17.1.07

A herança da perda

Christine Wasankari, "Abstract Impressions #5" (2004)
Outro dia ela disse que não estava mais agüentando ler The Inheritance of Loss, o livro que ganhou o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio da literatura britânica. Eu também costumo não gostar dos livros que ganham esse prêmio, por isso parei de insistir. E além do mais esse título não me dá vontade de começar a ler, menos ainda num início de ano.
E entretanto o ano está começando com perdas. O pai de uma amiga. O filho de outra amiga. A Meg. A Ray.
O pai da minha amiga eu não conheci. Mas estava muito doente há tempos.
O filho da outra amiga eu também não conheci. Sei que ele tinha 34 anos e morreu num acidente de carro. E sei que não há nada mais brutal do que uma mãe na missa de sétimo dia do filho. Uma vez me explicaram a diferença entre drama e tragédia. O drama segue a ordem natural das coisas. É a filha ir ao enterro do pai. A tragédia subverte essa ordem natural. É a mãe no enterro do filho.
A Meg eu conheci pouco. Freqüentava o blogue dela de vez em quando, e ela uma vez me deixou um comentário super fofo, elogiando este blogue e dizendo que o descobrira via Fezoca. E aí é dessas coisas estranhas de conhecer as pessoas pelos blogues, essas relações que são tão reais e tão diferentes. A gente acaba convivendo e compartilhando tantas coisas por meio dos blogues que freqüentamos, cria-se uma espécie de intimidade mediada pelo computador, pela aparência do blogue -- que, claro, é a cara que damos à pessoa que escreve --, pela maneira da pessoa escrever, pela fato de saber que ela/e está escrevendo não só para mim, mas também para mim, uma mescla de público e pessoal mucho loca. É tão real quanto a sensação de perda que nos vem ao receber uma notícia dessas.
A Ray eu conheci um pouco melhor. Ela na Alemanha, eu aqui. Trocamos muitos emails, falamos no telefone, e nos vimos pessoalmente nas vezes em que ela veio para a Flip. Era daquelas pessoas dinâmicas e cheias de entusiasmo. E só mesmo alguém assim poderia tomar como missão divulgar a literatura lusófona mundo afora. Tarefa inglória, lutar contra a barreira do idioma, convencer os outros a vencer a preguiça, em um ambiente em que a oferta é tanta e de tamanha qualidade. Não sei se as pessoas que trabalham com ela vão conseguir levar à frente um projeto tão bacana com a mesma garra.

E pra terminar esse post macambúzio, volto a The Inheritance of Loss. Eis um e-mail que recebi no início do mês, de um amigo que está morando em Londres. Tiny world...

Vc se lembra do Brad, aquele meu amigo jornalista? Pois eh, ele esteve aqui ha alguns meses...Ah, o que eu ia dizer eh que, quando ele morava no Rio, o sujeito resolveu trazer a namorada que ficou em NYC - uma indiana que acabou por nao se adaptar muito ao Rio. Ela ficou na cidade uns 6 meses mas, ao contrario do Brad, nao "pescou" a vibracao da cidade. Ela ficava dentro de casa, trabalhando no segundo livro dela (segundo o Brad, o primeiro livro da moca era muito bom). Nada de errado, mas eu achava que nao combinava muito essa historia de morar em Ipanema e ao mesmo tempo ignorar o sol, a praia e o convivio social com os "locais". Artistas, ne?

Bueno, mas nao eh que eu levei um susto quando vi que Kiran Desai - o nome da rapariga - ganhou o Man Booker Prize de 2006 com The Inheritance of Loss?? Quando vi a foto dela no livro...Quem diria, que mundo pequeno!! Sempre a achei simpatica mas com uma irremediavel falta de conexao com o ambiente. Toda zen, muito polite, mas sem um pingo de excitacao pelo chope do Belmonte no Flamengo. Ou pela Feijoada do Mineiro em Santa. Ou pela beleza do Rio (vc sabe como carioca fica irritado com gente que nao cai de joelhos jurando amor eterno ao Rio de Janeiro quando confrontado com a beleza natural do lugar). Nada, nenhuma reacao alem da polidez apropriada.
Ta explicado. A sujeita habitava um outro universo. Eh isso, o livro que ganhou o Man Booker Prize foi gestado em Ipanema.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olah Anna,
quanto tempo!
Um comentario sobre o Booker Prize. Voce jah leu "The Famished Road"(Okri) ou"Life and Times of Michael K.(Coetzee)? Ambos vencedores do Booker resp. 1991 e 1983 e , na minha opiniao, fascinantes.
O livro de ben okri eu li quando saiu, acho que antes ateh de ganhar o premio. Uma viagem ler um livro com tanta magia tropical sob o cinzento ceu londrino.
Fica a dica.
Beijos,
emilia

anna v. disse...

Oi, Emilia! Não conheço The Famished Road. Michael K. eu tenho em casa, mas ainda não li. Já li outros do Coetzee e gostei bastante. Valeu pelas dicas. Bjs.