10.9.07

Obituário


A morte do Pavarotti me fez perceber que já não me é mais possível acompanhar o balanço entre mortos e vivos nesse mundo tão superpovoado de celebridades. Se, na semana passada, me perguntassem se o Pavarotti estava vivo ou morto, teria que chutar. Da mesma forma como não tenho certeza se os outros dois tenores da famosa trinca, Carreras e Domingo, já morreram ou não. E a Montserrat Caballé, será que já foi ou ainda não? Não sei. E nem preciso ir longe, ao mundo da ópera internacional. Esses atores velhinhos, Gianfrancesco Guarnieri, Claudio Correa e Castro, Nair Bello, já morreram? O Raul Cortez, que nem era assim muito velho, eu sei que morreu. E o Paulo Autran, velhíssimo, continua na ativa, assim como a Tônia Carrero, do alto dos seus 125 anos, ou por aí.

Houve uma época em que eu trabalhei num site de música, como jornalista. Eram bons, ótimos tempos, e eu era mais ou menos setorista de MPB, samba, choro, música instrumental brasileira. E aí quando aparecia um intervalo, uma folga, um dia menos puxado, lá ia eu fazer obituários. Acho que todo jornalista já passou por isso. Significa fazer a matéria grande que é publicada quando algum famoso morre. Só que, é claro, você tem que fazer antes dele morrer, senão não dá tempo. Aí sempre começa mais ou menos assim, "Morreu esta manhã/hoje à tarde/ontem o cantor/compositor/instrumentista Fulano de Tal, autor/intérprete de clássicos como Tal e Qual. Fulano, X anos, [causa da morte]." E em seguida vinha efetivamente o trabalho de pesquisa. Em geral eu pegava, claro, os mais velhinhos. Fiz do Braguinha, que só foi morrer há bem pouco tempo. Fiz do Dorival Caymmi, que ainda está vivo (né???). Fiz até do João Gilberto, porque nunca se sabe nada sobre ele, vai que está doentíssimo? Fiz do Baden Powell na época que ele entrava e saía do hospital e, aleluia, esse foi usado. Mas, claro, a maior parte das mortes te pega de surpresa. Lembro que morreu o Luiz Bonfá, o-autor-de-Manhã-de-Carnaval, de repente, e não tinha nenhum material sobre ele. Mas isso não é o pior, material a gente arruma fácil. O pior mesmo é fazer a "repercussão": ligar para pessoas para pegar depoimentos. Isso é muito chato, porque na metade das ligações você acaba dando a notícia da morte para a pessoa, que fica então emocionalmente abalada e não consegue dar nenhum depoimento decente. É aquele constrangimento, você no telefone esperando por uma boa frase, ao menos uma, e a pessoa chorando do outro lado da linha. Nessa época também houve o acidente do Herbert Vianna. Por sorte havia outro jornalista que era o setorista de rock brasileiro, mas numa tragédia dessas, todo mundo tem que unir esforços. E aí o Herbert ficou muito mal, morre-não-morre, notícias desencontradas, e enquanto a coisa não se define você não pode, é claro, ligar para ninguém para pegar depoimentos. Eu também fui ao velório da Maria Rita, mulher do Roberto Carlos, evento que está na minha lista de top 5 coisas mais chatas que eu já fiz na vida. (Mas nessa época nem foi pro site de música, foi pra outro veículo de comunicação.)
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8 comentários:

Anônimo disse...

"Fiz do Baden Powell na época que ele entrava e saía do hospital e, aleluia, esse foi usado".

Hehehe. Ato falho?

anna v. disse...

Hahaha, tem razão, Marcus, ficou horrível posto assim. Imagina, eu que sou a maior fã do Baden! Enfim, vocês entenderam, "pelo menos desta vez o trabalho não foi em vão".

Anônimo disse...

Anna,

Sobre o trabalho que você fazia, redigindo obituários. Quero estar vivo pra, um dia, ler a declaração de algum sujeito, a respeito do finado: "O que eu achava dele? Um perfeito pulha. Um canalha da maior espécie". (Lembrar que até ACM quase foi canonizado, e a mídia carregando a auréola). Só pra contrastar e sair do previsível. Abraços,
Luis F.

anna v. disse...

luis f., comigo aconteceu não assim, mas foi estranho. eu liguei para uma sambista para pegar o depoimento sobre alguém (acho que nem tinha morrido, era uma efeméride qualquer), e ela respondeu: "não tenho nada para falar sobre ele". e aí ficou aquele silêncio constrangedor, foi péssimo.

F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
F. disse...

Esse negócio é batata: quer tirar o cara da UTI? Encomenda o obituário. Eu escrevi muitos, quando comecei no jornalismo. E todos viviam muito tempo depois. A história mais bizarra aconteceu com o Papa João Paulo II. Escrevi um caderno de obituário dele no início dos anos 90, como estagiário num jornal de SP. Depois eu saí de lá, trabalhei em revistas, outros jornais, e em 2003 voltei como editor. Quando ele morreu, eu publiquei o caderno que eu mesmo havia escrito como estagiário (devidamente atualizado, é claro).

Anônimo disse...

Ferdi, que engraçada essa história! E que bom que o teu trabalho como estagiário foi tão bom.

Anônimo disse...

Adorei, Anna! O ato falho e tal, tudo deu um tom realista ao texto, nada de hipocrisias. Quando oPavarotti morreu, pensei: nossa, será que vivo em outro mundo? Deve ter morrido um monte de gente que eu nem sei, não vejo tv. Qualquer dia faço igualzinho ao meu amigo do Porto: chegou ao Brasil ansioso para ver um show de Cazuza.