Som: In a Sentimental Mood com Duke e Coltrane.
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Quando conheci D. e R. eu devia ter uns 6 ou 7 anos. Eles eram um casal de amigos da minha mãe, e vinham bastante para o Brasil, a trabalho mas também porque gostavam. E como eram americanos, e era a década da hiperinflação, eu sempre tinha a impressão que eles eram muito ricos. Nem eram. Mas eles alugavam uns apartamentos na Vieira Souto, de frente pra praia de Ipanema, e eu ia lá e achava uma gastação de onda. Claro que eles alugavam esses apês junto de parentes e amigos que vinham também, e no rachuncho não deveria sair tão absurdamente caro. Naquela época em que tudo aumentava tanto de preço tão rápido que nem mesmo a gente conseguia acompanhar.
Eles traziam uns presentes bárbaros para mim. Uns ursos de pelúcia enormes, como eu nunca tinha tido. Uns livros para colorir que eram simplesmente fantásticos. E uns super estojos de pilots de mil cores, que era para colorir os livros. Presentes inesquecíveis.
Naquela época a gente se comunicava não sei bem como. Alguém traduzia, mas na verdade rolava uma comunicação direta. Principalmente com D., com quem sempre me dei tão bem.
Quanto eu tinha 8 anos fomos para os Estados Unidos, minha mãe e eu. E encontramos com eles em NY. D. tinha a pachorra incrível de ficar me levando nos fliperamas onde a gente podia jogar Pacman sentado no banco, a tela ficava como se fosse numa mesa, você tinha que olhar para baixo, não para frente. E eu só despejando quarters no Pacman, e morrendo na mão dos fantasminhas.
Depois eles vieram ao Brasil muitas outras vezes. Eu era adolescente, e ia com eles a shows de jazz. Chique no último, quando você tem 13 anos.
Aos 15, passei seis meses nos confins da Carolina do Norte, e quando acabou fui para a casa deles em Nova York, e fiquei um mês inteiro lá. Hoje em dia, que tenho minha casa e às vezes hospedo pessoas, sei que não é exatamente uma moleza ter um hóspede por um mês. Ainda mais um hóspede de 15 anos. De outro país. Eu ajudava como podia. Levava a cachorra pra passear e paquerava os outros donos de cachorro do Lower East Side. Fazia coisas secretariais para a pequena produtora que eles tinham em casa, como passar fax, bater envelopes à máquina (1992, people, um tempo estranho sem internet) e colocar no correio. Levantava cedo e ia comprar bagels para o café da manhã. Eles me levavam ao Blue Note. E foram comigo a Woodstock, para que eu conhecesse a mítica cidade do festival. E um fim de semana me levaram a Connecticut. Eu tinha um walkman e gostava de andar pelas ruas da cidade ouvindo música (na época eu comprava fitas K7 originais dos álbuns; hoje acho que as crianças não sabem mais que isso um dia existiu). Ele me dizia para não fazer isso, porque o som das ruas era importante para sua própria segurança (por exemplo, pra não ser atropelada, ou para se ligar se vier uma sirene ou gente berrando).
No final dessa minha temporada novaiorquina, D. comprou uma super câmera fotográfica e me deu a antiga dele. Uma máquina muito boa, Canon, toda manual, que eu tenho até hoje. Veio com uma lente 28mm e ele foi comigo comprar um zoom 35-105mm, de segunda mão, numa lojinha de lentes. E eu trouxe a máquina pro Brasil, e levava pra todo canto, e dizia a quem me perguntava, “Foi meu amigo americano que me deu”.
E se eu lembro de todos esses detalhes até hoje, é porque tudo isso foi muito importante.
Alguns anos depois, eu soube que eles dois tinham resolvido se casar, numa cerimônia, para oficializar a união que já durava uns quinze ou vinte anos. Achei meio estranho, mas enfim. O fato é que pouco tempo depois D. e R. se separaram. A produtora acabou, e cada um abriu seu próprio negócio. A gente manteve mais contato com ele, que passou a se dividir entre NY e Los Angeles.
Em 2002 estive em Nova York, e entrei em contato com eles dois. Não consegui encontrar R. mas fui almoçar com D. Rolava um afeto tão antigo, que foi ótimo esse encontro. Só estranhei ele estar muito magro, com uma aparência doente. Mas não comentei nada.
Depois disso nos falamos muito pouco. E se você leu até aqui esse texto memorialístico, já deve ter deduzido que D. morreu, como eu soube ontem. Soube de mais detalhes nessa notícia. Ficou a saudade e o registro desses bons momentos do meu amigo americano.
4 comentários:
Sinto muito pela perda, Anna.
Um forte abraço em você.
Que hist. linda, Anna, e tão bem contada. O bom é que vc vai levar esses momentos com vc por toda a vida(fiquei babando pelos brinquedos que vc ganhava, rs).
Pena que o desfecho tenha sido tão triste.
Abs.
Ele deve ter sido uma pessoa muito interessante, com uma historia de vida incrivel. E fez a sua vida muito mais alegre em vários momentos, nãoé?
Beijo querida, fique triste não.
PS -fiquei curiosa: que doença é essa?
Também não sei que doença é essa, Beth. Alguma coisa no intestino, pelo que pesquisei. Mas vi na notícia que a família pediu doaçoes para o instituto que pesquisa a doença, em vez de flores. Bacana, isso.
Camilo, Jussara, tks!
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