27.8.10

O Reebok Madeleine


Hoje vivi um momento proustiano.

(Verdade seja dita, nunca li nada de Proust, a não ser o primeiro volume de uma versão em quadrinhos de Em busca do tempo perdido que meus amigos P. e K. me deram de aniversário alguns anos atrás, e da qual nem gostei muito. Mas basta um pouco de cultura geral para saber que o episódio da madeleine é "o" grande exemplo de experiência sensorial evocando memórias há muito adormecidas. E chega de didatismo por ora.)

Já estou naquele momento da gravidez em que aspirar a qualquer vestígio de elegância é uma tarefa inglória. Poucas roupas entram, as que ainda cabem dificilmente caem bem, temos que lançar mão do "estilo Obelix" e outras deselegâncias similares. Acaba que repete-se muito algumas poucas peças do vestuário - 1 ou 2 calças, 1 ou 2 vestidos, as saias de elástico que não ficam muito curtas quando colocadas lá em cima da barriga, e algumas blusas escolhidas, de preferência evitando-se aquelas largonas que caem nada graciosamente por cima do complexo peitos-barriga, te deixando com cara de bombom.

Em resumo, não é fácil.

E tem ainda a questão do sapato. Que para os finais de semana tudo bem, me viro bem de tênis, chinelinho ou coisa que o valha. Mas para o trabalho é diferente, pois eu costumava ir de sandálias ou sapatos de salto -- salto baixo, nada muito arrumado, mas enfim, condizente com meu novo estilo pessoa-que-passa-lápis-e-sombra-para-trabalhar. E agora não tem dado mais para ir com esse tipo de calçado, especialmente porque tenho ido e voltado a pé todo dia, e ainda mais, continuo vindo almoçar sempre em casa. Tudo isso a pé, e cerca de 20 minutos de caminhada cada ida ou cada volta. Em outras palavras, 80 minutos por dia andando com essa barriga de 31 semanas que não está nada pequena. (Justiça seja feita: Marido sempre se oferece para me levar/buscar de carro, mas o trânsito tem andado tão ruim que não vale a pena, o trajeto de 5 minutos leva 30).

Por isso tenho usado basicamente uma Melissinha transparente-vai-com-tudo, uma sandália rasteira ótima da linda loja Outer, e meu par de tênis Nike. E, claro, nada se compara ao tênis. Na atual conjuntura, faz uma diferença incrível em matéria de conforto. Chego ao destino (casa ou trabalho) efetivamente menos cansada. Mas, ainda que seja um modelo azul marinho, esse tênis tem um quê de esportivo que não me deixa assim tão à vontade. Por isso tenho há alguns meses procurado um tênis bem confortável mas que seja preto e com uma cara menos de corrida, sem refletores nos calcanhares, sem detalhes verde-limão, sem aquela coisa meio transparente-absorção-de-impacto no calcanhar. Não deveria ser assim tão difícil, mas.

Já procurei à beça, e nada. Virou até uma piada interna minha com Marido. Cada vez que ele diz que vai a algum lugar (supermercado, shopping, loja tal, viagem à Itália etc.) e pergunta "quer alguma coisa?", eu respondo "quero sim, um tênis preto, bem confortável, mas com uma cara mais social e menos esportiva". (Ok, contando assim não ficou engraçado.)

Então hoje, que Mathilde foi para a casa da avó fazer farra junto com o primo-que-ela-mais-ama-no-mundo, e vai dormir lá, aproveitei para passar no xóps-cênts depois do trabalho, para comprar um presente de aniversário. Missão cumprida, presente devidamente comprado, resolvi entrar, por puro desencargo de consciência, numa loja de tênis e material esportivo. E aí vi, ali quietinho, de perfil ao lado de outros tantos modelos, em cima daquelas microprateleiras típicas de lojas de tênis, um exemplar preto do "Reebok Classic Princess Shoe Women's", modelo mais emblemático da minha adolescência. Esse da foto lá em cima. Sim, sim. Na primeira metade dos anos 90, todo mundo tinha -- ou desejava ter -- esse tênis. Todas as meninas, pelo menos. Havia o preto e o branco.

