15.3.11

Livros e seus leitores

Livros de Diana e Rodrigo, México
Como já escrevi aqui antes, fiz no ano passado um cadastro de leitor-vendedor no portal de sebos Estante Virtual, por meio do qual posso cadastrar até 100 livros para vender no site, sem precisar pagar nada por isso (a menos que eu venda mais de R$200 por mês, quando então tenho de pagar 5% de comissão, o que acho muito razoável). Minha primeira venda aconteceu em maio de 2010, e de lá para cá vendi 30 livros através da Estante Virtual. Somando esses com uma meia dúzia que vendi para os leitores do blogue, e mais uns 15 que mandei por meio do site Trocando Livros (e recebi outros tantos de volta, como Órfãos do Eldorado, do Milton Hatoum, quatro livros do Garcia-Roza, um livro sobre investimentos que despertou minha curiosidade, a biografia de Machado de Assis, o badalado livro da Tatiana Levi, A chave da casa, que li achando que não ia gostar mas acabei gostando bastante, e principalmente, o exemplar em inglês de Os Pilares da Terra, livro que, como vocês já sabem, passei a disseminar com o fervor dos missionários), já são uns 50 livros de que me desfiz nos últimos dez meses.

Livros do Mohammed, Malásia

Até aí nada de mais. Qualquer um pode se desfazer de muito mais de 50 livros em um único dia, vendendo para um sebo, doando para uma biblioteca ou coisa que o valha.

Mas o que me deixa especialmente satisfeita é saber que esses livros, que estavam apenas acumulando poeira e ocupando espaço na minha casa há vários anos, estão agora nas mãos de pessoas que realmente os querem, a ponto de se darem o trabalho de comprá-los -- ou seja, entrar em contato comigo, pegar o número da minha conta, depositar a quantia acertada, aguardar pacientemente pela entrega do correio.

Livros da Dagmara, Polônia
Está sendo curioso perceber como alguns livros comprados na época da faculdade de comunicação se tornaram raros e portanto valiosos. Tiragens pequenas feitas por editoras idem. Livros que não devem ter custado muito mais de R$15 ou R$20 há dez anos e que vendi por mais de R$50, sendo o mais incrível de todos o caso de Ética, do Alain Badiou, 100 míseras páginas já um pouco amareladas que saíram a R$65 + frete para um leitor de Campinas. Ah, a gloriosa lei da oferta e procura.

Livros da Cathe, Estados Unidos

Mas o mais interessante é ver o destino que meus livros estão encontrando. É uma espécie de retrato 3x4 da carência de livrarias e bibliotecas no Brasil. Livros muito fáceis de achar, clássicos como Quarup de Antonio Callado ou O Senhor das Moscas, de William Golding, livros que vendi por ter duas edições diferentes, foram parar no interior da Bahia e em Nilópolis. Um Baudrillard que não me interessa mais seguiu para Blumenau, e um suspeito livro sobre sapateado foi-se embora para Florianópolis. Uma antologia de poesia africana em língua portuguesa foi parar em Santa Cruz, um dos bairros mais populosos da Zona Oeste do Rio, e que eu me pergunto quantas livrarias terá, se é que tem alguma. Para o interior do Amazonas seguiu um livro ultra específico, sobre Walter Benjamin (era tão no meio do Amazonas que o correio demorou quase um mês para entregar). E para Maceió foi um exemplar de contos de um autor alagoano, editado e impresso em Alagoas, mas que teve que passar por Botafogo para encontrar um leitor conterrâneo.  O litoral paulista também comparece. Para Santos foi o livro sobre o pensamento de esquerda nos EUA no século XX, e para o Guarujá um livrinho (bem ruizinho, diga-se) sobre jornalismo cultural, daqueles que a gente compra no início da faculdade, pura empolgação. De BH apareceu alguém interessado em Hannah Arendt escrevendo sobre a política em Kant (e por que eu um dia comprei este livro, que aliás nunca li, permanece um ponto obscuro em minha biografia). Partiram daqui também um ou outro exemplar daquela famosa coleção Debates, da editora Perspectiva, vários livros sobre cinema que eu jamais leria novamente (inclusive um em francês), livros sobre Nietzsche, um volume certamente datado sobre "as tecnologias do virtual" publicado em 1993, e, para minha surpresa, a edição original de um romance americano lançado no Brasil há uns 10 anos foi parar nas mãos de um empolgado leitor anglófono em Teresina.

Livros da Anna, Grécia
O desapego dos meus livros foi uma das melhores coisas que me aconteceram depois da última arrumação cum reforma que fizemos aqui em casa*. Passei a valorizar muito o espaço disponível, e vi que muitos livros, definitivamente, não estavam fazendo jus ao espaço que ocupavam. Crescemos acostumados à noção de que uma grande (no sentido de extensa) biblioteca é uma coisa importante. Basicamente porque, ao longo dos séculos, ter uma grande biblioteca possibilitava encontrar uma enorme gama de informações, quando necessário. Nem preciso dizer que essa utilidade, pelo menos num nível cotidiano, doméstico e generalista, é amplamente suprida hoje em dia pela internet. Então a biblioteca pessoal passou a ser, pelo menos para mim, a coleção dos meus livros do coração, aqueles pelos quais nutro um sentimento, aqueles que me dizem ou me disseram algo de importante, aqueles aos quais quero voltar muitas e muitas vezes. Ou ainda, aqueles que ainda não li, mas dos quais tenho grandes esperanças de bons momentos futuros.

