6.9.06

Sobre bolas, pés e corações


Então eu vejo alguns jogos do campeonato brasileiro. Porque gosto tanto de futebol que, se estiver de bobeira, assisto a qualquer jogo. E em casos especiais, desmarco qualquer programa -- como foi nas duas finais da Libertadores, Inter x São Paulo, dois jogaços.
Bem. Eu torço pelo Flamengo. Como vou dizer?, eu torço muito pelo Flamengo. Mais do que a maioria das "mocinhas" costuma torcer. Torcer, quero dizer, se envolver. Eu gosto de ir ao estádio (gosto não, eu adoro -- no nível: eu já fui sozinha ao Maracanã), eu tenho várias camisas, eu tenho livros sobre o Flamengo, eu tenho aquelas faixas cafonérrimas de Campeão que vendem na porta do estádio. E, como não podia deixar de ser, eu participo de uma lista de discussão sobre Flamengo. Não é uma dessas listas monstruosas, de 2047525 participantes fanáticos. Não, eu não teria saco. É só dos meus amigos, tem umas 15 pessoas no máximo. E muitos deles são jornalistas esportivos. O tipo de gente que acompanha mesmo, de perto, toda a movimentação dos clubes. E o Flamengo está, como aliás todos os últimos anos, ladeira abaixo no campeonato brasileiro. E mais uma vez tenho certeza que vamos passar o final do ano lutando para não sermos rebaixados para a segundona (até o ano em que isso finalmente ocorrer -- porque é inevitável).
Eles, os meus amigos flamenguistas, sofrem muito cada vez que o time perde, cada vez que tem um vexame em pleno Maracanã, cada vez que um jogador é vendido numa negociação tacanha, cada vez que chega um reforço bisonho, fruto de negociatas com esses empresários mafiosos. Eles ficam putos, de verdade. Eu não. Eu não acompanho esses jogos. Mais: eu me recuso a acompanhar. Porque eu nunca consigo saber quem são os jogadores que estão em campo. Porque é impossível registrar todas as idas e vindas. Impossível. A menos que você não faça outra coisa da vida.
Deixa ver se eu consigo explicar de outra forma. Houve um tempo em que, além de torcer pelo "símbolo" Flamengo, eu torcia pelos indivíduos. O Zico. O Júnior. O Adílio. Aquela geração, vocês sabem. Era mais fácil -- ou melhor, era mais concreto. Hoje em dia não dá para confiar num jogador a ponto de torcer por ele (ele como "pessoa física"). Todos eles estão constantemente em trânsito, estão jogando aqui pensando em chamar atenção para jogar lá (e lá = qualquer lugar fora do Brasil). Ou para mudar de clube aqui mesmo. O Petkovic, por exemplo, já passou pelo menos por Flamengo, Fluminense e Vasco. O Luizão, que andou fazendo gols importantes pro Flamengo, pra mim vai ser sempre um vascaíno. Talvez a única exceção de jogador identificado com clube no Brasil hoje seja o Rogério Ceni (a.k.a. Luciano Huck) e o SPFC.
Na semana passada parece que se encerrou um prazo qualquer para a comercialização dos jogadores de futebol para o exterior. Então foi um deus-nos-acuda nos clubes, empresários como operadores de bolsa de valores, compra, vende, negocia. Vendem uns jogadores de dezoito anos para a Rússia. Vendem goleiros para a Turquia. Vendem os Robinhos para a Espanha por uma quantidade de dinheiro que me constrange.
De forma que não restou nada além do símbolo. Torcer hoje é vibrar por conta de uma abstração. Claro, isso sempre ocorreu. Só que antes a gente podia materializar essa paixão abstrata em uma dúzia de homens correndo. Hoje não. Por isso eu não ligo a mínima para os jogos que o Flamengo faz nesse falido campeonato. Guardo tudo para quando ele estiver disputando algum título, alguma coisa que me dê motivo para torcer de verdade, e aí sim vou gritar Mengo! da janela até perder a voz.

PS: Ainda futebol:
Ele me disse essa semana: "Quero te mostrar uma coisa no jornal que me deixou emocionado". Eu com cara de ponto-de-interrogação. Chegou na página do Obituário e mostrou o anúncio fúnebre que não tinha os convencionais símbolos da cruz católica ou da estrela-de-davi. Tinha uma estrela solitária, o símbolo do Botafogo. E depois das informações sobre os familiares, e sobre a missa, na última linha, em negrito: "Tua estrela solitária nos conduz". Ele me olhou com os olhos rasos d'água: "Quando eu morrer, promete que faz um assim pra mim". Eu ainda incrédula. Ele feliz: "Estou até pensando em ir na missa desse cara".