Olhei, peguei, passei a mão. Estava em promoção, um preço razoável. Pedi para ver o tamanho 36. O vendedor trouxe. Calcei. Esse tênis tem uma palmilha diferente, meio aveludada, que faz com que você tenha ainda mais a impressão de que está pisando no macio. E foi ali a hora da madeleine. Lembrei de tudo. Quase 20 anos atrás, a gente usava esse tênis com meia de cano bem curto, ou então sem meia. Em geral, com uma bermuda jeans da Dimpus e camiseta para dentro da bermuda na parte de trás, mas caindo para fora da bermuda na frente. (Pensando bem, era estranhíssima essa moda.) Ou de saia jeans da Yes Brazil. Ou calça jeans da Company. Lembrei ainda que, em 1997, quando fiz uma viagem de meses pela Europa, de mochila nas costas, só tinha esse tênis e um chinelo de dedo, e mais nenhum calçado. Usava esse mesmo tênis preto para ir à ópera ou para caminhar dez quilômetros.

Fiquei olhando o tênis no meu pé e sorrindo. Não só o tênis tinha um valor sentimental, como também era exatamente o que eu estava procurando. (E em promoção!) Puxei papo com o vendedor, um rapaz de uns 20 anos ou menos, e ele me disse que sim, estavam relançando, que o branco por exemplo vendeu muito, quase não tem mais. E eu me senti uma senhora de meia idade, mas não pude evitar explicar-lhe que no início dos anos 90, ele certamente não se lembrava, mas todo mundo tinha esse tênis. Ele riu e disse que nasceu nessa época. Eu sorri de volta, passei a mão na barriga, pensei em Oliver e Mathilde, e me levantei para ir ao caixa pagar.

17.8.10

Trivial variado

Tirando um pouco da poeira por aqui. Porque, né. 29 semanas e uma barriga que não tem mais tamanho. E dentro dela, o pequeno kickboxer. Ainda inominado, pobrezinho.

Mas estive em São Paulo, para a abertura da Bienal. Gosto de ficar no estande, vendo quem são as pessoas que compram os livros, conversando com elas. Porque trabalhando em editora a verdade é que temos muito pouco contato com os leitores. Agora até um pouco mais, com as contas no Twitter, Facebook, com os hotsites e blogues e espaço para comentários. Mas mesmo assim, presenciar o momento em que a pessoa se decide a comprar um livro, olha, folheia, escolhe e leva no caixa, é sempre interessante.

E tem os famosos "autores de Bienal", criaturas que chegam no estande com seus livros, seus projetos, e deixam sempre algum material na sua mão. Nessas situações, já entendi que o melhor é aceitar o original, em vez de tentar fazer a pessoa entender que não vai ser possível lançar seu livro pela editora. E, claro, sempre dar um retorno algum tempo depois, porque até mesmo autor de Bienal merece consideração. (E pra quem acha que estou sendo injusta, inflexível, cética, cínica ou tenho a mente fechada a grandes talentos, só tenho a dizer o seguinte: ã-hã.)

Tem também as "editoras de Bienal", das quais nunca ouvi falar, só vejo nesses eventos, com seus pequenos estandes e vários livros publicados. Antigamente diziam que no Brasil há mais editoras do que livrarias. Não sei se é verdade, mas me parece possível.

No mais, Bienal é encontrar os amigos, saber das fofocas do mercado, ver os lançamentos, aproveitar as promoções. Voltei com mais Simenons na mala, inclusive o Burgomestre de Furnes, que fiquei com tanta vontade de ler depois da resenha do Milton Ribeiro. Aliás, no estande da L&PM fiquei conversando com o "L" da editora, sujeito gente fina toda vida, que conheci alguns anos atrás, e achei que, sei lá por que, era como se estivesse conversando com o Milton Ribeiro - que não conheço pessoalmente, nunca ouvi a voz. Aquele sotaque portalegrense, aquele senso de humor gaúcho, e uma boa conversa sobre os livros e a vida... E pelas fotos que o Milton coloca no site de vez em quando (em geral alardeando sua semelhança com o presidente do Irã), os dois são mesmo parecidos. Bah.

