26.12.11

Bumerangue, de Michael Lewis


No meio dessa confusão típica dos finais de ano, caiu-me nas mãos Bumerangue: uma viagem pela economia do novo Terceiro Mundo, livrinho muito recomendado por gentes boas. É uma grande reportagem sobre o mundo pós-crise econômica de 2008, que ajuda a entender um pouco melhor a confusão em que estamos todos. Para mim, que faço o tipo leiga-esforçada em assuntos econômicos e financeiros, foi bastante útil.

Pra início de conversa, o texto é ótimo, a tradução idem (do Ivo Korytovski, tradutor de quem sou grande fã desde que descobri que o dicionário dele incluído no Babylon era simplesmente muito melhor do que os Michaelis da vida, porque é um dicionário de tradução para quem é do ofício, e me foi maravilhosamente útil nas minhas duas empreitadas tradutorísticas). Segundo, é super atual, tem dados e informações de 2011, já que o livro saiu nos EUA em outubro e aqui em novembro.

O livro tem 5 capítulos (e um prefácio super encorajador, intitulado "É pior do que se pensa"), que são o resultado das viagens do Michael Lewis por alguns dos países-ícones da crise: Islândia, Grécia, Irlanda, Alemanha e Estados Unidos. Um turismo de crise econômica, por assim dizer. Mas o resultado é precioso, principalmente por mostrar o absurdo de certas situações que, por uma simples questão de status quo dos donos do discurso, passam a vigorar como normais.

Deprimente manifestação popular na Islândia. Daqui.
Sobre a Islândia, eu já tinha lido em 2009 a ótima reportagem do João Moreira Salles (que também foi até lá para ver de perto), intitulada "A grande ilusão" e publicada na Piauí (leia aqui). É um caso tão sui generis, que parece peça de ficção. Um país de 300 mil habitantes, que tem a pesca como principal atividade econômica, e que, num intervalo de 6 anos, vira a terra do hedge fund, seja lá isso o que for. Os lucros são tão extraordinários que as pessoas largam seus empregos para se dedicar à especulação financeira. Obviamente, isso só era possível graças ao comportamento criminoso dos banqueiros islandeses. E quando os bancos islandeses quebram, levam junto uma penca de investidores do resto do mundo. Lá pelas tantas, Michael Lewis entrevista um sujeito chamado Stefan, pescador profissional (formado em pesca na universidade e tudo) que largou tudo para trabalhar no mercado financeiro, e se espanta com o fato de, no seu primeiro dia no novo emprego, ninguém ter dito: "Mas Stefan, você é pescador!" (porque, com 300 mil habitantes, que é menos do que os moradores de Copacabana e Tijuca somados, todo mundo na Islândia se conhece e é aparentado).

Na Irlanda, onde o crash foi causado pelo mercado imobiliário, os bancos emprestavam dinheiro a construtoras que levantavam condomínios, hotéis e edifícios comerciais em regiões para as quais não havia qualquer demanda. Houve uma inflação geral do preço dos imóveis, e as pessoas contraíam dúvidas para financiar a compra de suas casas, dívidas que se tornaram impagáveis depois que a bolha estourou, a recessão galopou, os bancos se ferraram e o governo decidiu abrir a torneira de dinheiro para evitar o colapso - pegando emprestado dos bancos da União Europeia. Lewis vai a uma sessão do parlamento irlandês, conversa com políticos, e também com o incrível aposentado que jogou ovos podres numa reunião de investidores de um dos bancos picaretas (leia aqui, em inglês). E nesse capítulo eu não pude deixar de pensar no Rio de Janeiro, onde o valor dos imóveis mais que triplicou em 6 anos e um apartamento de 3 quartos em Botafogo (ex-bairro operário, sempre engarrafado e com uma praia que não dá para ir), sem grandes luxos, não sai hoje por menos de 1 milhão de reais. Tenho visto tantos anúncios de página inteira nos jornais de grandes empreendimentos imobiliários em lugares inusitados como Itaboraí, Itaguaí e Itacuruçá, e pelo menos agora posso dizer, sem medo, que acho isso muito estranho.

Na Irlanda pelo menos tem a melhor cerveja preta do mundo
O capítulo sobre a Alemanha é, preciso dizer, muito cruel com os alemães. Eles ficam nessa história como uns bobos que compraram os títulos mais podres, uns crédulos que não desconfiam de ninguém, o que, convenhamos, é uma visão no mínimo original para o povo alemão. Para além do amor às regras tipicamente germânico, o autor quase chega ao ponto de dizer que o ministro das Finanças, um geniozinho da economia, é um boboca por se dedicar à vida pública e fazer jus a um salário "modesto" em vez de ganhar dinheiro pra valer no Goldman Sachs. Mas a descrição do personagem é memorável: um cara em ótima forma física e totalmente careca, não por necessidade, mas por opção. Segundo Lewis, pessoas assim pensam: "Não preciso de gordura corporal, e não preciso de cabelo -- e qualquer pessoa que precise é um fraco."

Sobre os Estados Unidos, a parte mais reveladora é a entrevista com o Schwarzenegger, ex-governador da Califórnia, durante um passeio de bicicleta pela orla (!), a 100 km/h. Descontada a situação pra lá de bizarra, a análise sobre os vícios da política americana é muito interessante.

Enfim, são só 224 páginas que voam, e na Saraiva.com sai por R$19,90. Dá uma boa organizada nas ideias, e serve para fazer um bonito na mesa do bar!


4 comentários:

Anônimo disse...

Parece legal, anna, se ele for pro mini sebo sou candidata a ficar com ele ::)
bjo,
clara

Fabiano Izabel disse...

Olá, Ana!
Boa tarde!
Cheguei até o seu blog buscando referências sobre o livro "Bumerangue", do Michael Lewis. Seu post só confirmou minhas suspeitas e me motivou, ainda mais, a comprá-lo. Também acabei lendo o seu blog e gostei muito, tendo, inclusive, o adicionado a minha lista de Feeds! Parabéns!

anna v. disse...

Que bom, Fabiano, fico feliz de saber. Depois não deixe de voltar aqui para compartilhar suas impressões. Abraço.

Anônimo disse...

Anna,
faz muuuuuuuuuito tempo que nao leio os seus posts. Vc provavelmente nao lembra de mim, sou aquela "ragazza" que morava em Zurique back in 2006.
Voltei para o Brasil em 2007, estudei dois anos para um concurso publico -que prosaico, eu sei- passei!
larguei tudo (Nao. nao enlouqueci, foi para salvar a minha familia)porque , depois de ver a situacao do Brasil e comparar como o que eu poderia oferecer aos meus filhos na Europa em materia de cultura e de civilizacao, (whatever that means) voltei para a Suica. Desta vez, a italiana. Meninos na escola ha um ano, falando italiano como nativos( jah estao na 3a lingua). Eu, falando fluente, mas nao como nativa
( depois dos 40 nao se assimila mais o sotaque:() e olhando para o lago mais lindo da minha janela.
As montanhas de Lugano lembram o Rio de Janeiro ( o meu verdadeiro sonho de cosumo)Mas, nao se pode ter tudo...
Emfim, adorei ver Mathilde: linda, alegre, serelepe.
Tudo de bom para voce!!!
Beijos afetuosos,
emilia