E essa foto não é linda? Reflete bem esse amor, às vezes solitário, mas sempre fiel, por uma abstração. (Ainda por cima porque o Zico jogou no Udinese.)

10 comentários:

Unknown disse...

Seu blog também é uma gostosura. Sabe bolinho de chuva com canela? E de nada. Parafraseando o Inagaki, que parafraseou as embalagens de papel onde se colocã pão: servimos bem para servirmos sempre!

Rodrigo disse...

O Luizão diz que é flamenguista, Anna. Ele e o Edilson. Olha, eu acho que o Sávio tem uma identificação com o Flamengo, mas ele tá meio velho, né? E não é esse craque todo para transformar um time ruim desses em algo que preste.

Mas tá difícil se interessar em acompanhar um jogo como Flamengo X Figueirense. Resta o estadual e uma eventual final de Copa do Brasil.

Anônimo disse...

Hoje em dia são raríssimos os casos de amor entre o jogador e o clube.

(com relação ao RC, eu tinha escrito aqui sobre uma certa "proposta do Arsenal" - conhece essa? - mas achei melhor ficar quieto)

No meu Corinthians saiu um traidor (Tevez) e chegou outro (Magrão - traiu a porcada).

Os jogadores vão, o clube fica.
E é por isso que eu canto:
"Corinthians! Corinthians, minha vida! Corinthians, minha história! Corinthians, meu amoooooor!!!"
(mesmo quando estamos lutando pra não cair)

Eduardo Rodrigues disse...

O Luizão, esse desclassificado, saiu escorraçado do Vasco e hoje em dia fala mal do clube. É possivelmente o maior mercenário do futebol brasileiro. Safado, feio e usa um cabelinho ridículo.

anna v. disse...

Hehe, só comentários masculinos, que engraçado.
Gentes, não importa o time que o Luizão torce ou deixa de torcer, pra mim ele será sempre um jogador do vasco, graças àquele time de 97 que ganhava tudo (menos o Mundial, hoho), que tinha ele, Felipe, Juninho, Ramon etc. A primeira impressão é a que fica.

Camilo, ouvi no rádio a melhor do Corinthians essa semana: Amoroso chegando e dizendo que no Corinthians é preciso "matar um leão por dia". E parece que foi... sem querer! Genious, genious!

Anônimo disse...

Anna, pior foi o mesmo dizer que assinou com a "Sociedade Esportiva Corinthians". Aaaaaaaaaaaaaargh!!! Devia ser jogado ao Leão!

Billie Wonder disse...

essa é a diferença do botafogo pros outros times.. nossos ídolos são apenas nossos.. é um time com mais "lealdade", com mais história, mais fé, mais íntima a ligação clube-torcedor..

e é por isso q como vc viu no anúncio obituário, nós botafoguenses somos EXTREMAMENTE apaixonados em nossa maioria, e axo q é um dos clubes q mesmo com uma história recente relativamente ruim (jejuns de 21 e 9 anos sem títulos), rebaixamento, etc, conseguimos manter uma imensa torcida e das mais apaixonadas do brasil, capaz de meter sozinha mais de 100 mil pessoas no maraca em uma final de copa do brasil, coisa q nem a imensa torcida do flamengo conseguiu fazer..

e é por essas e outras, q "essa estrela solitária nos conduz" =]

Anunciação disse...

Sei que isso não existe,mas penso exatamente com você.Com relação ao trabalho(apareceu um vendedor de rede Mossoró),com relação ao futebol e com relação ao Flamengo.Foi muito bom conhecê-la.

Anunciação disse...

Ah e adoro música mas não toco instrumento nenhum.

Bela disse...

garooouta!
eu sabia que essa nossa empatia devia ter mais motivos dos que os já 'aparecidos'! Mengão na veia!!!Oh yeah!Tb adoooro futebol e de Beethoven eu nem digo nada...só que meu filho mais novo pedia assim: "mamãe, bota aquela música que começa calminha e de repente todo mundo enlouquece!" ai ai...orgulho de mamãe!
Adorei esse Go Ear!
beijooos