Essas viagens a trabalho em geral são chatas no que diz respeito ao "operacional" -- aeroporto, avião, mala, táxi, hotel. Mas se tem uma coisa que eu gosto é de chuveiro de hotel. Aquela ducha forte e super quente, uma pressão d'água que não tenho em casa. Mas se tem uma coisa que eu gosto mais ainda é finalmente descobrir como funciona o chuveiro do hotel. Sempre tão difícil! Desta vez fiquei no soidisant "maior hotel do Brasil" e cheguei às raias da humilhação: chamar uma pessoa da manutenção para me mostrar como eu fazia para que a água saísse do chuveiro normal e não daquela duchinha de mão (estilo "banho europeu"). Acho que, enquanto gestante, a gente perde os pudores de pagar esses micos. Lembrei também de um episódio de Seinfeld em que rola um diálogo sobre por que os lençóis de hotéis são tão desumanamente apertados e presos sob o colchão, a ponto de você se preocupar se não vai deformar os pés caso resolva dormir de barriga pra cima. Mas o mais inacreditável do "maior hotel do Brasil" é o café da manhã. Acho que nunca tinha tomado meu desjejum na companhia de outras mil pessoas. É, digamos, intrigante.

No mais, tenho lido bons livros, sobre os quais pretendo escrever em breve. E os casos do Awful First Dates têm me feito rir quase tanto quanto os do Slush Pile Hell. E adicionei hoje à minha lista de desejos praticamente irrealizáveis o Good Morning Sir Alarm Clock (que tal ser acordado por uma voz de mordomo inglês dizendo It appears to be morning. Very inconvenient, I agree. E outras 120 frases).

Nível de bobagem anda alto, admito. Mas é fruto da necessidade.

4.8.10

Quem me ensinou sabia

Já escrevi aqui antes que meu über-chefe é o rei do feedback positivo. Pra qualquer coisa, mesmo um simples email. Basta eu copiá-lo numa mensagem para outrem, e em seguida lá vem ele: "Maravilha de mensagem, que alegria!", "Querida Anna, é sempre um prazer ler suas mensagens", "Você é uma craque", ou coisa que o valha. Super bacana. Mas a verdade é que eu aprendo muito com ele, que é o craque supremo das mensagens gentis, mesmo quando trazem más notícias (como contei aqui). Por isso, dia desses, em resposta a um desses feedbacks positivos, usei o bordão de Wilson das Neves: Quem me ensinou sabia - querendo, claro, me referir a ele mesmo (ele = o chefe, não o Das Neves!).

E sigo nesse ritmo, sempre prestando atenção para aprender com quem realmente sabe. Em 2006, por exemplo, escrevi um post falando sobre Fórmula 1, esporte chato e cuja popularidade me parece tão estranha. Textinho ok, tem lá sua graça aqui ou acolá, mas nada de grandes brilhantismos. E agora leio este texto do Simas, sobre o mesmo assunto. Vai, Anna, aprende com quem sabe!

O circo da Fórmula 1 consegue unir de forma impressionante meninos mimados, babacas, bundões e gangsters da pior espécie. É a imagem bem acabada do que há de pior na sociedade de consumo: o culto ao dinheiro, a veneração pelo carro, as artimanhas da propaganda, o individualismo, o poder das grande empresas, a vulgarização do corpo feminino, a ética perversa de que os fins justificam os meios, o desperdício e o banditismo dos bacanas.

(Este é só o primeiro parágrafo. Clique acima para ler o texto inteiro)

2.8.10

S.O.S. (para cariocas)

Sei que aqui não é o melhor lugar para este tipo de pedido de ajuda, mas enfim. O sebinho me fez ver que tenho uns leitores que não costumam se pronunciar, mas acompanham minhas agruras e aventuras. Então lá vai.

Nossa babá/empregada só fica até o final do mês. Portanto, quem tiver alguma indicação, souber de alguém querendo este emprego, por favor escreva para o terapiazero arroba gmail ponto com. A escriba agradece.

E para aumentar o coeficiente de dramaticidade: estou gripada, com uma tosse que não me deixa dormir, e amanhã marido viaja novamente e só volta na outra semana.

*suspiro*

Agora me dão licença que vou ali ler um livro de autoajuda e já volto.

26.7.10

Uma semana na vida de anna v.

A semana foi punk, a bem da verdade. Por mais ajuda que eu tenha (em condições normal, já é muita; grávida então, mais ainda; e com marido viajando, nem se fala), é sempre uma função desgastante e cansativa.

E Mathilde está incomumente agarrada comigo esses dias. Marido e eu custamos um pouco a crer que seja uma coisa psicológica, que ela esteja "sentindo" que Oliver está para chegar (apesar de ainda faltar 3 meses) e por isso já tente compensar a exclusividade que não terá mais. Ela só tem 2 anos e meio, será possível? Mas sei lá, pode ser que seja isso mesmo. Se tem uma coisa que aprendi é que tendemos a subestimar demais as crianças.