Livros do Gert, Holanda

Que não pareça que não tenho apreço pelas bibliotecas institucionais e públicas. Muito pelo contrário. Como acho que já disse aqui antes, muitos dos livros que tenho e que não quero mais nem deveriam ter sido comprados por mim, em primeiro lugar, pois foram meros frutos de curiosidade que não tiveram um final feliz. Num mundo ideal, eu teria pego esses livros numa biblioteca e visto se me apeteciam ou não. Por isso sou grande entusiasta das bibliotecas públicas, e acho que esses espaços são capazes de fazer uma diferença fundamental na formação de qualquer leitor -- melhor dizendo, de qualquer ser humano.

Livros da Maggie, Estados Unidos
Mas na micro-esfera, poder dar um destino mais feliz e mais justo a esses livros que estavam desprezados por mim me enche de satisfação, e recomendo a todos que façam o mesmo -- doem, vendam, troquem, mas saibam que é muito mais bacana fazer no varejo do que no atacado, mesmo com o trabalho que é dar número de conta, checar se o dinheiro caiu na conta, ir ao correio, informar o número do registro etc. No mais, continuem checando a lista de títulos disponíveis aqui ao lado, no Mini Sebo Terapia Zero**. Estou sempre atualizando e, para leitores do Rio, troco qualquer um deles por um bom papo regado com chopes e uma porção de batatas fritas.

*Outras melhorias dignas de menção foram o filtro-que-gela, que me fez beber muito mais água e abrir muito menos a geladeira, e a aquisição de um espetacular ultra-mega-blaster espremedor de suco de laranja ("extrator de suco", é como chamam os especialitas) que me fez beber muito mais suco de laranja, mas num nível profissional, tipo com espuminha de laranja, saca?
** Aliás e a propósito, descobri um site co-irmão, o MiniSebo da Lee. Já viram?
*** Todas as fotos retiradas do site Your Shelves!

10 comentários:

Felipe Sali disse...

Oi tudo bem?
Gosto muito do seu blog.
Aceita parceria de link´s?
abraços

Anônimo disse...

Fiz um longo comentário sobre o assunto que vc trata aqui, mas até agora não saiu. Sairá? :)
abraço,
clara

anna v. disse...

Felipe, obrigada pelo comentário. Você pode linkar como quiser.

Clara, saiu sim, mas no post "Maldita", abaixo. Vou copiar aqui para responder.

Clara disse:
"Tenho planos de embarcar nessa viagem, passar adiante grande parte de minha biblioteca, sobretudo a acadêmica, que não faz mais sentido hoje manter e pode ser útil a mais gente que ainda esteja na estrada.
Não sei como fazer preço, pensei em dar um valor só para todos os livros, o que vc acha, anna? Porque dá muito trabalho ver preço de um por um, há muitas variáveis, como eh que vc decidiu o preço justo de cada livro, pra mim é o mais complicado.
beijo,
clara"

Clara, essa é a parte que dá trabalho, cadastrar um por um, estimar o peso (para cálculo do frete) e dar um preço para cada livro. A venda "no varejo" dá trabalho e pressupõe que muitos livros ainda ficarão muito tempo na sua casa. A saída é lenta e gradual.
Para estabelecer os preços eu vejo se o livro é raro, como foi o caso do Badiou e outros mais. Se não for, se tiver muitos exemplares à venda, eu olho para o livro e vejo quanto eu acho que ele vale. Simples assim. Não coloco um preço baixo demais porque tem que justificar o meu trabalho de envelopar, endereçar e ir até o correio postar.

Cláudio Luiz disse...

Lógico que eu tinha que gostar do mais caro - 1000 ideas - mas por enquanto vou ficar só paquerando de longe. eheheheh

Anônimo disse...

Obrigada, anna, eu imaginei que fosse a parte mais trabalhosa, a de dar preço, por isso pensei em dar um mesmo valor a todos, digamos, 15 reais, e um compensaria o outro, porque não tenho o seu feeling de olhar pro livro e avaliar quanto ele poderia custar, teria de ir verificar em sites, mesmo no estante virtual, enfim, bastante trabalho, além das idas ao correio. De todo modo, vou tentar fazer isso com calma, ainda estou na parte de catalogação, e com a tendinite tudo ficou mais devagar.
beijos, merci,
clara

anna v. disse...

Claudio Luiz, troco o "1000 ideas" por váááários chopes, se você organizar um evento com os suspeitos de sempre: Fridas, Ângela, Ana Paula.
Saudades desse povo.

anna v. disse...

Clara, eu faço devagar, aos poucos. Cinco livros num dia, dez livros na semana seguinte, etc.

Cláudio Luiz disse...

Anna, a agenda destas meninas está impossível... mas estão discutindo a marcação de "um chopps". Assim que se confirmar, lhe aviso. E você vai por minha conta, mesmo que depois eu tenha que ficar lá lavando a louça. ehehehehh

anna v. disse...

Cláudio Luiz: combinado! Vou ficar esperando, hein? (sentada, haha)

. disse...

:) anna, obrigada pela citação. só vi hoje. beijos!