22.10.06

Mi Buenos Aires Querido - parte 6 (final)

Manifestações
Pelo visto, as passeatas podem ser consideradas um programa turístico de Buenos Aires. Ainda mais para nós brasileiros, que temos tão pouco esse hábito. Estive lá por uma semana e vi duas manifestações populares. Uma, a favor da legalização do aborto. Um dos gritos de ordem era "Nosotras parimos, nosotras decidimos". Haha. Essa era em parte da Av. 9 de Julho, e tinha aparato policial controlando e organizando, mas não chegava nem perto da outra manifestação que eu vi. Estávamos M. e eu saindo do Café Tortoni (o da foto do pão de miga abaixo), onde nos esbaldamos de Quilmes Imperial. Quando saímos, em plena Avenida de Mayo (que liga o Congresso à Casa Rosada) nos deparamos com uma passeata imensa, com muita, muita gente, mesmo.
Eram umas 7 da noite, e todos marchavam barulhenta porém organizadamente em direção à Casa Rosada. O motivo: o ex-chefe de polícia Miguel Etchecolatz, do tempo da ditadura militar, havia sido julgado e condenado à prisão perpétua por conta de seus atos naquela época (crimes contra a humanidade), dez dias antes. No mesmo dia que saiu a condenação, uma das principais testemunhas do processo, o pedreiro Julio López, cujo depoimento foi fundamental para a sentença, desapareceu. Então a manifestação era exigindo o reaparecimento do López, com vida, e a punição dos culpados. Ele passou a ser considerado "o primeiro desaparecido da democracia". A manifestação era enorme, tinha bandeiras de partidos, sindicatos, entidades estudantis, tudo. Gente saindo pelo ladrão. E no entanto não vi nenhum ambulante com seu isoporzinho de cerveja. Nada que pudesse desviar o propósito daquele evento. Tudo isso somado me pareceu uma coisa do outro mundo. Não era pra ser, era? Se nós somos hermanos e temos muito mais semelhanças do que diferenças. Já ouvi dizer que a ditadura militar na Argentina foi mais barra-pesada do que no Brasil, no que diz respeito aos desaparecidos políticos. Eu não saberia dizer, nunca estudei o assunto muito a fundo. O que percebo é que eles são muito mais eficientes do que nós na rememoração desse passado. As Mães e Avós da Praça de Mayo são uma força política muito respeitada, e pela sua comovente e inquestionável batalha, há mais de trinta anos, são conhecidas em todo o mundo. Elas estava lá nesse dia, com as fotos dos seus filhos e netos desaparecidos. Aquelas fotos de trinta anos atrás, sabe como é. Dá vontade de chorar, mesmo. Numa das milhares de livrarias da cidade, eu vi, na seção de livros infantis, um título, algo como "La Ditadura Militar Explicada a los Niños". Era publicado pelas Mães da Praça de Mayo. Folheei o livro, e meu deus, era horrível. Era um livro ilustrado, e lá pelas tantas tinha desenhos de mulheres grávidas sendo torturadas. Entre outras coisas. Não sei, a idéia me pareceu interessante, mas a realização era punk demais. Parece que houve uma anistia na Argentina, para todos os lados, como aqui. Mas que depois essa anistia foi (ou está sendo, não sei ao certo) revogada, porque principalmente esses parentes de mortos e desaparecidos não admitem um perdão aos repressores. Vi esta semana no Clarín a notícia de outra manifestação, quando se conta um mês do desparecimento do López. Eu não sei o que nos moveria dessa maneira. O esporte, talvez?Se o Flamengo fosse rebaixado acho que haveria chances de uma revolta popular. Mas por motivos políticos? Duvido. Ainda mais com o poder isolado naquela Bras-ilha, como diz a Cam. Porque não temos nenhuma educação política. No fundo não sabemos bem o que é política. Só temos a experiência dos políticos. Mas a teoria, o conceito, é zero.
Ficamos ignorantes ou ficamos cínicos? Posted by Picasa

5 comentários:

luizgusmao disse...

ei! oq vc tem contra brasília?

luizgusmao disse...

acerca de nuestros hermanos:

En los últimos días, las idas y venidas con el traslado del cadáver del ex presidente Juan Domingo Perón también han significado una vuelta hacia el pasado, como también lo ha sido la traumática conmemoración de este 17 de octubre
>http://www.nuevamayoria.com/ES/ANALISIS/?id=fraga/arg&file=061018.html

anna v. disse...

Pois é, eu vi que houve uma confusão enorme com o tal "re-enterro" do Perón. Que coisa. Fico meio impressionada que o peronismo ainda seja uma coisa tão forte e atual na Argentina.

E acho que a mudança da capital para Brasilia mudou, sim, e muito, a relação entre brasileiros e governo. Ficou literalmente muito mais distante. É isso que tenho contra Brasília.

luizgusmao disse...

como assim? vc quer dizer q na república das oligarquias e nos tempos de vargas o povo exercia mais seus direitos civis só pq a capital era no rio?

sei não... eu discordo do ruy fabiano.[http://noblat1.estadao.com.br/noblat/visualizarConteudo.do?metodo=exibirArtigo&codigoPublicacao=23398]

com certeza a mudança da capital alterou um bocado as relações políticas, mas não acho q tenha sido ela a afetar a representatividade. acho q questões como o sistema eleitoral explicam mto melhor essa distância entre o eleitor e o seu suposto representantante.

adotar o voto distrital misto poderia ser uma solução e não a transferência da capital federal a um centro mais populoso.

ow: concordando ou discordando é um prazer ler vc. está em meus favoritos!

um "abrazón", boluda! ;)

anna v. disse...

luiz, o que eu acho é que se a capital hoje fosse numa cidade nascida historicamente de forma espontânea, e não numa cidade construída para ser capital, a distância entre nós e o poder seria menor. vejo isso em todas as capitais que já conheci (mas também, é claro, os países eram outros, os "povos" eram outros). minha impressão é que a transferência da capital promoveu uma ruptura num processo histórico.
mas talvez isso seja apenas uma mera desculpa para justificar a nossa incrível apatia perante todos os fatos vexaminosos da república.
vou ler o ruy fabiano.
e obrigada pelas palavras simpáticas. vou te visitar também.
abraço