Poderia escrever mais sobre todas as coisas engraçadas/fantásticas/inacreditáveis que ela tem feito. Ou sobre os livros que ando lendo. Ou sobre o sucesso do Sebinho (já viu? Aqui do lado). Ou sobre qualquer daqueles outros assuntos de interesse mundial e planetário a que vocês todos já estão tão habituados. Mas depois de uma noite passada quase em claro, porque a pequena está com uma febrinha intermitente e uma tosse desgraçada que não dá descanso durante a noite, vejo-me a obrigada e me recolher. Olha aí, já está tossindo de novo, tadinha.

Diarinho mode on por mais um tempinho.

19.7.10

Um dia na vida de anna v.


Despertador tocou às 6h10, lembrando que é segunda, e tem hidro. O snooze vai até as 6h15, e eu sei que se molengar mais do que isso não chego a tempo para a aula.

Nhé.

Levanto e tenho a casa só pra mim. Marido viajou e Mathilde dormiu na casa da bisavó. É uma sensação especialmente boa, a de estar sozinha em casa desde ontem à noite. Visto o maiô e o roupão, pego a touca, a toalhinha, uma banana e dois cream crackers de gergelim, e saio na rua, quase escura, ainda. Faz frio. Na aula, minhas colegas estão especialmente chatas, e engatam um papo sobre eleições que deus-me-livre-e-guarde. Como sempre, entro muda e saio calada. A arte do guerreiro zen.

Ommmm.

Compro o pão fresquinho no Mercadinho B., e volto para casa, pra tomar café e ler jornal. So-zi-nha. Adoro, adoro. Na ida para o trabalho, passo na feira livre que tem no caminho e compro alecrim, tomilho e manjericão, tudo fresco. Chegando no silviço, guardo os temperos dentro de um armário, que fica impregnado com um cheiro maravilhoso. Às 10h30 tenho uma reunião com meu chefe e mais um monte de mulheres que falam sem parar, todas ao mesmo tempo. Na verdade, não foi ruim. Demos todos ótimas risadas.

Haha, hehe, hihi.

Volto pra casa com os temperos e passo para S. as instruções das novas receitas que quero que ela faça hoje à tarde. Almoço e volto logo para o escritório.

A woman's work is never done.

Tudo bem que eu tinha avisado há uma semana que ia sair mais cedo hoje (16h20) por causa da consulta mensal do obstetra (16h45). Tudo bem que depois do almoço (14h30) eu lembrei, mais uma vez, que ia sair mais cedo. Mas mesmo assim, reunião com über-chefes convocada às... 16h!

Oh, glorious day!

Paciência, saí às 16h35 naquele clima atrasadíssima que não faz bem a ninguém. Consegui chegar ao consultório às 16h50, com a secretária (que também está grávida) dando graças a deus, porque dali a pouco o doutor ia fazer um parto, e eu seria a última a ser atendida. Confesso que, ciente disso, fiquei um pouco desconfortável durante toda a consulta, com uma pressa solidária à parturiente que nem conheço. Mas o doutor é sempre calmo e tranquilo, e a pressa foi toda minha e nada dele. Oliver está super bem, muito ativo e bonitinho.

Hurray!

E eu engordei 2 quilos este mês.

Crap!

Voltei pra casa calmamente, pois S., a babá, ia dormir conosco hoje (marido viajando esta semana), e foi buscar Mathilde na creche. Mathilde chegou calada e ensimesmada, dizendo estar com sono. Mas aí foi só eu vestir o pijama para, do nada, ela ligar na tomada. Não sei bem como, mas acabamos engatando numa brincadeira frenética de pega-pega pela casa antes do jantar. Terminada a comida, a correria foi devida e histericamente resgatada por mãe e filha, enquanto S. falava ao telefone. Aconteceu que a filha mais velha de S. sentiu-se muito mal e estava a caminho do hospital. Liga pra um e pra outro, e S. sem conseguir entender o que estava acontecendo. Claro, mandei ela para o hospital, ficar com a filha, que eu me viro aqui sozinha com Mathilde (e Oliver, né?). Fiquei tranquila aqui com Mathilde, fofa a boazinha. Vimos um DVD até que o telefone tocou, era minha Prima, com quem fiquei mais ou menos uma hora falando, e Mathilde dormiu.

