20.4.07

Samurai

Esse post muito bacana sobre etimologia me lembrou uma outra questão do mundo das palavras, que é a interpretação diferente que a mesma palavra pode ter em culturas diversas. Aconteceu esta semana.
N. é japonesa, e trocou o Japão pelo Brasil há alguns anos movida por uma paixão. Se apaixonou pela nossa música, e mandou às favas a família, a cultura, o país e o emprego na orquestra sinfônica de Osaka. Vive aqui, ralando como tantos músicos, dando aulas de flauta, tocando em gravações, peças de teatro, shows etc. Eu a admiro muito. Não só por essa trajetória de coragem e amor, mas também pela sua competência profissional. N. toca toda a família das flautas (em dó, em sol, flautim), toca piano muitíssimo bem, saca muito de orquestração, ensaia e rege grupos e pequenas orquestras com a cancha que só quem já esteve do outro lado das estantes pode ter.

Pois bem. Ela participou de um disco cujo release eu escrevi. E quando fui citá-la, disse que ela era uma samurai. (Sim, eu sei que samurais são só homens - ou mulheres disfarçadas -, mas isso realmente não é importante.)

Logo que cheguei de viagem encontrei N., num lugar com muita gente, revendo todos os amigos ao mesmo tempo. Ela me perguntou: "Por que você colocou samurai no release?". Mas eu nem consegui responder, porque estava uma confusão de gente, e depois ela foi embora. Na terça estive de novo com ela, e lá pelas tantas apareceu o release. Ela perguntou de novo: "Por que samurai?". Eu respondi que samurai para mim tinha uma conotação de poder, de coragem, de um guerreiro destemido, com honra, defendendo uma causa nobre, e também alguém com muitas habilidades, e muito bom naquilo que faz. E que eu achava que ela era tudo isso.

Ela fez aquela cara de "Ahhn..." que só os japoneses sabem fazer.

E me explicou que samurai, para os japoneses, era outra coisa. "É aquele guerreiro que saca uma espada e sai matando todo mundo." Hein? Como assim? Um assassino, só isso? E a honra? E a nobreza de espírito? E a coragem? "Tem isso também, mas principalmente é aquele que tira a espada e mata."

Fiquei meio preocupada. Não fora absolutamente essa a minha intenção. Saímos perguntando para todo mundo que estava por ali, e para meu alívio, os brasileiros todos tinham uma concepção bem positiva, parecida com a minha, do que seria um(a) samurai. E acharam a comparação muito apropriada, aliás.

Só houve a discordância quando eu disse que samurai era aquele que fazia muitas coisas, tinha muitas habilidades. Logo veio alguém para dizer que esse é o ninja, não o samurai. E N. explicou maravilhosa e japonesamente: "Ninja é mau. Não tem honra. O ninja está ali, atrás daquele armário, agora, colado na parede (e apontou). Ele te mata e some na noite."

Todo mundo riu, mas a verdade é que ninguém mais ficou perto daquele armário.


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