31.8.08

Poliana subiu no telhado

Ou: De como a mamãe magrinha, magrinha em breve será apenas uma lembrança esmaecida pelo tempo

Foi anteontem. Toda sexta-feira tenho um compromisso profissional no centro, mais precisamente na Praça Mauá. Saí de casa mais cedo do que o usual, para antes fazer depilação. A sádica de plantão foi muito eficiente, e, vapt-vupt (onomatopéia muito apropriada), terminou rapidinho. Estava adiantada. Então resolvi variar e não ir de metrô, como de costume. Porque o metrô me deixa um pouco longe, ali nas adjacências do Camelódromo, o que dá uma boa andada, e achei que de ônibus poderia saltar mais perto. Atravessei todas as pistas da praia, submergi na passagem subterrânea do Aterro para emergir do outro lado, e peguei um ônibus que nem lembro mais qual, apenas sei que perguntei ao motorista "Passa na Praça Mauá?" e recebi um "Passa" como resposta.
Mas, hélas, não passava. O trajeto era pela Av. Marechal Floriano, que me deixava praticamente no mesmo lugar do metrô, mas foi ainda pior e me deixou muito além da rua do Acre, que é a que eu normalmente pego para chegar na Mauá. Foi aí que começou a confusão. Porque, como ainda era cedo, ao invés de voltar pela Mal. Floriano até a rua do Acre, eu resolvi fazer um caminho alternativo, pegar outra rua paralela que pelos meus cálculos me levaria ao mesmo lugar. Entrei na rua da Conceição, na esperança de virar à direita assim que possível. O que nunca aconteceu. Porque à direita havia o morro da Conceição. A rua da Conceição vira obrigatoriamente para a esquerda e passa a ser rua Senador Pompeu. É uma rua muito antiga, só de velhos sobrados, a imensa maioria em péssimo estado. Muito pouca gente passava por ali naquela tarde de sexta. Essa parte do centro do Rio é totalmente desconhecida por mim. Não tem o ar esnobe de Fifth Avenue da Rio Branco, não tem o teor popular-rodrigueano na Presidente Vargas, não tem o charme decadente da Praça Tiradentes, não tem a vitalidade do Saara nem o ar bucólico da Cinelândia e Praça Paris, tampouco o caráter estado-novista da região da Marechal Câmara e Presidente Wilson, com seus imensos prédios que um dia foram ministérios, alfândegas e paços imperiais. Tudo ali, na região da Praça dos Estivadores, rua Camerino (onde desemboquei), me pareceu a cidade do bota-abaixo pré-Pereira Passos que simplesmente não veio abaixo, ficou como era. Passei por um lugar chamado Jardins Suspensos do Valongo, uma muralha com escadaria no meio, e fiquei com imensa vontade de voltar para conhecer. Mas já não podia acreditar na incomensurável volta que estava dando, já pensava ter entrado numa nova dimensão, num espelho de Alice, qualquer coisa assim, quando por fim vi uma placa escrito rua Sacadura Cabral, enfim uma referência conhecida, e pude virar à direita em direção à Praça Mauá, meu mítico destino.
E foi aí que eu vi. Num despretensioso mercadinho na Sacadura Cabral, naquelas 4 da tarde de sexta-feira, vi um freezer de sorvete. Ora bolas, dirá minha leitora magrinha, e daí? De fato, e daí? Bom, minha cara, daí que não era um freezer da Kibon. Nem da Nestlé. Olha, nem mesmo do sorvete Itália. Hmmm, começa a se interessa aquela leitora mais gulosa. Pois, querida. Era um freezer da Garoto. Ah, você também não sabia da existência de picolés Garoto? Nem eu. Mas a leitora chocólatra já entendeu o que isso significa: picolés Serenata de Amor. Batom. Opereta. Mas, acima de tudo, picolés Talento. Do vermelho, do verde e do preto.
A leitora sofisticada não se cansará de tecer loas à excelência do chocolate belga, à consistência do Lindt, no mínimo ao suave toque do chocolate Kopenhague. Que seja. Pra mim não tem melhor relação custo-benefício do que a barra de 100g do Talento. Um chocolate que a gente morde com vontade, que come, come, come até saciar de verdade.
Era minha primeira vez. Fui no vermelho - chocolate com avelãs. Indescritível. Desde então vivo por aí à espreita dos mercados e padarias, procurando de novo aquele freezer amarelo da Garoto. Se não achar, sexta-feira que vem já sei que novamente vou me perder a caminho da Praça Mauá.
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13 comentários:

Anunciação disse...

Oba,será que aqui pelo fim do mundo já tem?Vou procurar.

Anônimo disse...