Sweet dreams.

E do hospital S. ligou, às 22h30, para dizer que a coisa estava ruim, a menina está pálida, com febre, sem conseguir se mexer direito, e tem 30 pessoas na frente dela na fila. De modos que. S. não vem trabalhar amanhã. Sendo que também não vem depois de amanhã, porque é o dia da audiência judicial com o ex-marido, para definir o pagamento de pensão para as 3 filhas que ele abandonou depois de quinze anos de casamento (simples assim, ele se mandou para Pernambuco, onde já arranjou outra mulher e está prestes a ter um novo filho, e nunca mandou um tostão para as 3 filhas com quem ele tinha vivido durante toda a vida delas -- nem ao menos telefonou no aniversário das meninas).

Holy shit.

Então cá estou eu -- porque quando marido viaja, tudo acontece -- sem saber muito bem como-será-o-amanhã-responda-quem-puder. Porque 22h30 já é muito tarde para ligar para minha sogra ou minha mãe, então apelei para a cunhada, que mora aqui do lado e sempre se oferece para ajudar. Ela vem de manhã cedo (yay!), mas só pode ficar até umas 11h. Entonces, lá pelas 8h já estarei ao telefone, naquele network familiar básico -- e que sorte poder contar com tanta gente, francamente.

That's all, folks.
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16.7.10

Dicionário analógico da língua portuguesa, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo

.Nem sei há quantos anos ouvia falar deste livro. Era uma espécie de mito lexicográfico, graal dos apaixonados pela língua. Acho que tinha visto um exemplar, uma vez, mas assim de relance, sem poder folhear. Sempre ouvia dizer que iam relançar. Depois de tantas promessas, fiquei cética em relação à veracidade dos boatos.

Finalmente deparei no jornal com a notícia do lançamento da segunda edição, atualizada e revista, do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Dei aquela pesquisada básica de preços e comprei na Fnac (R$57,90).

Para quem ainda não atinou para o que seja um dicionário analógico, eu explico. Como está escrito na capa, é um dicionário de "ideias afins". Ou seja, ele não traz definições, significados e exemplos de uso dos vocábulos, como um dicionário comum. Ele traz analogias. É mais ou menos um dicionário de brain storming.

Eu confesso que o método de organização ainda me foge à compreensão. São 6 grandes "Classes" (Relações abstratas, Espaço, Matéria, Entendimento, Vontade e Afeições) que se dividem e subdividem ad infinitum em "grupos analógicos". Mas o importante é que cada verbete agrega uma série de vocábulos que começam mais ou menos com sinônimos e vão se distanciando gradativamente na associação de ideias até chegar num lugar que só muito remotamente pode ser remetido à palavra original. E o mais legal: esses vocábulos vêm divididos em substantivos, adjetivos, verbos etc.

Abrindo páginas ao acaso e pinçando exemplos (os verbetes são muito maiores do que isso):

Furto - roubo, assalto, apropriação, plágio, saque, pirataria, gatunice, trambique, cleptomania, mensalão, propina, desfalque, estelionato, gazua, pé-de-cabra, caverna de Ali-Babá. Verbos: furtar, roubar, saltear, deitar a mão, surrupiar, usurpar, abiscoitar, enfiar a mão, depredar, receptar, cair no conto do vigário. Adjetivos: ladravaz, gatuno, malversador, desonesto, sub-reptício.

Resposta - réplica, troco, objeção, desmentido, aparte, divergência, oposição, confirmação, aplauso, aceitação, ovação, vaia, correção, censura, Édipo, oráculo. Verbos: responder, solucionar, solver, ponderar, retorquir, objetar, retorquir, emendar, desconstruir, acudir, ecoar, interromper. Adjetivos: responsivo, replicador, conclusivo, reativo, objetável, desconforme, censurável. Advérbios: porque (causa), contestatoriamente. Interjeições: Protesto! Não apoiado!

Acho que já deu para entender o clima, não? Isso é de fato um tesouro para quem gosta de escrever e se preocupa em escrever bem. Aquela história: a língua portuguesa tem mais de 50 palavras; use-as. Um dos grandes diferenciais dessa edição, segundo li em algum lugar, é a presença do índice geral no final do volume. É realmente imprenscindível, caso contrário encontrar uma palavra específica vira mesmo um trabalho de maluco.

