos com um neném de colo, morando em barracas de camping, e largou o cara e voltou pra casa da mãe.
estava preparada (ou seja, não haviam passado caminhões como os da foto ao lado, que removem a neve e jogam sal na estrada). Onde não tinha neve, tinha gelo. Então todos os carros passaram a andar muito devagar, um atrás do outro, sem perder a trilha deixada pelos pneus do carro da frente, caso contrário, derrapagem certa. Não foram bons momentos. E conseguimos manter alguma serenidade nem sei bem como, porque não sabíamos dirigir na neve.
No dia seguinte chegamos em Montreal. E que cidade bacana. E que pessoas fantásticas. E como é tão diferente dos EUA. Não sei na parte anglófona do país, mas ali no Quebec é mesmo um outro lance. E essa é a primeira lição. Nunca dizer canadense se você pode dizer quebequense. E quem me ensinou que o termo correto em português era quebequense foi uma nativa, que participa de um programa de pós-graduação em biologia feito em parceria com a Universidade Federal... do Pará. Então essa fofa quebequense fala português perfeito, mas com sotaque do Pará. E não é Belém. O trabalho de campo que ela faz é numa cidade que eu nunca tinha ouvido falar e nem lembro mais o nome, perto de Santarém. Ela levou de lembrança um CD da Banda Calypso. Pois é.


Então eu vejo alguns jogos do campeonato brasileiro. Porque gosto tanto de futebol que, se estiver de bobeira, assisto a qualquer jogo. E em casos especiais, desmarco qualquer programa -- como foi nas duas finais da Libertadores, Inter x São Paulo, dois jogaços.
Bem. Eu torço pelo Flamengo. Como vou dizer?, eu torço muito pelo Flamengo. Mais do que a maioria das "mocinhas" costuma torcer. Torcer, quero dizer, se envolver. Eu gosto de ir ao estádio (gosto não, eu adoro -- no nível: eu já fui sozinha ao Maracanã), eu tenho várias camisas, eu tenho livros sobre o Flamengo, eu tenho aquelas faixas cafonérrimas de Campeão que vendem na porta do estádio. E, como não podia deixar de ser, eu participo de uma lista de discussão sobre Flamengo. Não é uma dessas listas monstruosas, de 2047525 participantes fanáticos. Não, eu não teria saco. É só dos meus amigos, tem umas 15 pessoas no máximo. E muitos deles são jornalistas esportivos. O tipo de gente que acompanha mesmo, de perto, toda a movimentação dos clubes. E o Flamengo está, como aliás todos os últimos anos, ladeira abaixo no campeonato brasileiro. E mais uma vez tenho certeza que vamos passar o final do ano lutando para não sermos rebaixados para a segundona (até o ano em que isso finalmente ocorrer -- porque é inevitável).
Eles, os meus amigos flamenguistas, sofrem muito cada vez que o time perde, cada vez que tem um vexame em pleno Maracanã, cada vez que um jogador é vendido numa negociação tacanha, cada vez que chega um reforço bisonho, fruto de negociatas com esses empresários mafiosos. Eles ficam putos, de verdade. Eu não. Eu não acompanho esses jogos. Mais: eu me recuso a acompanhar. Porque eu nunca consigo saber quem são os jogadores que estão em campo. Porque é impossível registrar todas as idas e vindas. Impossível. A menos que você não faça outra coisa da vida.
Deixa ver se eu consigo explicar de outra forma. Houve um tempo em que, além de torcer pelo "símbolo" Flamengo, eu torcia pelos indivíduos. O Zico. O Júnior. O Adílio. Aquela geração, vocês sabem. Era mais fácil -- ou melhor, era mais concreto. Hoje em dia não dá para confiar num jogador a ponto de torcer por ele (ele como "pessoa física"). Todos eles estão constantemente em trânsito, estão jogando aqui pensando em chamar atenção para jogar lá (e lá = qualquer lugar fora do Brasil). Ou para mudar de clube aqui mesmo. O Petkovic, por exemplo, já passou pelo menos por Flamengo, Fluminense e Vasco. O Luizão, que andou fazendo gols importantes pro Flamengo, pra mim vai ser sempre um vascaíno. Talvez a única exceção de jogador identificado com clube no Brasil hoje seja o Rogério Ceni (a.k.a. Luciano Huck) e o SPFC.
Na semana passada parece que se encerrou um prazo qualquer para a comercialização dos jogadores de futebol para o exterior. Então foi um deus-nos-acuda nos clubes, empresários como operadores de bolsa de valores, compra, vende, negocia. Vendem uns jogadores de dezoito anos para a Rússia. Vendem goleiros para a Turquia. Vendem os Robinhos para a Espanha por uma quantidade de dinheiro que me constrange.
De forma que não restou nada além do símbolo. Torcer hoje é vibrar por conta de uma abstração. Claro, isso sempre ocorreu. Só que antes a gente podia materializar essa paixão abstrata em uma dúzia de homens correndo. Hoje não. Por isso eu não ligo a mínima para os jogos que o Flamengo faz nesse falido campeonato. Guardo tudo para quando ele estiver disputando algum título, alguma coisa que me dê motivo para torcer de verdade, e aí sim vou gritar Mengo! da janela até perder a voz.
PS: Ainda futebol:
Ele me disse essa semana: "Quero te mostrar uma coisa no jornal que me deixou emocionado". Eu com cara de ponto-de-interrogação. Chegou na página do Obituário e mostrou o anúncio fúnebre que não tinha os convencionais símbolos da cruz católica ou da estrela-de-davi. Tinha uma estrela solitária, o símbolo do Botafogo. E depois das informações sobre os familiares, e sobre a missa, na última linha, em negrito: "Tua estrela solitária nos conduz". Ele me olhou com os olhos rasos d'água: "Quando eu morrer, promete que faz um assim pra mim". Eu ainda incrédula. Ele feliz: "Estou até pensando em ir na missa desse cara".

E essa foto não é linda? Reflete bem esse amor, às vezes solitário, mas sempre fiel, por uma abstração. (Ainda por cima porque o Zico jogou no Udinese.)