Que périplo....
Mas com final feliz... Os jardins suspensos de valongo foram assunto de Ana Lúcia do Memória... Não sei se voce tem acesso... Vi ainda na época em que ela escrevia no blog aberto...
beijos

Anônimo disse...

Provei o sorvete Garoto em uma ida a Vila Velha, terra Natal da garoto, no início deste ano...
lembro de lamentar aos quatro cantos a inexistência do sorete no Rio de Janeiro.
Disseram que chegaria, mas não sabiam ao certo quanto...
Vi outro dia os mesmos sorvetes em uma padaria na barra. Fiquei tão feliz, parecia criança.. :)

vera maria disse...

Pô, ana, esse post está uma covardia, não só pelo que trata, e como, mas pelo que diz, e tanto! Bem escrito demais. Vou ficar sonhando com esse picolé e quando um dia o achar vou dizer: o sorvete da ana, oba!:) E como está mathilde, tudo bem?
beijo,
clara lopez

Isabella Kantek disse...

Anna, não só o picolé me apeteceu, como a sua descrição do Rio que, infelizmente, tão pouco conheço. =/
Belo texto!

Cam Seslaf disse...

Eu também achei o post uma delícia, melhor que chocolate.

vera maria disse...

Voltei pra ler de novo, e achei bom demais de novo. Se houver algum concurso de crônica, manda essa ana :)
beijo,
clara

Anônimo disse...

ih, nem precisa se perder. dependendo da lábia do vendedor, teremos aqui pertinho, no mercadinho da bambina, aquele perto do albergue de gringos, que vende chinelos havaianas às centenas. estava hoje comprando uma coca cola e vi que chegou um rapaz oferecendo para colocar a geladeira lá. quase perguntei se podia ser na minha casa, hahaha

F. disse...

Chocolates, sorvetes (de qualquer marca), nada disso mais faz parte do meu universo. E garoto, aqui, é puto ou miúdo, ao gosto do freguês... Saudades do meu Rio de Janeiro.

jayme disse...

Que delícia de passeio pelo Rio de Janeiro! Faça mais. Quanto ao sorvete, há tempos que tenho notícia de que, embora a Nestlé leve a fama, a Garoto faz o melhor chocolate do Brasil.

Anônimo disse...

Anunciação, vale a pena dar uma busca por aí.
Liliane, tenho acesso ao blog da Ana Lucia, mas não lembro de ter lido sobre essa região do Valongo. Mas parece ser uma área cheia de história, além de bonita.
Fernanda, acho que o sorvete Garoto chegou pra ficar. Já vi pra vender na Glória também. Oba.
Clara, hehe, vou adorar isso de 'o sorvete da Anna', ha, quem diria. Mathilde está ótima, uma figura.
Isabella, nessas horas é que a gente vê que mesmo morando a vida toda nesta cidade ainda conhecemos muito pouco.
Cam, o post pode ter ficado bom, mas melhor que chocolate é difícil. Gentileza de sua parte.
:-)
Ângela, detesto aquele mercado. Eles cobram preços exorbitantes. E o cúmulo dos cúmulos, não seguem a tabela dos picolés! O único lugar do mundo em que os picolés vêm com etiqueta de preço, em média uns 10 centavos mais caro do que o preço de tabela. Onde já se viu? Eu boicoto, e conto com a sua adesão.
F., acho muito engraçado isso de chamarem os meninos de putos em portugal e angola. Poderiam exportar para Angola, os chocolates Puto. Que tal?
Jayme, a Nestlé faz chocolate lá pros suíços dela. Viva o Espírito Santo, terra da Garoto.

Helion disse...

Oi Anna, sabe que você passou por alguns lugares especialmente interessantes do nosso Centro Velho? Na esquina da rua da Conceição com a primeira de quem vem da Marechal Floriano, tem um botequim, ali em frente da saída da garagem do Pedro II, que faz (mas não espalhe) uma das melhores empadas do Rio.

E naquela rua decadente, à esquerda, a Senador Pompeu, sobrevivem alguns cortiços do século XIX, alguns até tombados pelo SPHAN, com gente habitando e tudo? Ficam meio escondidos atrás de umas portas semiabertas, se prestar atenção você vai acabar reparando.

E bons passeios procê.

Helion

Aquela disse...

Olha só, vou confessar: fui ler o post comum sabor de vingança na boca, pensando, "ah, bom , finalmente acabou aquele papo de voltei a caber em todas as minha calças..." Ledo engano, mas em 'capensação' deliciei-me com sua descrição do Centro do Rio, Anna. Show de bola - e eu nem merecida, dadas as minhas péssimas motivações...
Beijão!