Vale a pena visitar o site oficial do dicionário, onde há vários outros exemplos de verbetes, além do ótimo prefácio do Chico Buarque (que curiosamente assina "Francisco Buarque de Hollanda", como se o ambiente lexicográfico obrigasse a tais formalidades), apresentação, prólogo, dados técnicos etc.
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15.7.10

Serenity NOW!

.Hormônios da gravidez. Taí uma coisa que nunca, jamais deve ser menosprezada. Impressionante como a gente fica descompensada, 8 ou 80, nessa fase. Os mais engraçadinhos podem querer sugerir que somos assim sempre e simplesmente agora temos uma boa desculpa. Boa tentativa, mas não é verdade.
Veja outro dia, quando resolvi fazer compras no supermercado porque não tinha nada em casa. Foi duas semanas atrás, dia 1º. Eu não me toquei que era dia 1º, caso contrário não teria ido (banco e supermercado, de preferência só depois do dia 10). Marido estava viajando, e M. dormiu aqui em casa para eu poder ir à hidro na sexta às 6h40 (sim, eu persevero!). M. foi buscar Mathilde na creche e eu fui direto do trabalho para o mercado (os mercados, aliás -- o HortiFruti para as coisas frescas, e o Mundial para as coisas industrializadas, que é como normalmente faço). Para isso, naquele dia excepcionalmente tinha ido de carro para o trabalho, por causa das compras.
Saí do trabalho umas 18h50, por aí, rumo ao HortiFruti, pois o mais urgente mesmo era comprar frutas, legumes e verduras. Para tanto, peguei a rua Mena Barreto. Que, sabemos todos, é uma rua engarrafada a qualquer hora, mais ainda no horário do rush. Mas seriam só uns 3 quarteirões nela, e para evitá-la a opção seria dar uma volta muito grande pela também congestionada rua São Clemente. Mas aí, veja. A rua não estava engarrafada. Estava parada. Mesmo. Entrei numas de não me perturbar. Como não estou acostumada a pegar carro na hora do rush, acho que estou sempre over-reacting, que o trânsito vai devagar mas acaba andando.
Coloquei Memórias Cantando do Paulinho da Viola e fui cantando junto Nova Ilusão, que é aquele primor de música de Claudionor Cruz e Pedro Caetano. É dos teus olhos a luz/ Que ilumina e conduz/ Minha nova ilusão. A música terminou e acho que não tinha avançado nem um metro. Veio a segunda faixa, a terceira, a quarta, e não estava nem no meio do quarteirão. Quando começou O Velório do Heitor, que é a oitava faixa (Havia um certo respeito/ No velório do Heitor/ Muita gente concordava/ Que apesar de catimbeiro/ Era bom trabalhador), eu já desconfiava que aquilo ali não estava normal. Acabei virando na primeira esquina possível e resolvi ir antes no Mundial, e no HortiFruti depois.
Para estacionar no Mundial, fila de carros parados em plena Voluntários da Pátria. A essa altura já estava ouvindo Nova Ilusão de novo. Se um beija-flor descobrisse/ A docura e a meiguice/ Que os teus lábios têm/ Jamais roçaria as asas brejeiras/ Por entre roseiras/ Em jardins de ninguém. Finalmente estacionei e cheguei a um supermercado totalmente lotado. Respirei fundo, fundíssimo, fundérrimo, comprei o que tinha de comprar, e encarei uma fila grande para passar no caixa, com direito, é claro, à mulher que estava na minha frente e esqueceu de pesar uma carne qualquer, então teve de voltar lá na seção de carnes enquanto a caixa ficava ociosa e a fila bufava.
Paguei, pus as compras no carrinho e desci até a garagem, guardei tudo na mala do carro (alguém aí ajudou a grávida? não? pois é). Não me arrisquei a tentar a Mena Barreto de novo. Dei a volta pela São Clemente mesmo, peguei a 19 de Fevereiro até a General Polidoro, cheguei no estacionamento do HortiFurti às 20h45 ouvindo Coisas do Mundo, Minha Nega e tentando manter a sanidade enquanto pensava 'Que disco bom, este, que se pode ouvir tantas vezes seguidas sem cansar'. Hoje eu vim, minha nega/ Querendo aquele sorriso/ Que tu entregas pro céu/ Quando te aperto em meus braços/ Guarda bem minha viola/ Meu amor e meu cansaço.
Subi a rampa do estacionamento apenas para encontrar um funcionário balançando a cabeça para mim, fazendo que não. Abri a janela. "Senhora, o HortiFurti já fechou".
Eu, em meu estado normal, teria voltado pra casa p. da vida, soltado os cachorros e xingado quem me aparecesse pela frente. Mas eu, em meu estado gravídico, o que faço? Chego em casa, Mathilde vem me dar um abraço apertado e amorosíssimo e eu... caio em prantos! M. vem assustada me perguntar o que houve, e tudo o que eu consigo dizer é "Não consegui ir ao HortiFruti! Buááááá!!". M. me olha com cara de ponto de interrogação, Mathilde não entende nada ("Não chora, mamãe!"), e eu balbucio coisas desconexas, mais ou menos algo como "tenho tão pouco tempo para passar com minha filha, mas acabo perdendo duas horas preciosas presa no trânsito, e nem ao menos consigo trazer para casa as frutas e verduras que estavam faltando, e tanto esforço para nada, e sou um fracasso doméstico", etc. etc.
Isso, meus amigos, são os hormônios em ação.
Os hormônios da gravidez não nos deixam apenas supersensíveis. Ficamos também incrivelmente pilhadas para fazer coisas, consertar, resolver pendências, tocar as coisas para a frente. Em tudo há um senso de urgência -- e por conseguinte uma imensa frustração quando não conseguimos fazer as coisas caminharem (como as obras paradas do meu prédio, que eu sinceramente tenho tido vontade de terminar com minhas próprias mãos - Me segura, se não eu subo nesse andaime). Nada mais compreensível que essa urgência: há um prazo, há a inevitabilidade do curso da natureza, bem aqui, dentro do nosso corpo. E é terrível notar que quem não está grávido simplesmente não está acompanhando essa sua pilha absurda.
Coisas do mundo, minha nega.
***
Serenity Now é um episódio de Seinfeld, e é o que eu tenho me esforçado muito, muito para conseguir.
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11.7.10

