15.7.10

Serenity NOW!

.Hormônios da gravidez. Taí uma coisa que nunca, jamais deve ser menosprezada. Impressionante como a gente fica descompensada, 8 ou 80, nessa fase. Os mais engraçadinhos podem querer sugerir que somos assim sempre e simplesmente agora temos uma boa desculpa. Boa tentativa, mas não é verdade.
Veja outro dia, quando resolvi fazer compras no supermercado porque não tinha nada em casa. Foi duas semanas atrás, dia 1º. Eu não me toquei que era dia 1º, caso contrário não teria ido (banco e supermercado, de preferência só depois do dia 10). Marido estava viajando, e M. dormiu aqui em casa para eu poder ir à hidro na sexta às 6h40 (sim, eu persevero!). M. foi buscar Mathilde na creche e eu fui direto do trabalho para o mercado (os mercados, aliás -- o HortiFruti para as coisas frescas, e o Mundial para as coisas industrializadas, que é como normalmente faço). Para isso, naquele dia excepcionalmente tinha ido de carro para o trabalho, por causa das compras.
Saí do trabalho umas 18h50, por aí, rumo ao HortiFruti, pois o mais urgente mesmo era comprar frutas, legumes e verduras. Para tanto, peguei a rua Mena Barreto. Que, sabemos todos, é uma rua engarrafada a qualquer hora, mais ainda no horário do rush. Mas seriam só uns 3 quarteirões nela, e para evitá-la a opção seria dar uma volta muito grande pela também congestionada rua São Clemente. Mas aí, veja. A rua não estava engarrafada. Estava parada. Mesmo. Entrei numas de não me perturbar. Como não estou acostumada a pegar carro na hora do rush, acho que estou sempre over-reacting, que o trânsito vai devagar mas acaba andando.
Coloquei Memórias Cantando do Paulinho da Viola e fui cantando junto Nova Ilusão, que é aquele primor de música de Claudionor Cruz e Pedro Caetano. É dos teus olhos a luz/ Que ilumina e conduz/ Minha nova ilusão. A música terminou e acho que não tinha avançado nem um metro. Veio a segunda faixa, a terceira, a quarta, e não estava nem no meio do quarteirão. Quando começou O Velório do Heitor, que é a oitava faixa (Havia um certo respeito/ No velório do Heitor/ Muita gente concordava/ Que apesar de catimbeiro/ Era bom trabalhador), eu já desconfiava que aquilo ali não estava normal. Acabei virando na primeira esquina possível e resolvi ir antes no Mundial, e no HortiFruti depois.
Para estacionar no Mundial, fila de carros parados em plena Voluntários da Pátria. A essa altura já estava ouvindo Nova Ilusão de novo. Se um beija-flor descobrisse/ A docura e a meiguice/ Que os teus lábios têm/ Jamais roçaria as asas brejeiras/ Por entre roseiras/ Em jardins de ninguém. Finalmente estacionei e cheguei a um supermercado totalmente lotado. Respirei fundo, fundíssimo, fundérrimo, comprei o que tinha de comprar, e encarei uma fila grande para passar no caixa, com direito, é claro, à mulher que estava na minha frente e esqueceu de pesar uma carne qualquer, então teve de voltar lá na seção de carnes enquanto a caixa ficava ociosa e a fila bufava.
Paguei, pus as compras no carrinho e desci até a garagem, guardei tudo na mala do carro (alguém aí ajudou a grávida? não? pois é). Não me arrisquei a tentar a Mena Barreto de novo. Dei a volta pela São Clemente mesmo, peguei a 19 de Fevereiro até a General Polidoro, cheguei no estacionamento do HortiFurti às 20h45 ouvindo Coisas do Mundo, Minha Nega e tentando manter a sanidade enquanto pensava 'Que disco bom, este, que se pode ouvir tantas vezes seguidas sem cansar'. Hoje eu vim, minha nega/ Querendo aquele sorriso/ Que tu entregas pro céu/ Quando te aperto em meus braços/ Guarda bem minha viola/ Meu amor e meu cansaço.
Subi a rampa do estacionamento apenas para encontrar um funcionário balançando a cabeça para mim, fazendo que não. Abri a janela. "Senhora, o HortiFurti já fechou".
Eu, em meu estado normal, teria voltado pra casa p. da vida, soltado os cachorros e xingado quem me aparecesse pela frente. Mas eu, em meu estado gravídico, o que faço? Chego em casa, Mathilde vem me dar um abraço apertado e amorosíssimo e eu... caio em prantos! M. vem assustada me perguntar o que houve, e tudo o que eu consigo dizer é "Não consegui ir ao HortiFruti! Buááááá!!". M. me olha com cara de ponto de interrogação, Mathilde não entende nada ("Não chora, mamãe!"), e eu balbucio coisas desconexas, mais ou menos algo como "tenho tão pouco tempo para passar com minha filha, mas acabo perdendo duas horas preciosas presa no trânsito, e nem ao menos consigo trazer para casa as frutas e verduras que estavam faltando, e tanto esforço para nada, e sou um fracasso doméstico", etc. etc.
Isso, meus amigos, são os hormônios em ação.
Os hormônios da gravidez não nos deixam apenas supersensíveis. Ficamos também incrivelmente pilhadas para fazer coisas, consertar, resolver pendências, tocar as coisas para a frente. Em tudo há um senso de urgência -- e por conseguinte uma imensa frustração quando não conseguimos fazer as coisas caminharem (como as obras paradas do meu prédio, que eu sinceramente tenho tido vontade de terminar com minhas próprias mãos - Me segura, se não eu subo nesse andaime). Nada mais compreensível que essa urgência: há um prazo, há a inevitabilidade do curso da natureza, bem aqui, dentro do nosso corpo. E é terrível notar que quem não está grávido simplesmente não está acompanhando essa sua pilha absurda.
Coisas do mundo, minha nega.
***
Serenity Now é um episódio de Seinfeld, e é o que eu tenho me esforçado muito, muito para conseguir.
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4 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, que post ótimo, acompanhei você todo o tempo nesse périplo, fiquei irritadíssima no engarrafamento, razão por que não dirijo mais, ao menos agora sento no banco de trás do táxi e cochilo, e - maravilha das maravilhas - ouvi todas as faixas do paulinho da viola, que são a beleza em forma de canção, além de repousante a voz, o timbre, tudo em paulinho faz bem ao coração.
grande abraço, paz e energia,
clara

MegMarques disse...

Eu te entendo.

Para se acalmar na hora do trânsito parado (ou em outra hora de stress) faça este exercício zen: junte as pontas dos dedos médio, indicador e polegar de cada mão, cruze as mãos logo acima dos pulsos e diga OHMMMM.

Não adianta nada, eu sei. Mas dá a impressão de que estamos fazendo alguma coisa boa. :)

Viviane Zion disse...

que saga!

sorte na próxima vez! saúde pe vc e pro baby.

abs.

Carrie, a Estranha disse...

Nossa. Que medo. Imagina eu, q já nem sou tão equilibrada naturalmente...talvez a gravidez seja pra poucas.