Ontem depois do jogo vi num telejornal uma chamada ao vivo para a repórter que estava na frente do mosteiro em São Paulo onde o Papa estava hospedado. Chovia e fazia e frio no Rio, que dirá em SP. Ela dizia que o frio e a chuva haviam afugentado a maioria dos fiéis, e que naquele momento "apenas cerca de mil pessoas" continuavam na vigília.
Religião sempre foi uma coisa tão ausente na minha vida que não consigo deixar de me surpreender quando reflito sobre essa informação: meia-noite de uma quarta-feira de chuva, e cerca de mil brasileiros estão em vigília em frente a um mosteiro onde o Papa está dormindo. Será que essas pessoas passaram a noite lá? Mas o que esperavam? Que ele viesse à janela às duas da manhã e acenasse? Ou jogasse cadeiras ou copos, como os Rolling Stones, ou sacudisse bebês, como o Michael Jackson? Ainda mais um Papa desagradável como este, que não desperta nenhuma simpatia com suas risíveis ameaças de excomunhão aos que defendem o aborto. (M. quer saber como fazer para ser oficialmente excomungado. Será que dão certificado para pendurar na parede? Hoho, adorei a idéia, também quero!)
Mas enfim, como diz a Carrie, mui sabiamente, este mundo não me pertence. Hoje parece que o Papa falou a 41 mil pessoas no Pacaembu. Fraco, esse público. Flamengo x Defensor, quando só um milagre classificaria o meu time, botou 57 mil no Maraca. Mas amanhã a expectativa é de dois milhões de pessoas para a canonização do santo brasileiro, o Frei Galvão, que, vamos falar a verdade, até anteontem ninguém nunca tinha ouvido falar. Dois milhões. É mais um número que me deixa com essa eterna sensação de minoria.
Nós somos minoria em tudo. Nós, eu e você. Não queremos ver o Papa. Não cogitamos a hipótese de ir à praia de Botafogo ver uma surreal corrida de aviões (!). Muito menos ir à praia de Copacabana ver um show do Lenny Kravitz. Tudo bem, se fosse só isso seria apenas uma questão de não gostar de multidões. Mas não. Somos minoria, nós que temos curso superior. Somos minoria, nós que lemos blogues. Gostamos de músicas que não tocam no rádio. Nossos filmes favoritos não são o Homem-Aranha 3 nem A Vingança dos Sith. Somos minorias, nós que lemos livros!
É por isso que pertencer à torcida do Flamengo torna-se uma redenção. É a hora em que somos maioria. Para quem vive no Rio, em qualquer grupo, em qualquer ambiente, haverá sempre mais flamenguistas do que torcedores de qualquer outro time. A não ser, claro, sei lá, no Clube Atlético Português ou coisas do gênero. Quando vou ao Maracanã, por exemplo, posso me dar ao luxo de escolher com que grupo de amigos quero ir. Meu pobre marido, quando "o" amigo botafoguense dele não pode ir, ou vai sozinho ou vai com pessoas meio nada-a-ver. (Na final da Taça GB do ano passado, contra o América, EU fui com ele, para fazer companhia.)
Isso por si só não nos faz melhores que os outros, claro. (Faz sim, mas não pega bem registrar isso por escrito.) Mas dá uma sensação de pertencimento a algo muito grande, a algo absoluto, que eu muito raramente experimento. Talvez na primeira eleição do Lula eu tenha sentido assim.
Mas enfim, só sei que ontem só um milagre levaria o Flamengo adiante na Libertadores. Milagre que esse Papa escroque fez questão de não realizar. Aliás, ainda bem, se não perigava ficar igual àquela coisa ridícula do Fluminense de ficar cantando "A benção João de Deus" per seculi seculorum. Eu não fui ao estádio ontem por questões mais ou menos de saúde. Também não vou dizer que tenha sido horrível ficar em casa debaixo das cobertas numa noite fria de chuva. Mas aqui, sozinha em casa, em frente à TV, eu sentia a vibração da torcida tão forte que quando vi estava batendo palmas e cantando tudo o que eles cantavam. Baixinho, só pra mim. Ó, meu Mengão, eu gosto de você... Ganhamos o jogo, mas fomos eliminados. E o time saiu de campo aplaudido, com gritos de É Campeão. Ah, às vezes não é fácil escrever com lágrimas nos olhos.
3 comentários:
Poxa, do Papa até agora eu só o vi lendo um discurso pro Lula. Até que tava bem no português. Acho que esse é o único aspecto que me interessa nos papas: saber se falam bem o português e outras línguas. Quanto ao jogo ontem, o que vi hoje: uma profusão de camisas rubro-negras pelas ruas da Bahia. Ano que vem, o bi é nosso. Pode anotar.
Muito lindinha a sua crônica. Amei mesmo.
Eu tenho mais simpatia pelo Vasco, mas numa vez que eu fui ao Maracanã ver um Flamengo x Vasco com um amigo flamenguista fanático, acabei tendo que ir para a torcida do Flamengo. E é uma coisa linda, viu? Um amor pelo time, uma animação, sem precisar charanga ou torcida organizada, que eu vou te contar...
Não torço pro Flamengo, mas torço pro Corinthians que é exatamente a mesma coisa. Aliás, sempre digo isso, que torcer pro Corinthians é uma experiência de massa, catártica. Estar no meio da Fiel é como entoar o Om.
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