O blogue enquanto reflexo da vida

Vamos começar a fazer algumas obras em casa, pequenas reformas para acolher Oliver.
Então resolvi fazer pequenas reformas aqui também.
Ano novo, vida nova.

1.7.10

Capitalismo tabajara

.Detesto esse capitalismo pela metade em que a gente vive aqui. Onde as pessoas não têm capacidade de desviar da burrice para ganhar mais dinheiro.

Como hoje. Quando resolvi comprar fraldas.

História nº 1

Eu não sou daquelas pessoas cricri com marcas, grifes etc. Todos os meus relógios são sempre de camelô. A maioria dos óculos escuros também. Compro roupas em lojas de departamentos, se me agradam. Realmente não estou nem aí.

Mas tem certas coisas que não. Papel higiênico, por exemplo. Só compro do mais caro, que acho que realmente é melhor. A mesma coisa para as fraldas da Mathilde. Depois de passar por todas as marcas disponíveis no mercado (graças ao fantástico chá de fraldas que fizemos, e que rendeu por um ano), considero 3 delas as melhores: Huggies Natural Care, Pampers Total Comfort e Turma da Mônica Soft Touch. Esta última eu quase não compro porque só vende um pacote pequeno, e eu prefiro comprar pacotes maiores. A Huggies tem sido difícil de achar no mercado, então tenho comprado mais da Pampers, essa modalidade do pacote verde.

Eu compro as marcas mais caras, mas isso não quer dizer que eu não pesquise para saber onde está mais barato. É por isso que vocês podem me encontrar, na farmácia ou supermercado, com a calculadora na mão, fazendo a conta de quanto custa cada fralda, para decidir se vou levar o pacote Mega, com 48, ou Hiper, com 60 (ao contrário do que pensaria o senso comum, nem sempre o pacote com maior quantidade tem preço unitário menor -- vá entender), ou quanto custa o metro de papel higiênico, para decidir se compro 1 pacote com 16 rolos de 30m ou 2 pacotes com 4 rolos de 50m.

Assim sou eu, tentando valorizar meu dinheiro. E por isso não me furto a andar um pouco mais para chegar à loja mais barata.

Então hoje, na hora do almoço, como em casa o último pacote de fralda já está no fim, decidi que iria até a Droga Raia, que fica a umas 6 quadras do meu trabalho e a umas 12 quadras da minha casa. Porque a Droga Raia não só tem a Pampers verde (a Drogaria Pacheco, por exemplo, não tem, apesar de existir uma filial em cada esquina) como tem uma promoção ótima, caindo o preço de $45 para $32 se você comprar 4 pacotes Hiper (o maior pacote que há, com 60 fraldas, no caso do tamanho G). Eu compro sempre nessa promoção.

Cheguei lá, vi que eles tinham os pacotes Hiper tamanho G, e que a promoção continua de pé. Quando já estava pronta pra pagar, resolvi confirmar que entregavam em domicílio, visto que eu não andaria nem meia quadra, quanto menos 12, carregando 240 fraldas além da minha barriga gigante. "Ah, não. A senhora tem que ligar para a Central e fazer o pedido por telefone", me disse a caixa, estendendo um papelzinho impresso com o número.

Só isso já fez meu humor azedar, pelo desperdício da caminhada. Saí da farmácia e liguei para a Central da Droga Raia. Lá, a atendente confirmou meu nome, CPF, RG, endereço e telefone (!), antes de ouvir meu pedido. "Quero 4 pacotes de Pampers Total Comfort Hiper tamanho G". "Ok... Hmm, senhora, esta fralda está em falta, não tenho no estoque". "Mas eu acabei de sair da loja que fica mais próxima à minha casa, e eles tinham!". "Não importa. Infelizmente não poderei atender seu pedido".

E fim de papo. Ou seja, ninguém fez o mínimo esforço para realizar uma venda de R$128. Nem a loja, nem a Central de Atendimento.

História nº 2

Há alguns meses foi com o laptop do marido. Um Sony Vaio comprado via Amazon numa viagem aos EUA, ano passado. Estava dando um pau, desligando sozinho. Levou na assistência técnica e o diagnóstico foi superaquecimento, causado por um defeito na ventoinha (!). Era um desses defeitos reconhecidos pela fábrica, que portanto nem cobra para conserta. Bem. Lá ficou o computador na assistência técnica uma semana. Duas semanas. Três semanas. E nada da peça chegar, e marido aqui sem computador para trabalhar. Lá pelas tantas entendemos que não havia a menor previsão da tal peça chegar e do conserto se realizar.

Marido então, enfezado com o prejuízo de não poder trabalhar direito, resolveu comprar a peça (um ventiladorzinho) nos EUA, já que um amigo nosso, entendido de computador, estava em Miami e poderia trazer.

Mas na loja da Sony.com a peça estava out-of-stock. Então íamos comprar no E-Bay quando resolvemos, antes, ligar para o SAC da Sony dos EUA para perguntar se isso resolveria o problema ou se continuaria a mesma coisa. Então peguei o telefone e liguei para a Sony nos EUA. Depois de muitos menus "press 2, press 5, press 7, press 8" etc., fui atendida por alguém. Expliquei o problema. Ele me pediu o número de série. Eu dei. Ele me perguntou se eu conhecia um tal Mr [Nome de Marido]. Fiquei assim meio "Oh", tipo cacete-caraca-sinistro, e disse que sim, que ele aliás estava ali ao meu lado. Porque, por algum motivo, eles tinham lá o nome dele associado àquele número de série. (MEDO)

Passado esse choque, o cara me explicou tudo muito bem explicado. Aí eu falei que na loja do site Sony.com a peça constava como esgotada. Aí ele disse "Hold on, senhora, vou lhe passar para o nosso departamento de vendas, talvez eles tenham a peça, sim". E me transferiu. E a ligação NÃO caiu. Aí atendeu outro alguém que me disse "Sim, eu tenho a peça em estoque! A senhora quer comprar?". Eu respondi que sim. Então passei o nome e o número do cartão do marido, o nome e endereço do nosso amigo em Miami, e pedi para realizar a entrega expressa, de um dia para o outro.

E foi assim, amigos, sem ninguém me perguntar o meu CPF, nem confirmar o nome do meu pai e da minha mãe, nem perguntar o nome da primeira escola em que eu estudei. Foi assim, dando um número de cartão e um endereço, tudo pelo telefone numa única ligação, que a peça chegou lá em Miami no dia seguinte, nosso amigo trouxe, ele mesmo instalou a ventoinha nova e consertou o computador. E a cobrança no cartão de crédito veio direitinho.

Aí, caramba, digam o que quiserem, mas isso é saber ganhar dinheiro e deixar o cliente satisfeito. O resto é conversa mole.
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